"Mas não se trata de juntar declarações aqui e ali, um costume bastante frequente na era da web, mas de estar cientes de como a estratégia dos escudos humanos, de se misturar entre os civis, do grande número de mortes de civis para provocar a reação da comunidade internacional tenha sido teorizada por figuras destacadas da irmandade muçulmana, que tiveram influência direta sobre os líderes do Hamas", escreve Davide Assael, judeu italiano, fundador e presidente da associação lech lechà, professor de filosofia e escritor, em artigo publicado por Domani, 13-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O massacre de Khan Younis inflama as respectivas torcidas, israelenses e palestinas. Mas, além da ideologia do martírio explicitada pelos expoentes do Hamas, a lição a ser aprendida por Israel seria outra e acerta no coração a sua estratégia de guerra.
Nova tragédia em Khan Younis, no sul da faixa, onde milhões de habitantes de Gaza estão amontoados. Novo bombardeio israelense em uma zona civil. Um ataque no qual foi morto o comandante das Brigadas de Khan Younis, Rafa Salama, e gravemente atingido - mas aqui as notícias ainda são incertas enquanto escrevo este artigo - Muhammad Deif, comandante da ala militar do Hamas, considerado junto com Yahya Sinwar, o mentor dos ataques de 7 de outubro.
De acordo com a IDF, Salama e Deif teriam se escondidos em uma zona civil, cercados por uma infinidade de milicianos, que também morreram no ataque.
Como sempre, os números das vítimas e sua natureza mudam de acordo com as fontes de onde provêm. De acordo com a IDF, se trataria de vítimas militares; de acordo com o Hamas, ao contrário, morreram cerca de 70 civis que viviam na cidade de lona montada para receber os deslocados do Norte. É a chamada foggy war, a guerra nebulosa em que tudo se confunde. Com toda a honestidade, ninguém daqui pode garantir os fatos. Geralmente se escolhe a reconstrução mais próxima do próprio lado, dividindo-se em torcidas como se estivéssemos assistindo a uma partida de futebol. Uma "névoa de guerra" que se tornou ainda mais espessa com as recentes interceptações justamente de Sinwar, relatadas em uma longa matéria do Wall Street Journal, em que se admite candidamente apostar no massacre de civis para que a pressão da comunidade internacional obrigue Israel a recuar. E não era preciso o prestigioso jornal estadunidense para dar esse furo, já que palavras semelhantes haviam sido pronunciadas apertis verbis nos dias que se seguiram a 7 de outubro por Khaled Meshal, um expoente da ala política do movimento que vive no Catar, em uma entrevista à emissora saudita Al Arabiya, na qual ele invocou o sacrifício do povo, assim como milhões de russos se sacrificaram para se libertar do invasor nazista, milhões de vietnamitas para repelir as bombas de napalm estadunidenses e milhões de afegãos para se opor ao avanço soviético.
Mas não se trata de juntar declarações aqui e ali, um costume bastante frequente na era da web, mas de estar cientes de como a estratégia dos escudos humanos, de se misturar entre os civis, do grande número de mortes de civis para provocar a reação da comunidade internacional tenha sido teorizada por figuras destacadas da irmandade muçulmana, que tiveram influência direta sobre os líderes do Hamas. Acima de todos, Yusuf al Qaradawi, aclamado como o "Sheik da Palestina" por Anyeh em Gaza em 2013. Bem conhecido também graças à uma sua transmissão de televisão na Al Jazeera, assistida por milhões de fiéis.
É óbvio que o direito internacional, que também é propositalmente citado para atingir apenas o lado adversário, pune igualmente os bombardeios indiscriminados como são imputados à IDF e o uso de civis como escudos humanos, ou esconder militares e armamentos em zonas civis.
Perspectiva, aliás, que não deve consolar Israel. Pelo contrário, prova mais atroz do fracasso de sua estratégia de guerra não poderia haver. Além da foggy war, resta uma pergunta: quem pode ser considerado um miliciano do Hamas? Como é sabido, o movimento palestino faz parte daquela vasta galáxia do mundo islâmico em que resistência militar e bem-estar social são mantidos juntos.
É verdade que se trata de grupos armados que usam o terrorismo como arma de ataque, mas, graças a uma densa rede de doações internacionais e à arrecadação de tributos, financiam escolas, hospitais e outros sistemas de assistência. O médico que trabalha em um hospital do Hamas, que certamente fechou (ou teve que fechar) os olhos quando o andar abaixo de sua sala de cirurgia era transformado em um depósito de armas, e que recebe salário do Hamas, deve ser considerado um afiliado? E o professor? E qualquer apoiador, mesmo que ideologizado até o âmago, é um terrorista? O limite é muito incerto. Se é que existe um limite claro.
Quando, mesmo antes do início da invasão terrestre, se perguntava ao governo israelense, obrigado a responder militarmente nem que fosse apenas para restaurar segurança aos habitantes da fronteira Sul, que demarcasse os objetivos sem se esconder atrás da fórmula genérica de "erradicar o Hamas", era isso que se queria dizer. O resultado: uma infinidade de mortes, Israel isolado como nunca antes e, além da fronteira Sul, também se tornou insegura a fronteira Norte.