A luta pela terra é a luta pela vida: o extermínio de palestinos é a versão médio-oriental da necropolítica que no Brasil mata negros e indígenas. Entrevista especial com Bruno Huberman

Para o professor e pesquisador de origem judaica, o assassinato de povos nativos – palestinos ou indígenas – busca desenraizar as pessoas de seu locais e, com isso, facilitar a acumulação de terras pelos colonizadores

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: IHU e Baleia Comunicação | 15 Agosto 2024

Há um ator central na guerra empreendida por Israel contra o território palestino e alhures: o capitalismo de acumulação. Há algo que está em jogo no conflito, mas que é pouco explorado, que é, precisamente, a questão dos assentamentos de colonos israelenses em territórios antes ocupados pela população palestina, criando enclaves desta população dentro da área controlada politicamente pelos sionistas. Qualquer ameaça a este projeto, de várias décadas, acende-se a luz vermelha e um novo massacre palestino é colocado em marcha, como ocorreu diversas vezes desde a segunda metade do século XX.

“Como se controla uma população ingovernável? Por meio do extermínio. E, dentro das condições culturais, econômicas e políticas em que o mundo se encontra, isso tem sido permitido e normalizado”, pondera o professor e pesquisador Bruno Huberman, em entrevista por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. “Patrick Wolfe colocou que a característica central que distinguiria o colonialismo de exploração do colonialismo de povoamento seria a lógica de eliminação. Ou seja, aqui o colonialismo seria voltado para a eliminação do nativo. Essa eliminação do nativo para a destruição da nação e da soberania nativa sobre o território seria para desenraizá-lo do território e facilitar a acumulação de território pelos colonos. Uma eliminação que não seria somente por morte, mas também expulsão, assimilação que destrói identidade”, complementa.

No Brasil nada disso é novidade. O extermínio de populações indígenas empreendido pelo agronegócio em nosso país é algo que, também, remonta a décadas. Some-se a isso o extermínio urbano da população negra. “Tem várias formas que une os brasileiros e palestinos, os povos colonizados no Brasil. Uma forma, óbvio, é o genocídio. Povos negros e indígenas são alvos de genocídio há séculos no Brasil e o genocídio contra os palestinos denota de como a morte sistêmica, o assassinato sistêmico necropolítico é uma característica desses processos coloniais”, explica Huberman. “Também a expropriação de terras, a luta por terra e moradia. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, historicamente, é solidário e aliado da causa palestina porque a causa palestina é uma causa de luta por terra, alimentação, soberania e autodeterminação, que são questões muito caras ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST em ambientes urbanos”, ressalta.

Bruno Huberman (Foto: Reprodução | X)

Bruno Huberman é judeu e professor do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Vice-líder do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI/PUC-SP) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos de Ciência e Tecnologia para o estudo dos Estados Unidos (INCT-Ineu). Doutor em Relações Internacionais pelo PPG San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) com a tese A colonização neoliberal de Jerusalém após Oslo: desenvolvimento, pacificação e resistência em Palestina/Israel. Foi pesquisador visitante no departamento de Development Studies da School of Oriental and African Studies, University of London (2018-2019) com Bolsa do Programa PDSE/Capes. É mestre em Relações Internacionais também pelo PPGRI San Tiago Dantas e bacharel em Comunicação Social/Jornalismo pela PUC-SP.

Huberman lançou, em 2023, o livro Colonização neoliberal de Jerusalém (Educ, 2023), a partir de sua tese doutoral.

Confira a entrevista.

IHU – Estamos há dois meses de complementar um ano da invasão israelense à Faixa de Gaza. A guerra soma mais de 40 mil mortos palestinos. Diante deste cenário, estamos em que fase do conflito?

Bruno Huberman – A fase do conflito que estamos é da normalização de um genocídio, porque as agressões continuam. Um dia temos notícias de 30 mortes aqui, 50 mortes ali e 80 mortes acolá, isso tudo profundamente normalizado. E, passando para uma extensão mais regionalizada, como vemos a partir das agressões que Israel tem feito contra o Hezbollah no Líbano, contra o Irã nesse ataque que matou o chefe do bureau político do Hamas, [Ismail] Haniyeh. O que vemos é um escalonamento, uma profunda normalização.

IHU – Em seus textos, artigos e entrevistas, o senhor fala sobre o “genocídio palestino”. O que caracteriza essa estratégia e qual projeto de poder a mobiliza?

Bruno Huberman – Eu interpreto o genocídio não como um fim em si mesmo. Obviamente que o genocídio é o resultado de uma resposta desproporcional ao ataque de 7 de outubro de 2023, ou seja, da resistência palestina, que tem por objetivo destruir o Hamas. Como eu interpreto a razão por isso estar acontecendo? Tornar administrável essa população sobressalente.

Porque desde que Israel impôs um bloqueio à Faixa de Gaza em 2005, mas desde antes, desde que começou a impor formas de restrição ao movimento dos palestinos no final da Primeira Intifada – começo dos anos 1990 – as populações dos territórios ocupados palestinos passaram a ser economicamente sobressalentes. Israel procurou diminuir sua dependência do trabalho palestino e tornar a vida palestina redundante e, portanto, mais facilmente matável. Porque mobilizações de resistência pelos trabalhadores palestinos na Primeira Intifada criaram vários problemas econômicos para Israel, o país, nas últimas décadas, de 1987 para cá, vem tentando diminuir essa dependência.

Claro que tem flutuações por demanda do mercado de trabalho palestino pelo mercado do capital israelense, mas diante da necessidade de destruição, que a resistência palestina coloca para o colonialismo israelense. Ela se coloca como uma possibilidade mais “preferível”, porque é uma forma de conter e tornar um ato de resistência grave, que abala o sistema colonial com uma profundidade, como foi o 7 de outubro. A necessidade de destruição serve como forma de dissuasão e de controle desses dois milhões de palestinos, que não têm muita funcionalidade para a economia israelense, a não ser servir como espaço de testes para desenvolvimento de tecnologias militares, de segurança e de vigilância.

O que vemos é a morte dessas pessoas sendo utilizadas agora como forma de acumulação e um espaço de testes de administração de populações através da morte sistêmica. Como se controla uma população ingovernável? Por meio do extermínio. E, dentro das condições culturais, econômicas e políticas em que o mundo se encontra, isso tem sido permitido e normalizado.

IHU – Até que ponto esta operação militar opera à “lógica de eliminação estrutural” e como este tema é tratado cientificamente, academicamente?

Bruno Huberman – Vou falar sobre essa lógica de eliminação e coloniamento israelense. O Patrick Wolfe, que é australiano e o teórico responsável por constituir a Settler Colonial Theory, ou seja, uma teoria do colegiamento, que essa forma de colonialismo fundado no assentamento permanente de colonos para a construção de uma nação colona a partir da destruição da nação indígena com a expropriação de território e assim por diante. Wolfe colocou que a característica central que distinguiria o colonialismo de exploração do colonialismo de povoamento seria a lógica de eliminação. Ou seja, aqui o colonialismo seria voltado para a eliminação do nativo. Essa eliminação do nativo para a destruição da nação e da soberania nativa sobre o território seria para desenraizá-lo do território e facilitar a acumulação de território pelos colonos. Uma eliminação que não seria somente por morte, mas também expulsão, assimilação que destrói identidade. Essa assimilação pode ser através da miscigenação, da educação, a mesma lógica de “matar o indígena e salvar o homem”, do colonialismo americano.

Isso foi central para entendermos um pouco a lógica do colonialismo israelense, que é fundado principalmente na expulsão como forma de eliminação dos palestinos. Desde antes da criação de Israel, quando, por exemplo, a lei Otomana que regia o regime de terras, no começo do século XX na Palestina, e que de alguma forma permaneceu durante o mandato britânico, permitia que campesinos produtivos permanecessem em propriedades privadas mesmo que não fossem os posseiros, os donos da terra. O colonialismo sionista, a partir dessa lógica da propriedade privada exclusiva no modelo ocidental e de construção de um Estado-nação exclusivamente judaico, fundamentou-se na expulsão dos nativos.

O Patrick Wolfe dizia que o colonialismo israelense, sionista, era particularmente exclusivista dentro desse objetivo de construir uma maioria demográfica colona, porque vários processos coloniais de povoamento, como o brasileiro, americano, sul-africano ou australiano, não tinham isso como um objetivo muito claro. O sionismo tinha muito claro desde o seu início, como pressuposto. Essa é uma das razões para o sistema ser contrário à miscigenação. O sionismo é muito contrário à miscigenação com os nativos.

Tudo isso caracterizou o colonialismo de povoamento sionista israelense, que vai resultar na Nakba, com a expulsão de 750 mil palestinos, depois, quando o Estado de Israel é criado, os palestinos dentro de Israel continuam sendo expulsos, expropriados. Há uma lei chamada de “Propriedade Ausente”, que vai confiscar de forma massiva a propriedade privada palestina, milhares de quilômetros de terra de propriedade privada palestina, depois, em 1967, tem a Naksa, onde mais 300 mil palestinos são expulsos. Há diversos massacres de palestinos que vão acontecendo para “afinar”, em certo sentido, a existência palestina naqueles territórios. E, chegamos no século XXI com diversos massacres na Segunda Intifada, os bombardeios em Gaza e essa etapa atual, que é um processo de escalonamento do genocídio, quando a morte se torna a tecnologia de controle preferencial. Historicamente, a morte não era preferencial, apesar de ser uma das tecnologias, na qual a expulsão era preferencial.

Nesse contexto, no qual os palestinos já estão expulsos e confinados num bantustão muito pequeno, que chamamos de Faixa de Gaza, e o Egito tem se negado a abrir as portas do seu país para receber os refugiados. Esse é um fator muito importante, porque colocou para os israelenses a morte, o assassinato, como a principal forma de controle e de gestão da população. No entanto, vários críticos vão colocar como a lógica da eliminação, não é o que seria característico, o que distinguiria o colonialismo de povoamento do colonialismo de exploração, formado na exploração do trabalho nativo principalmente. Porque diversos processos fundados no assentamento de colonos, na construção de um estado colono a partir da exploração das nações indígenas, envolve a exploração indígena. Esse é o caso do Brasil, dos Estados Unidos em certa medida, da África do Sul, que é o caso mais clássico, foi o caso de todas as colônias de povoamento no Sul da África, na Rodésia, que é o atual Zimbabwe, na Namíbia, na Argélia, no Norte da África e toda a América Latina podemos incluir nesse processo. A Palestina seria outro caso, como coloquei na resposta anterior.

Os palestinos tiveram seu trabalho extensamente explorado pelo capital israelense em todos os momentos da história da colonização israelense da Palestina. Dos anos 1990 para cá tem se buscado diminuir a dependência do trabalho palestino, através da abertura de Israel para vinda de russos pós-União Soviética, russos que tinham antepassados judeus, mas que não se consideravam como tal, e também importação de trabalho do Sudeste Asiático por regimes de trabalho temporário. Recentemente Israel fechou um acordo com a China para a importação de trabalhadores chineses.

Eu busco entender nas minhas pesquisas que a eliminação e a exploração são duas tecnologias que os colonizadores têm à sua disposição para a reprodução da sociedade colonizadora e a administração da população colonizada. Essas tecnologias vão se equilibrando conforme as necessidades econômicas, políticas etc. Por exemplo, há a necessidade de reprimir mais a resistência, então o poder de eliminação é mais assertivo. Um ano antes do dia 7 de outubro, Israel tinha aberto e expandido o número de trabalhadores de Gaza aptos para atuar em Israel, porque havia uma necessidade do capital israelense de explorar mais trabalhadores e ter uma reserva gigantesca de trabalhadores à disposição em Gaza e concedeu isso. O que serve de técnica de controle: dá-se uma suavizada nas restrições coloniais, melhora fisicamente as capacidades de qualidade de vida dos palestinos e as coisas vão se transformando. Mas, nessa relação dialética entre colonizadores e colonizados, as dinâmicas vão mudando. É um pouco isso que houve.

Porque partir do momento em que acaba o genocídio, não significa que as relações coloniais acabaram. Por exemplo: não África do Sul temos violência assassina contra os povos nativos, mas não podemos dizer que está havendo um genocídio lá, como tem o genocídio dos indígenas e dos negros no Brasil. Mas não quer dizer que lá acabou o colonialismo com o fim do apartheid, as relações de propriedade da terra e do capital ainda são bastante brancas. Então, de alguma forma, a desigualdade constituída pelo colonialismo se mantém, apesar de transformações e de uma descolonização parcial que vimos com o fim do apartheid. É um processo um pouco mais complexo do que ser reduzido a uma lógica de eliminação e ao processo de genocídio, que é parte, não o todo, de um processo de colonização.

IHU – O colonialismo de povoamento não é uma exclusividade deste conflito no Oriente Médio, ocorre também no Brasil. Como este trágico destino une, como vítimas de um projeto genocida, palestinos na Faixa de Gaza e Povos Indígenas no Brasil?

Bruno Huberman – O Brasil também é um caso de colonialismo de povoamento, como eu já tinha mencionado. Tem várias formas que une os brasileiros e palestinos, os povos colonizados no Brasil. Uma forma, óbvio, é o genocídio. Povos negros e indígenas são alvos de genocídio há séculos no Brasil e o genocídio contra os palestinos denota de como a morte sistêmica, o assassinato sistêmico necropolítico é uma característica desses processos coloniais. Também a expropriação de terras, a luta por terra e moradia. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, historicamente, é solidário e aliado da causa palestina porque a causa palestina é uma causa de luta por terra, alimentação, soberania e autodeterminação, que são questões muito caras ao MST e ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST em ambientes urbanos.

Outro ponto que une são os aparatos de controle e vigilância dos opressores, dos colonizadores. O Brasil é um grande importador de tecnologias israelense de controle social e repressão. Há uma correlação direta para além de várias correlações indiretas que podemos ver entre a subjugação dos colonizados no Brasil e na Palestina. E vemos uma crescente solidariedade de povos indígenas e negros aqui no Brasil com a causa palestina, o que é fundamental.

IHU – Permita-me retomar uma questão que foi objeto de debate de sua última entrevista ao IHU, mas que é importante retomar nesta fase das ações militares contra a população civil: por que não existe excepcionalidade do holocausto?

Bruno Huberman – O holocausto é considerado um genocídio excepcional e, supostamente, incomparável na história. No entanto, o holocausto é “um” genocídio e não é “o” genocídio. Ele foi construído como “o” genocídio por algumas razões. A principal é porque foi a partir desse caso que a definição jurídica de genocídio, na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, foi determinada por Raphael Lemkin em debates que ocorreram nos anos 1940 e 1950. E essas disputas temos visto hoje. Para classificar algo juridicamente como genocídio, sempre temos o holocausto como uma referência. Porém, se tivermos sempre que ver o holocausto para considerar algo genocídio, a legislação de combate ao genocídio não funcionou. A ideia de que a partir do momento que sinais de um genocídio já estejam evidentes, se contenha ela. Enfim, buscou-se excepcionalizar o holocausto.

Uma segunda razão importante é que ele foi feito contra brancos na Europa. Embora ciganos, judeus e outros povos que foram vítimas do holocausto na Segunda Guerra não fossem vistos como brancos pelos perpetradores do genocídio, que eram os alemães nazistas e seus aliados, portanto, é algo intraeuropeu. Então, foi construída essa percepção de que por ter sido intraeuropeu, entre europeus, teria sido algo único e excepcional na história – o que não é verdade. O nazismo é colonialismo virado para dentro. Tem vários intelectuais, que nos 1940 e 1950, era muito evidente isso, como Aimé Césaire e Hannah Arendt, que trabalhavam com a ideia de que o holocausto contra os judeus era uma reprodução de diversos genocídios coloniais. Antes do Hitler existir, existiram muitos “Hitlers” nas colônias. Falamos de genocídio no Congo, na Namíbia, nas Américas. Enfim, podemos trazer diversos exemplos para ilustrar.

Um terceiro ponto, é que o Estado de Israel, a partir do momento que a memória do holocausto foi se fortalecendo  a partir dos anos 1980 somente , os discursos em torno do holocausto buscaram excepcionalizar eles e isso tem muito a ver com excepcionalizar os judeus e Israel. Isso é conveniente para Israel e para o sionismo porque dessa forma ele não é julgado como os demais estados, porque ele é excepcional, ele foi criado por vítimas de um genocídio e não pode ser julgado. Diversos estados coloniais são formados por refugiados.

O Brasil é formado por diversos refugiados, inclusive por refugiados judeus da Inquisição. Muitos colonizadores não queriam ser colonizadores, tornaram-se colonizadores por uma questão de sobrevivência. Isso não faz deles menos colonizadores [risos]. Então, ter essa disputa discursiva em torno do holocausto como um genocídio excepcional na história e que torna o genocídio contra outros povos não reconhecido, como essa disputa em torno do genocídio palestino. Mas, a Ana Luiza Pinheiro Flauzina, que é uma importante intelectual aqui do Brasil, vai dizer que o genocídio dos povos negros aqui no Brasil não é reconhecido igualmente porque não seriam vítimas de processos tal como foram vistos no holocausto e ficam essas disputas aí.

IHU – Como o assassinato de Ismail Haniyeh, líder do Hamas, em território iraniano, pode jogar uma faísca a mais no barril de pólvora que se tornou o Oriente Médio, depois da interminável incursão militar de Israel à Faixa de Gaza?

Bruno Huberman – O assassinato do Haniyeh escalona, reforça em certo sentido, uma regionalização do conflito. O Irã parece ser bastante comprometido em entrar de forma mais violenta. Ele mostrou uma vulnerabilidade muito grande com alguém sendo atacado no centro de Teerã por Israel e seus aliados. Além disso, tem havido um escalonamento das agressões contra o Hezbollah no Líbano, com um ataque a Beirute. É uma faísca grande, ainda mais porque o escolhido para suceder ao Haniyeh é o [Yahya] Sinwar, que até então era o dirigente do Hamas em Gaza e agora se torna o dirigente de todo o Hamas, que é a mente por trás do 7 de outubro, o principal estrategista e militar e uma pessoa muito próxima do braço militar do Hamas, as Brigadas de Al-Qassam.

Então, o Sinwar na direção do Hamas deve tornar o Hamas, talvez, ainda mais radical, porque o Haniyeh ainda era uma figura moderada, diplomática, que defendia uma negociação de cessar-fogo. Porém, seu assassinato foi uma mensagem de Israel que não tem negociação de cessar-fogo e a resposta do Hamas, com a nomeação do Sinwar como seu dirigente, demonstra que na Palestina eles vão continuar resistindo com muita força. De forma que o cenário que vemos é de uma continuação do conflito de forma bastante violenta, apesar de ter eleições nos Estados Unidos e todos os seus impactos globais.

IHU – O Irã prometeu uma resposta a Israel. O que podemos esperar neste sentido e qual deve ser a postura dos EUA e da Otan neste cenário?

Bruno Huberman – A postura dos Estados Unidos e da OTAN deve ser de crítica, porque o Direito Internacional é algo instrumental somente, principalmente para as grandes potências. Ele não é algo a ser seguido de forma ética. Então, o Antony Blinken [Secretário de Estado dos EUA] tem feito esforços para dissuadir o Irã de promover uma resposta que leva ao escalonamento da guerra. O escalonamento da guerra parece ser algo que o Benjamin Netanyahu e seus aliados desejam, que de alguma forma arraste os Estados Unidos para este conflito, só que um escalonamento da guerra durante campanha eleitoral é algo sensível. Com certeza o Irã está pensando nesse cálculo, no momento e na forma de dar essa resposta. É aguardar para ver como essa resposta se dará.

O Irã foi bastante cauteloso na sua resposta anterior, quando sua embaixada em Damasco foi atacada, foi uma resposta dura, mas calculada e equilibrada, limitada. Agora, um ataque dentro de Teerã, contra um grande aliado, torna o jogo mais sensível e deve promover um aumento da violência ainda maior.

IHU – Na sua avaliação, o que poderá determinar o fim desta guerra? Quando chegaremos ao cessar-fogo e o fim do conflito?

Bruno Huberman – Eu não sei qual é o limite. Eu acreditava que a partir do momento em que ficasse claro que seria impossível Israel derrotar o Hamas, os Estados Unidos puxariam o freio de mão e a decisão do Partido Democrata de retirar o Joe Biden da chapa, era uma sinalização nesse sentido. A partir do momento em que a Kamala Harris assume o partido e ela tem uma posição um pouco mais dura, mas não muito, a favor do cessar-fogo, eu achava que o cessar-fogo tinha ganhado força. E, talvez, tenha sido nessa circunstância que o Netanyahu decidiu jogar todas essas fichas e a janela de oportunidade do assassinato do Haniyeh se colocou para enterrar os Estados Unidos e Israel juntos nesse conflito e tornar seu fim impossível no curto prazo.

A depender da escala da resposta iraniana e no que ela venha a se desdobrar, é possível que haja uma comoção global por um cessar-fogo, mas, nesse momento, não há possibilidade. O momento é de escalonamento, de atenção e de espera para a resposta iraniana e dos seus aliados. Isso impossibilita qualquer fim do conflito.

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