13 Setembro 2024
A situação em que o Sudão está afundando, esmagado entre uma guerra feroz que nem mesmo remotamente dá sinais de parar e a absoluta indiferença de uma comunidade internacional que essencialmente só se preocupa (e com resultados decididamente questionáveis) pelas crises ucraniana e do Oriente Médio, é dramática. No entanto, deveria nos interessar. E não apenas por razões humanitárias: “De certa forma, nossa situação é fortemente agravada pelas guerras na Ucrânia e em Gaza”. Quem fala é o padre Biong Kwol Deng, sacerdote de El Obeid, vice-secretário da Conferência Episcopal do Sudão e do Sudão do Sul, que foi contatado há algumas semanas.
A reportagem é de Luca Attanasio, publicada por Domani, 12-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A situação em que o Sudão está afundando, preso entre uma guerra feroz que não mostra sinais de parar e a absoluta indiferença de uma comunidade internacional que, essencialmente, só se preocupa (e com resultados decididamente questionáveis) pelas crises da Ucrânia e do Oriente Médio, é dramática. No entanto, o inferno do Sudão deveria nos interessar. E não apenas por razões humanitárias, já que a crise de deslocados é, de longe, a pior do mundo - mais de 13 milhões de indivíduos deixaram suas casas e, dessas, cerca de 2,5 milhões cruzaram as fronteiras e foram parar em países, por sua vez, afetados por gravíssimas emergências humanitárias, como o Sudão do Sul, o Chade e a Líbia. Mas também porque é uma bomba-relógio geopolítica que terá efeitos deflagradores em todo o mundo.
O Sudão é o terceiro maior país da África, depois da Argélia e da República Democrática do Congo. E devido à sua posição geográfica, importância estratégica e potencial político, tem grande peso em uma vasta área da África e do Oriente Médio. Como prova disso, pode-se citar o fator de atração exercido pelo Sudão, até poucos meses atrás, para os refugiados dos países vizinhos. No período pré-conflito, caracterizado a partir de 2019 pela chamada Primavera Sudanesa (a revolução pacífica que levou ao primeiro executivo formado em parte por civis) e por uma relativa estabilidade, mais de um milhão de refugiados chegaram ao país.
Um número enorme que projetou o país entre os mais acolhedores do mundo. Olhando para ele agora, o Sudão parece mais com o que era no início do século, devastado por guerras e pobrezas endêmicas.
“O Sudão - declarou o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, aos repórteres durante uma visita a Porto Sudão no último 7 de setembro - está na que poderíamos descrever como uma tempestade perfeita e é lamentável que a crise não esteja recebendo a atenção que merece da comunidade internacional.”
À margem, Ghebreyesus falou “em 20 mil vítimas” mas há outras fontes, como The Economist, que a partir de uma matéria realizada graças a imagens de satélite, falam de 150 mil mortos. A capital Cartum está praticamente arrasada. Também está se projetando uma carestia que poderia ser mais mortal do que a da Etiópia na década de 1980: alguns estimam que 2,5 milhões de civis poderiam morrer até o final do ano.
As poucas ajudas humanitárias que conseguem entrar no país têm de enfrentar saqueios premeditados pelos dois grupos beligerantes, as Forças Armadas Sudanesas (Saf) do General Abdel Fattah Al Burhan e as Forças de Apoio Rápido (Rsf) de Mohamed Hamdan Dagalo (conhecido como Hemedti). A estação das chuvas, que está em pleno andamento, e as epidemias de cólera parecem ser o último escárnio para uma população já extenuada.
Por trás das duas forças conflitantes estão potências externas que não têm nenhum interesse em interromper o conflito. Os Emirados Árabes Unidos estão fornecendo drones para a Rsf, o Egito e o Irã atendem as Saf, a Rússia está jogando em ambos os campos e conta com unidades Wagner no terreno.
Mas também a Arábia Saudita (patrocinadora das negociações de paz em Jeddah que fracassam recorrentemente, ndr), a Turquia e o Qatar participando em vários níveis na guerra em busca de sua fatia de controle sobre minas de ouro, outros recursos e influência sobre a área. O Ocidente está totalmente fora da briga. Se isso significasse apenas evitar o acréscimo de atores negativos ao conflito, seria bom. Na realidade, a ausência total da Europa e as tímidas tentativas dos EUA comportam um abandono definitivo do Sudão ao seu destino, mas fingir que essa crise não existe é um grande risco.
Em primeiro lugar, porque o perigo de ampliação é realista, com muitos países, na área e fora dela, interessados e envolvidos. Em segundo lugar, porque o Sudão, com seus cerca de 800 quilômetros de litoral no Mar Vermelho, se, como já vem se mostrando de forma irreversível há meses, chegasse a uma implosão e a uma perpetuação do conflito, afetaria com suas consequências mefíticas o Canal de Suez, uma artéria fundamental do comércio global.
O continente africano ainda é caracterizado por um número significativo de conflitos, mas o que torna o Sudão diferente, conforme relata The Economist, é o potencial de propagação do caos para além do seu território.
O Sudão tem fronteiras porosas com sete estados frágeis, que representam 21% da massa terrestre da África e abrigam cerca de 300 milhões de pessoas: a chegada tão maciça de refugiados já está desestabilizando uma área enorme. Embora a grande maioria dos que fogem permaneça na África, há quem preveja um êxodo em massa para a Europa, no estilo da crise síria de 2014-2015, nos próximos meses: 60% das pessoas nos campos de Calais, na margem sul do Canal da Mancha, são sudanesas.
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O Sudão é uma bomba pronta para explodir. E nós não ligamos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU