11 Setembro 2024
Rita Torti, 59, formada em História Contemporânea pela Universidade de Bolonha, vive em Parma e trabalha como coordenadora editorial na Paoline Editoriale Libri (Milão). Sua área é dos estudos de gênero em âmbito histórico, educacional e religioso, e publicou artigos e monografias sobre esses temas (entre os quais Mamma, perché Dio è maschio? Educazione e differenza di genere, Effatà 2013). Ela é sócia e membro do conselho diretor da Coordenação teólogas italianas.
A reportagem é de Federica Tourn, publicada por Jesus, setembro-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A questão do gênero não pode ser ignorada, pois é o filtro pelo qual olhamos o mundo e é também a chave interpretativa que, ao longo dos séculos, foi dada pela Igreja aos textos bíblicos.
Em termos ainda mais explícitos: a Bíblia foi usada ao longo dos séculos para provar a inferioridade das mulheres e justificar sua discriminação. O olhar, de fato, não é neutro: está convencida disso Rita Torti, membro do conselho diretor da Coordenação teólogas italianas (CTI), que dedicou uma vida aos estudos de gênero. “Devemos estar cientes do quanto somos condicionados por uma interpretação fortemente masculinista das Escrituras”, explica ela. “Ainda hoje, o poder comunicativo daqueles que interpretam os textos bíblicos, especialmente no contexto litúrgico, é muito performativo e ainda está basicamente em mãos masculinas.”
Torti aborda a teologia com o rigor de uma historiadora que sabe o quanto não apenas as interpretações, mas também a seleção de fontes, estão sujeitas a uma ótica parcial. Não é por acaso, portanto, que no “sistema de comunicação” da Igreja Católica não se encontrem discípulas caminhando ao lado de Jesus, mas sempre mulheres silenciosas ou em segundo plano. Aqueles que escrevem, de fato, escolhem o que transmitir e o que silenciar, e os testemunhos femininos na Bíblia e na história da Igreja são frequentemente esquecidos, resultando em uma verdadeira “damnatio memoriae” das mulheres. “É por isso que a pesquisa histórica é tão subversiva”, diz Torti com orgulho.
“Hoje podemos contar o que foi omitido durante séculos, de modo que ninguém mais possa, de boa-fé, contar uma história bíblica e da igreja em que as mulheres são insignificantes e passivas.” “Sempre fui muito religiosa e essa conscientização teve um impacto muito forte em minha fé”, conta. Criada em uma família crente e com uma forte experiência comunitária na Ação Católica, Rita Torti, mesmo tendo uma espiritualidade muito forte, se viu obrigada a ouvir também sua consciência que, em certo momento, a afastou da Igreja. “Eu me senti repelida pelo imaginário patriarcal dominante, que exclui e inferioriza as mulheres”, confessa. “Se o olhar masculino é apresentado como universal, eu me dizia, como posso continuar meu caminho na Igreja?”. Sua relação pessoal com Deus não se interrompe, mas ela por quinze anos não consegue mais frequentar a missa. Entre as distorções que mais a incomodam, está a falta de correção intelectual: “Eu achava inaceitável que me dissessem que algo sempre foi assim, quando era evidente que não era verdade: por exemplo, como podiam afirmar que as mulheres ‘sempre’ eram dedicadas ao cuidado ou estranhas ao espaço público, quando sabemos que já no século XIII as beguinas pregavam?”. É por isso que é fundamental enfatizar a força e as capacidades das mulheres, que foram verdadeiras protagonistas na história do cristianismo: “Certamente devemos contar a história da opressão masculina, mas também lembrar como as mulheres souberam ultrapassar as barreiras”, diz Torti.
Um período, aquele longe da paróquia, que para Torti se revela igualmente fértil. Ela se confronta com a teologia feminista, escreve o livro Mamma, perché Dio è maschio? (Mãe, por que Deus é homem?) para a Effatà, no qual mostra, por meio de um trabalho aprofundado com crianças do ensino fundamental, como a educação religiosa e a transmissão da fé desempenham um papel ativo na construção do masculino e do feminino.
Também graças a alguns padres esclarecidos, por fim se reaproxima da Igreja. Volta a assistir à missa, mas sempre em um diálogo ativo com o que é pregado: “Se ouço algo inaceitável, saio”, afirma ela. “É minha maneira de responder ao poder do padre, que fala sem a possibilidade do contraditório. O que posso fazer para expressar minha discordância é me retirar, parar de ouvir”.
Até mesmo o Papa Francisco, de acordo com Torti, expressou ambivalência em relação às mulheres desde o início de seu pontificado, por um lado promovendo-as a posições de prestígio na Cúria e, por outro, confirmando seu papel subalterno e excluindo-as do sacerdócio.
As mulheres e a questão da orientação sexual - que não são a mesma coisa, especifica Torti - são temas que colocam em crise o próprio alicerce sobre o qual a Igreja ainda se sustenta hoje, ou seja, a reserva masculina do sacerdócio e, portanto, o fato de que apenas os homens podem ser padres. “Se o papa interviesse nesse ponto, se chegaria a um cisma”, reflete. Há, no entanto, espaços de ação e de diálogo para incidir sobre as assimetrias no contexto eclesial: primeiro, convidando os leigos a falarem de forma mais aberta e franca, e depois questionando padres, reitores de seminários e bispos, explicitando o que está errado. “Podemos iniciar a prática da conversa na Igreja, no interesse de toda a comunidade”, resume Torti. Com a consciência de que a forma com que o poder se manifesta não é cristalizada para sempre, mas pode ser mudada por “pequenos gestos cotidianos de dissidência e práticas alternativas”.
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São necessários gestos de dissidência cotidiana para afirmar o papel das mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU