11 Junho 2024
"Gaza é, portanto, o epicentro de uma guerra mundial", escreve Gad Lerner, jornalista e escritor, radicado na Itália, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 07-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Por mais assustador que seja e que acentue a desaprovação em relação a Israel da maioria das opiniões públicas ocidentais, as ações de Netanyahu respondem a um cálculo desajuizado que vai além das suas meras conveniências pessoais: a aposta, isto é, de que o prolongamento da guerra de Gaza, e provavelmente sua extensão ao Líbano, constitua o precursor de um inevitável conflito mundial, no qual os Estados Unidos e a Europa estariam destinados primeiro a apoiá-lo com relutância, para depois se verem também implicados, contra o Irã e a Rússia.
Um cenário louco e apocalíptico? No entanto, essa é, por cruel inércia, a tendência histórica que Netanyahu segue, oito meses depois da humilhação sofrida em 7 de outubro, na convicção irresponsável de que a sobrevivência de Israel só possa depender da sua superioridade militar, da sua capacidade destrutiva. “A história é imparcial e não perdoa. Não favorece os virtuosos, aqueles que têm uma superioridade moral. Se quisermos proteger os nossos valores, os nossos direitos, as nossas liberdades, temos que ser fortes. A lição do passado é que a superioridade moral não garante a sobrevivência da nossa civilização." Assim Netanyahu se expressava textualmente em uma entrevista ao Repubblica de março de 2023. Esse é o único cínico ensinamento que ele aprendeu, em contradição com uma tradição judaica milenar, da tragédia do Holocausto.
Pouco lhe importa, portanto, se a Espanha também se unir à África do Sul no pedido ao Tribunal Internacional de Justiça para verificar e eventualmente sancionar as "intenções genocidas" de Israel contra os palestinos. Espanha, isto é, um país europeu que só recentemente, por ressarcimento póstumo, decidiu conceder o passaporte aos descendentes dos judeus expulsos de seu território no distante 1492. É ainda menos importante para Netanyahu que a grande maioria dos países pertencentes às Nações Unidas aprove o reconhecimento do Estado da Palestina. Ter dado de presente aos fundamentalistas islâmicos do Hamas um papel político crucial, na sequência dos seus crimes da guerra ordenada em Gaza, paradoxalmente leva-o a acreditar que marcou uma fronteira na qual o Ocidente como um todo será em breve chamado a combater; desde que se mantenha a periclitante neutralidade dos países árabes sunitas. O projeto que agora preanuncia é atacar nos Hezbollah xiitas o aliado mais próximo do Hamas – veja bem, militarmente muito mais temível – e depois o seu grande protetor Irã; para enfrentar o qual confia no provável retorno de Trump à Casa Branca.
Esse plano implica uma precipitação dos equilíbrios internacionais de modo a determinar a ligação entre a guerra em curso na Ucrânia com aquela do Oriente Médio. Se até ontem Netanyahu mantinha um entendimento tácito com a Rússia de Putin, ignorando os pedidos de ajuda vindos de Kiev, agora parece disposto a atender as ameaças beligerantes dirigidas a Moscou por Londres e Varsóvia, que parecem juntar-se a Berlim e Paris, para escapar do isolamento para o qual arrastou Israel.
Os planos de rearmamento e os preparativos de guerra anunciados de forma ameaçadora por governantes europeus como Scholz e Macron soam positivos aos seus ouvidos. Ele também leva em conta as prováveis divisões que podem resultar da frente ocidental.
Não por acaso deu uma virada na sua propaganda, afirmando que os movimentos de protesto pró-Palestina seriam orquestrados secretamente no Ocidente por “agentes russos”. Isso com o fim de pregar a inevitabilidade, num futuro próximo, do redde rationem a que seriam chamados a superpotência estadunidense e os seus aliados da OTAN, instados ao confronto definitivo com os seus inimigos mortais, Moscou e Teerã, a ser antecipado antes que o gigante chinês esteja pronto para apoiá-los.
Gaza é, portanto, o epicentro de uma guerra mundial. Quanto pior, melhor. Pode parecer um plano louco, aliás, certamente o é, mas corresponde à visão do mundo catastrófica de um líder que se iludia em garantir a segurança a Israel apenas com a força, e a vê ameaçada, mas ainda não consegue conceber outra saída do imbróglio para o qual arrastou o seu país.
A derrocada em curso nas relações internacionais resulta de mudanças estruturais, de natureza econômica e tecnológica, bem como cultural, nas quais se manifesta claramente a fragilidade emergente do Ocidente. A própria composição social, étnica e religiosa daquele que um tempo gostava de se definir como o Mundo Livre, a Frente das democracias liberais, torna inevitável o declínio dos nacionalismos e o advento de um equilíbrio multipolar: um futuro de convivência em que o próprio Israel terá de repensar a sua natureza se tiver tempo, antes de despencar na catástrofe e na desonra.
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A loucura de Netanyahu é a guerra mundial. Artigo de Gad Lerner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU