Por: Cristina Guerini e Lucas Schardong | 31 Mai 2025
Dois povos marcados pela indiferença. No Brasil, os indígenas. Em Gaza, os palestinos. Resguardadas as proporções, o colonialismo está no cerne do genocídio dessas populações e em nossa omissão e silêncio na cumplicidade com essas atrocidades.
O senado vem passando a boiada sem medo ou pudor, querendo banhar de sangue mais uma vez os povos indígenas. Após o libera geral do licenciamento ambiental e o desrespeito com Marina Silva, os senadores aprovaram o projeto que desmonta o rito de demarcação de terras indígenas. O Projeto de Decreto Legislativo 717/2024 susta homologações das Terras Indígenas Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, e parte do decreto que regulamenta demarcações.
“Golpe após golpe os direitos ambientais e os direitos dos povos indígenas sofrem retrocessos. O Senado sucumbiu ao atraso. Acabar com o licenciamento ambiental não foi suficiente. É preciso humilhar cruelmente a herdeira de Chico Mendes e ambientalista de renome internacional Marina Silva e avançar no cerco às comunidades originárias”, asseverou Gabriel Vilardi.
O relatório produzido pela Anistia Internacional aponta que os gestores públicos falharam no dever de proteger a população gaúcha de eventos climáticos extremos, como a enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2024. A entidade ainda afirmou que “quase nada avançou” na reconstrução do pós-enchentes.
A massa com frio polar chegou com força no Rio Grande do Sul e dois homens em situação de rua morreram de frio em Porto Alegre, e um Bento Gonçalves, essa semana. A pastoral de rua denunciou que “essas mortes na capital aconteceram justamente depois da ordem de retirada de pertences, como colchões e cobertores, por parte da prefeitura de Sebastião Melo. A população em situação de rua no Rio Grande do Sul ultrapassa 14 mil pessoas e diante ao frio intenso, vemos autoridades inertes e indiferentes à vida.
Voltamos nossos olhos, mais uma vez, para Gaza, onde o desdém de um ocidente apático permite que Israel conduza o enclave à fome, ao desespero e às ruínas. O artigo escrito por Jonathan Safran Foer, jornalista, aponta que “a atrocidade não começa com a brutalidade, mas com a indiferença”. Por isso, precisamos “reumanizar o que o mundo tornou anônimo, lançar luz onde as sombras se enraizaram mais profundamente. Nossa tarefa é transformar as sombras em pessoas: insistir na cor, na individualidade, na humanidade”.
Já passou da hora do Ocidente abrir os olhos para esta crise humanitária sem precedentes. O assassinato de nove dos dez filhos da doutora Alaa al-Najjar, que trabalha no Hospital Nasser, foi mais uma entre as tantas histórias desoladoras que chegam da Faixa. Além disso, a morte da influenciadora de onze anos, Yaqeen Hammad, que se tornou uma referência dentro e fora da Faixa de Gaza com seus vídeos cheios de esperança, também repercutiu. Nesta limpeza étnica que completou 600 dias, Israel já assassinou 54 mil palestinos, sendo mais de 16 mil e 500 crianças.
Continuamos repercutindo os relatos em primeira pessoa que chegam da zona de guerra. Os famintos nos contam o drama que é viver na Gaza sitiada: “tudo faz parte do plano deles, mas quem somos nós para lutar contra isso? Estamos resistindo a algo muito maior que nós e não temos controle sobre isso. Nós só queremos viver. Precisamos lembrar como é viver uma vida normal novamente. Temos que viver”, escreveu Kholoud Jarada.
“A onda de conservadorismo político se choca com o sentimento de insatisfação e desorientação das juventudes perante a sociedade moderna. Esse atrito produz dissonâncias inacreditáveis e liquefaz valores éticos profundos. No caldeirão da cultura digital contemporânea, diversos movimentos neorreacionários são abraçados pelas juventudes: tradwives, manosfera, red pills (e suas variações), incels, antifeminismos, retorno de discursos e ideias nazistas nas escolas, a desilusão com as causas coletivas, incluindo a precarização do trabalho — a lista é longa. As juventudes espelham o mal-estar do projeto insano da modernidade. A busca por um sentido e pela trêmula promessa de um futuro habitável dissolve-se no ódio e na indiferença pelo outro, na depressão e na rebeldia vazia”, pontuou o colega Guilherme Tenher.
As artes são formas de resistência, persistência e memória. Assim, cinema e fotografia mostraram, mais uma vez, o poder das lentes que capturam a história.
Assim, “a 78ª edição do Festival de Cinema de Cannes será lembrada por seu tom político. Os ventos belicistas e autoritários que sopram pelo mundo influenciaram uma parte significativa dos filmes apresentados”, assinalou a reportagem de Enric Bonet.
Da mesma forma, Sebastião Salgado, falecido no dia de 23 de maio, será lembrado por suas imagens em preto e branco, que narram histórias que emocionam e provocam reflexões sobre o nosso modo de vida. Um dos seus registros mais emblemáticos foi realizado no dia 17 de abril de 1996 [mesmo dia em que ocorreu o Massacre de Eldorado dos Carajás, que dias depois seria documentado pelo fotógrafo], quando mais de 3 mil famílias do MST ocuparam a Fazenda Araupel, no Paraná.
A imagem de um camponês com uma foice em punho rompendo a entrada do latifúndio, se tornou ícone da resistência campesina. As lentes do fotógrafo também se voltaram para os garimpeiros de Serra Pelada, a guerra do Golfo, e, mais recentemente, para a proteção da Amazônia e dos povos indígenas. Em uma entrevista na França, em março deste ano, ele falou sobre o conceito de fotografia.
A fotografia autêntica, para Sebastião Salgado, não pode ser substituída. "Eu não sou contra a inteligência artificial, mas fotografia mesmo, só é fotografia. Quando você pega a fotografia que você faz no telefone celular, isso não é fotografia. Isso é uma linguagem de comunicação por imagem, mas que não tem nada a ver com a memória. Aquela ideia de memória, é só a fotografia que traz ", ressaltou.
Salgado nos deixa como legado uma memória construída por uma linguagem que trazia uma interpretação fidedigna da realidade e por sua maneira de “traduzir a dignidade irreprimível da humanidade”.
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