06 Janeiro 2025
O ar frio congela a pele e quase não chega aos pulmões. Mais do que os 345 degraus montanha acima, o que tira o fôlego é a vista do platô dourado de al-Qalamun, que, ao pôr do sol, se enche de tonalidades rosadas. Os reflexos se multiplicam à medida que se deixa para trás o portão de ferro, na entrada da estrada para Nabek, e se sobe, um passo de cada vez, no silêncio de pedra até o monastério, um só com a rocha. Lá, no terraço debruçado sobre o deserto e as oliveiras, o cansaço se transforma em emoção.
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 19-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cada centímetro de Mar Musa vale o esforço. As celas, com suas portas pequenas e estreitas, pelas quais só se passa curvados. Os caminhos em ziguezague que ligam as várias partes do edifício, que começou a ser escavado no ventre da montanha, segundo a tradição, no século VI por Moisés, o abissínio. E, acima de tudo, a igreja onde se entra sem sapatos, como requer o costume sírio nos locais sagrados de qualquer fé. No branco e macio tapete, no centro, em frente ao altar principal, estão apoiadas as Bíblias. Ao redor, as paredes são coloridas com o vermelho e o amarelo dos afrescos bizantinos do “Juízo Final”, que datam do ano 1000. Todas, exceto a da direita, onde os islâmicos rezam, voltados para Meca.
Paolo Dall'Oglio (Foto: Zrosen | Wikimedia Commons)
Para os muçulmanos da Síria, Mar Musa tem sido uma casa e um oásis de espiritualidade desde que o padre Paolo Dall'Oglio formou a comunidade em 1992. 32 anos depois, liderada por seis monges - quatro homens e duas mulheres - o prior é Jihad Youssef, que, assim como o jesuíta que foi perseguido pelo regime de Bashar al-Assad e depois desapareceu em Raqqa em 2013, considera que a missão do mosteiro é mostrar à Síria - e ao mundo - que viver juntos não é apenas possível, mas também belo. “Agora ainda mais. Você não consegue sentir, mesmo que esteja sem fôlego por causa da subida, como se respira bem agora na Síria? No ar há o perfume da liberdade do medo, consciente e inconsciente, que oprimia as pessoas. Quase ninguém brincava e cada palavra tinha de ser dita em voz baixa. A queda tão rápida do regime mostrou como ele era fraco, apesar de sua violência”, afirma num perfeito italiano Frei Jihad, enquanto toma seu chá, acariciando a gata que dorme placidamente em seu colo. A incerteza do futuro pela tomada do poder pelo Hayat Tahrir al-Sham (Htm), o grupo de matriz jihadista herdeiro do al-Nusra, não assusta o monge. “Não há nenhuma garantia. Pessoalmente, porém, acredito que será melhor do que o passado, porque pior é difícil. Os sinais, até agora, foram positivos”. Os rebeldes prometeram inclusão, tolerância e respeito pelos direitos de todos os cidadãos. E também aboliram o alistamento militar, o pesadelo nacional, porque poderia durar até dez anos.
Aberturas que, no entanto, poderiam se mostrar “cosméticas” a fim de apaziguar a comunidade internacional. “Tenho fé que isso não acontecerá”, continua Frei Jihad, “porque tenho fé em Deus e nos sírios. Não foi Hts que derrubou a ditadura. Apenas desferiu o golpe final. Bashar al-Assad já havia sido derrubado no coração de seu povo há muito tempo. Estou surpreso com a vitalidade que os sírios mantiveram depois de tanto sofrimento. É essa vitalidade que me dá esperança. Vou lhe contar uma anedota. Há alguns dias, passei pela cidade de Nabek e a achei mais limpa. As pessoas, depois de mais de meio século, sentem-se donas de sua terra, não escravas, e cuidam dela. E não abrirão mão dessa nova condição. Os sírios não aceitarão outro tirano. Os jovens não deixarão mais de falar, os escritores não deixarão de escrever, os ativistas de reivindicar seus direitos. O novo governo terá de entender isso”. Por isso, a possibilidade de um executivo muçulmano não o assusta. “Certamente será de orientação islâmica, mas não necessariamente islamista. Sua única possibilidade de sucesso é respeitar a riqueza do mosaico nacional, que representa a nossa força e a fraqueza. E, ao mesmo tempo, nos torna diferentes de outros países da região. É por isso que um cenário do tipo iraquiano ou líbio é possível, mas pouco provável. Desde que a comunidade internacional, finalmente, trabalhe pelos interesses dos sírios e não contra eles”.
Deir Mar Musa (Foto: Bernard Gagnon | Wikimedia Commons)
As palavras do prior ecoam a fé no Islã que permeia a espiritualidade de Mar Musa e do fundador. “Não me surpreende ver fotos de Paolo durante as comemorações do fim do regime. Ele é um dos ícones da Síria livre. Sua imagem não está apenas nas ruas, mas no coração de muitas pessoas de todas as crenças e orientações. Sempre encontro alguém que me fala sobre ele”. Em nenhum outro lugar a presença do jesuíta romano é tão palpável quanto em Mar Musa. Em cada pedaço de rocha transformado em arco, porta, abrigo, percebe-se o sonho da mão que o moldou, juntamente com muitas outras. Tudo isso faz parte de uma história milenar que, com obstinada paciência, do passado se torna presente. E, ao mesmo tempo, profecia de futuro. Como o crescente ao lado da cruz gravada no maciço de Qalamum que acompanha os peregrinos, um degrau após o outro.
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Mar Musa, 345 degraus para a Síria que aprendeu a viver “juntos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU