07 Junho 2024
"O colonialismo, todo ele, não apenas o francês, distribuiu a morte como uma regra do jogo aplicada friamente, nem mesmo odiavam as vítimas", escreve Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 04-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Atenção! Attaccare la terra e il sole [Atacar a Terra e o Sol] é um livro que desnuda a história e faz perguntas políticas sem precedentes, derrama sangue em cada página não nos dá trégua. Escrevam este nome: Mathieu Belezi. É um escritor realmente perigoso, carrega dentro de si o monstro, o crime colonial, o nutre há anos e quer contagiar os incautos que se debruçam nas páginas de seu romance; para depois descobrirem ter sido convidados para uma espetacular dissecação da alma. Ler sob a pressão de uma prosa de tons secos é como caminhar à noite quando todos se perdem em ruas que se pensavam conhecidas e seguras. No final, sem fôlego, você percebe que tais abismos não podem ser atravessados sem deixar rastros de dor pessoal.
Numa época em que entre os falsários do Desenvolvimento, entre os competentes do progressismo humanitário, volta à moda fingir que “ajudar a África” a espremer pela enésima vez o suco que nos interessa, matérias-primas, prisões para migrantes incômodos, posições geopolíticas, sem nunca ter esboçado um tímido “mea culpa” pelos colonialismos, antigos e novos, esse livro serve para abordar o tema enquanto está em fusão, para não cair novamente no engano antes que se transforme em lava solidificada.
Talvez seja errado resumir o romance que Gramma Feltrinelli traz às livrarias italianas como um conto do início da colonização francesa na Argélia, em suma, uma epopeia criminal dos pied noir. Sim, existe uma data, 1845, apenas quinze anos depois de os “civilizadores” terem desembarcado naquela região que se tornaria a quarta margem da pouco fraterna République. As tragédias entrelaçadas de uma mulher, Seraphine e sua família jogada no deserto argelino com a falsa promessa de uma nova vida, e de um soldado anônimo que procede com seus companheiros para "pacificar" os árabes a golpes de massacres, estupros e saques, são na realidade um retrato desesperado da inexistência de deus na História. Ou se quiserem, é a história da fuga de um deus horrorizado, que se esconde para não ter que assistir, entre o fragor das armas e os gemidos dos supliciados, as brutalidades que, em nome da civilização e do progresso, suas criaturas realizam.
No colonialismo narrado por Belezi, desde o início o pecado é algo tangível, vivido: o assentamento dos colonos, barracos em um deserto de cor queimada e escaldante envolto em uma luz ofuscante na qual até as montanhas nuas parecem pálidas; pedras que é inútil arar; o cemitério que a cólera povoa continuamente; brancas aldeias árabes, as casas umas sobre a outra, grudadas como lascas de pinha; as marchas frenéticas numa obsessiva criminosa cabotagem à procura de mulheres para distribuir entre os soldados até consumi-las com os estupros e depois jogá-las fora como mercadoria estragada.
Assim a ferocidade se torna algo comum, uma simples circunstância. No final, na apoteose desse calvário, só há a renúncia: Stephanie que retorna à França deixando os filhos mortos naquela terra cruel. Ou a perfeição do massacre, "l'enfumade", as grandes fogueiras acesas em frente às cavernas onde os árabes se refugiavam e ouvir os lamentos dilacerantes de homens, mulheres e crianças que morrem lentamente sufocados pela fumaça. Na verdade, ao soldado só resta repetir o comentário do seu cruel capitão: "Não, não somos anjos." O desolado réquiem com que o livro termina.
E os argelinos? Vítimas que ocasionalmente se vingam decapitando algum colono que se afastou demais da aldeia fortificada. Mas eles também matam sem ilusões nem esperanças. Como o velho que com voz doce e teimosa, sem ousar levantar o rosto para olhar o capitão nos olhos, protesta pela violação das mulheres: “Sidi, são as nossas mulheres...”. E o capitão o atravessa de lado a lado com a espada.
O colonialismo, todo ele, não apenas o francês, distribuiu a morte como uma regra do jogo aplicada friamente, nem mesmo odiavam as vítimas. Era como pagar para ver quando o jogo já está perdido. A maior crueldade nunca acontece no calor, ocorre quando os algozes e as vítimas a usam ou a sofrem sem paixão.
Não há, como vemos, nenhum descanso supremo numa revelação final da piedade de Deus. Não há desculpas possíveis, atalhos econômicos ou teológicos. O colonialismo revela-se como um drama sombrio e homicida, ambicioso e arrogante, marcado pelo câncer da violência e da mentira. É por isso que Belezi desce entre esses homens que fixaram intensamente demais a morte e são por ela obcecados.
Talvez seja necessário citar Pascal, que por vezes faz concorrência a La Palice: “Dizer a verdade é útil para aqueles que a ouvem, mas perigoso para aqueles que a falam, que se fazem odiar." E eles se fazem odiados ainda mais quanto mais acreditam ser necessário repetir aquela verdade depois de tê-la enunciado. Não se trata (eu me coloco no papel de Belezi, mas também de Camus) apenas de um fardo, a culpa colonial, da qual precisa livrar-se a consciência, trata-se de salvar princípios e sentir-se humanos. Na França, a Argélia (e Vichy) ainda são tabus intocáveis e são escritos, com sucesso, livros para protestar contra a tirania da penitência e as lágrimas do homem branco. É, portanto, ainda mais difícil desafiar aqueles que dizem: “Qual é o sentido de contar e recontar a roupa suja, já que a roupa não será lavada nem hoje nem amanhã?”. Ou quem, gauche bonachona e droit empreendedora, se apela a fórmulas insípidas: os irmãos da África... o grande abraço da francofonia...
Este escritor da crueldade da História trabalha há vinte anos sobre a Argélia como se estivesse curvado sobre uma mesa de autópsia. E faz isso, creio, não por acaso, numa era de barbárie que mais uma vez ajeita silenciosamente as camas dos homens e estamos mais uma vez com as costas contra a parede. O livro coincide com o fim de um naufrágio cansado e inglório dos restos do império africano da França, do qual a Argélia foi a capital perdida. A bandeira baixada de um anacronismo, por obra, sutil paradoxo, de um grupo de golpistas do Sahel que de repente se viram independentes das ordens de Paris. Finalmente está morta! A África dos “legionaires” e dos barbouzes, dos subornos e dos presidentes por graça e por procuração do Eliseu. Algo que já fazia parte de um museu humano.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Maldito colonialismo. Artigo de Domenico Quirico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU