06 Dezembro 2024
"A impunidade de que Israel desfruta há décadas precisa acabar, ou aos escombros de Gaza se juntarão aqueles do sistema internacional dos direitos humanos", escrevem Grazia Careggi, vice-diretora regional da Anistia Internacional para o Oriente Médio e Norte da África, e Vito Todeschini, consultor jurídico da Anistia Internacional. O artigo é publicado por il manifesto, 05-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Após meses de coleta de evidências, pesquisas e análises, a Anistia Internacional chegou à conclusão de que o conjunto de ações realizadas por Israel contra os palestinos de Gaza, durante a ofensiva militar iniciada em 7 de outubro de 2023 em resposta ao ataque liderado pelo Hamas no sul de Israel, constitui genocídio.
De acordo com a Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio, adotada pelas Nações Unidas em 1948, o genocídio é definido como uma série de atos proibidos “cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso como tal”. Tais atos incluem “matar membros do grupo”, causar “lesões graves à integridade física ou mental de membros do grupo” e “submeter deliberadamente o grupo a condições de vida destinadas a provocar sua destruição física total ou parcial”.
De acordo com a Anistia Internacional, Israel cometeu essas três tipologias de atos contra os palestinos de Gaza, precisamente com a intenção de destruí-los fisicamente. Essa conclusão baseia-se em uma análise agregada dos ataques israelenses contra civis e as infraestruturas vitais em Gaza e do impacto causado pela destruição em larga escala, pelos deslocamentos em massa da população e pelo bloqueio total ou parcial da entrada de ajudas humanitárias na Faixa. De fato, a Anistia Internacional pôde verificar pelo menos 15 ataques aéreos contra prédios, casas, igrejas, mercados e ruas, todos localizados em áreas densamente povoadas, demonstrando como seu objetivo fosse atingir os civis de forma direta ou indiscriminada.
Esses ataques são apenas uma amostra do esquema recorrente usado por Israel em Gaza. Mesmo nos casos em que a Anistia Internacional verificou a presença de possíveis alvos militares, Israel utilizou armas explosivas com efeito amplo e escolheu momentos em que os ataques teriam um impacto mais devastador sobre a população civil, de modo que esses ataques podem ser considerados indiscriminados ou desproporcionais e, portanto, ilegais de acordo com o direito internacional humanitário.
No decorrer de um ano, os bombardeios israelenses causaram dezenas de milhares de mortes, incluindo mais de 13.000 crianças, destruindo famílias e gerações inteiras. Faltam palavras para descrever a dor de pais obrigados a recolher os restos mortais de seus filhos em pequenos sacos brancos, e das muitas crianças debruçadas sobre os corpos sem vida de suas mães, dia após dia, por quase 14 meses.
Acrescenta-se a tudo isso as políticas de Israel que criaram condições de vida destinadas a provocar a destruição física dos palestinos em Gaza. Essas são o resultado de três
“macro ações” cometidas por Israel em Gaza: a destruição quase total das infraestruturas críticas (usinas de energia, centros de tratamento de água, hospitais etc.) e de outros bens essenciais para a sobrevivência da população civil (como áreas agrícolas e fazendas de criação de animais); o repetido deslocamento forçado e em massa de 90% da população, realizado em condições inseguras e insalubres; e a obstrução do fornecimento de serviços e suprimentos essenciais, incluindo alimentos, água e medicamentos. Em poucos meses, essas ações ilegais tiveram o efeito combinado de espalhar uma mistura mortal de fome, desnutrição e doenças, afetando toda a população.
Apesar dos apelos das Nações Unidas e das principais organizações humanitárias, bem como das ordens emitidas pelo Tribunal Internacional de Justiça em Haia para que a entrada de ajudas humanitárias fosse garantida na Faixa, Israel continuou a negar à população de Gaza o mínimo necessário para sua sobrevivência. Basta dizer que, para não morrer de fome, muitos chegaram a comer ração animal. A crueldade de tal conduta mostra que a catástrofe humanitária em Gaza não é o produto “colateral” das operações de guerra, mas um objetivo deliberadamente perseguido pelas autoridades israelenses.
A intenção de Israel também emerge da análise de mais de 100 declarações racistas e desumanas feitas por ministros, funcionários do governo, parlamentares e militares israelenses, incitando ou justificando atos genocidas ou outros crimes contra os palestinos de Gaza. Não apenas os palestinos foram chamados de “animais humanos”, aos quais seria negada qualquer forma de sustento até que o Hamas fosse derrotado e os reféns libertados, mas em algumas declarações foi abertamente proposto erradicar o Hamas por meio da destruição física da população civil.
Com base na totalidade das provas coletadas e nas análises realizadas, a Anistia Internacional chegou à conclusão de que Israel agiu deliberadamente para destruir os palestinos de Gaza. De fato, está claro que a envergadura e a gravidade da catástrofe de Gaza não podem ser consideradas como o resultado “colateral” das operações militares israelenses, mesmo que se levasse em conta que Israel agiu focado em objetivos militares específicos, como a libertação de reféns e a derrota do Hamas. A devastação humana e física que Israel criou em Gaza desde 7 de outubro de 2023, e cujas repercussões afligirão as próximas gerações de palestinos, só pode ser compreendida por meio da aplicação da Convenção sobre o Genocídio.
Diante do cenário apocalíptico causado pela ofensiva militar israelense em Gaza, todos os Estados, inclusive a Itália, devem romper seu imobilismo. O governo italiano tem o dever de agir imediatamente, de acordo com suas obrigações internacionais e as ordens emitidas pela Corte Internacional de Justiça, e tem os instrumentos para fazê-lo, começando com a revogação de todas as licenças aprovadas para a transferência de armas ou outras tecnologias militares para Israel, incluindo aquelas emitidas antes de 7 de outubro de 2023, garantindo que as empresas privadas também cumpram essa proibição.
Ao continuar a fornecer armas e componentes militares para serem utilizados na ofensiva de Gaza, a Itália estaria violando sua obrigação de impedir atos de genocídio cometidos por Israel e também correria o risco de se tornar cúmplice do próprio genocídio. Também é incompatível com as obrigações internacionais da Itália permitir o uso de portos e aeroportos para o trânsito de armas enviadas a Israel por outros países. Além disso, o governo deve adotar todos os meios econômicos, políticos e diplomáticos permitidos pelo direito internacional para parar o genocídio e os outros crimes internacionais cometidos por Israel em Gaza. É imperativo que a Itália use sua influência na Europa e nas relações bilaterais com Israel para que este concorde com um cessar-fogo imediato e duradouro e com a rápida entrada de ajudas humanitárias na Faixa.
Por fim, o governo italiano deve enviar uma mensagem inequívoca de cooperação e apoio incondicionais aos órgãos internacionais de justiça, incluindo o Tribunal Penal Internacional, e levar os responsáveis pelo genocídio em Gaza à justiça, inclusive aquela italiana. A impunidade de que Israel desfruta há décadas precisa acabar, ou aos escombros de Gaza se juntarão aqueles do sistema internacional dos direitos humanos. Se deixarmos isso desmoronar, todos nós estaremos menos protegidos.
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Em Gaza, as provas evidentes de um genocídio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU