27 Mai 2025
Para Caroline Sardá, fenômeno se relaciona com disputas de poder político e é ampliado por desinformação na internet.
A informação é de Adele Robichez e Luana Ibelli, publicada por Brasil de Fato, 26-05-2025.
Para a comunicadora e publicitária Carolline Sardá, o avanço do discurso antifeminista entre jovens é resultado da desinformação nas redes sociais e de um movimento cíclico da sociedade que acompanha as disputas de poder político. Em entrevista ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, ela apontou que esse fenômeno tem levado parte da juventude a adotar o conservadorismo como forma de se diferenciar e até de se rebelar.
“Hoje o ser rebelde é ser reacionário, conservador”, afirma. “À medida que cresce o progressismo, que nós temos mais acesso a direitos, existe também toda uma reação retrógrada, reacionária, que quer impedir esses direitos de avançarem”, diz. “Entre 2010 e 2016, houve um avanço forte dos jovens progressistas, dos jovens ‘quebrando o tabu’. Agora, que nós estamos vivendo numa ótica onde existe muito progressismo, os jovens vão ser rebeldes como? Sendo reacionários.”
Sardá tem se dedicado a combater as fake news sobre o movimento feminista nas redes sociais, e vê um cenário preocupante de retrocessos nos direitos das mulheres, inclusive com apoio de parlamentares que se intitulam antifeministas. “Essas mulheres fazem isso porque estão no poder, querem aceitação nesse meio e fazem parte, na grande maioria das vezes, de uma classe de poder, de dominação, de opressão”, explica.
Para Sardá, a onda antifeminista com apoio de mulheres também é reflexo de um sistema patriarcal que marginaliza as que lutam por igualdade. “A sociedade sempre foi muito contra o direito das mulheres e é natural que exista uma resistência, só que essa resistência se fortalece muito com a desinformação. Nós pensamos que quem vai ser contra o direito das mulheres são homens, mas também são mulheres que acreditam que, sendo contra esses direitos, vão ter uma certa aceitação desses homens”, analisa.
As chamadas tradwives, ou “esposas troféu”, mulheres que romantizam o papel tradicional da dona de casa nas redes sociais, é um dos fenômenos que mostra essa cooptação de jovens pelo discurso antifeminista. Carolline Sardá ressalta, no entanto, que trata-se de um conteúdo atravessado por questões de classe e raça: as influenciadoras que promovem esse estilo de vida geralmente são brancas, pertencem a famílias de alta renda e, apesar de pregarem uma dedicação exclusiva ao lar, também trabalham ao monetizar os vídeos que produzem.
A comunicadora chama atenção para o fato de que essas influenciadoras não se dizem antifeministas nem conservadoras, mas resgatam um imaginário antigo sobre os papéis de gênero, tornando-o palatável para novas gerações. Mas a realidade para quem tenta seguir esse modelo sem os mesmos privilégios é de sobrecarga, dependência e apagamento. “O problema não é cuidar da casa, é romantizar o trabalho doméstico sem reconhecer que ele é um trabalho não pago“, defende.
A publicitária afirma que há uma estratégia coordenada para espalhar fake news e retroceder direitos das mulheres, apoiada pelos algoritmos. “Existe um mercado da misoginia nas redes sociais. O conteúdo misógino gera lucro”, disse, citando a conclusão de uma pesquisa do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Segundo ela, os algoritmos amplificam discursos baseados em conspirações, como o documentário A Verdade sobre a Lei Maria da Penha, da produtora bolsonarista Brasil Paralelo. “Não é orgânico, é uma produtora que está ali para produzir uma narrativa que vai fortalecer um lado político. […] A primeira coisa que você faz para mexer numa legislação como a Lei Maria da Penha é mexer no pensamento das massas”, indica.
A comunicadora explica que esta é uma tática da extrema direita inspirada em Steve Bannon, ex-estrategista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “Enche a zona de abobrinhas, que é o que as pessoas vão tentar debater, enquanto outras coisas estão sendo feitas por trás”, resume.
Para enfrentar o problema, ela defende a regulamentação das redes e educação digital desde cedo. “Nós não temos acesso a esse tipo de informação nas escolas, nos ambientes de trabalho, nas empresas. É daí que floresce a desinformação: se as pessoas não sabem, eu vou te explicar de uma maneira conspiratória, gerar dúvidas na sua cabeça e respondê-las dúvidas também.”