02 Abril 2018
Quero recordá-lo agora, na Páscoa da ressurreição. E não daqui a quatro meses, no dia 29 de julho, quando cairá o frio aniversário dos cinco anos de distância, de escuridão, de prisão... Quero recordá-lo agora, para torná-lo presente no tempo atual e não apenas estreitamente no íntimo dos corações famintos por palavras dos familiares, dos coirmãos e dos inúmeros amigos de todas as fés e credos, espalhados pelo mundo. Todos há tanto tempo suspensos sobre um fio de esperança (e verdade) acerca do seu destino, oficialmente desconhecido desde 2013. Disseram que o mataram poucos dias após a captura. Mas, até prova em contrário, quero recordá-lo agora por estar vivo.
O comentário é do jornalista italiano Claudio Monici, em artigo publicado por Avvenire, 01-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele deveria ser lembrado todos os dias, desde o primeiro dia, e não apenas no fim de uma data significativa, como se fosse a ocasião de um aniversário com bolo, cujas velas permaneceriam apagadas; lembrar assim como faz a gota que cai e bate na pedra até furá-la. Recordá-lo para recordar também os muitos como ele e romper o silêncio sufocante das correntes que apertam os pulsos e os tornozelos daqueles que são forçados a um estado de cativeiro.
E, finalmente, rever ressurgir o homem livre, vivo. Recordá-lo assim como a Páscoa judaica, a Pessach, comemora a libertação de Israel da escravidão egípcia e o início de uma nova liberdade no caminho rumo à Terra prometida. Recordá-lo porque, e são dele estas palavras, “o Evangelho propõe uma lógica de esperança (...) Tudo o que procede nessa lógica é mais forte do que a morte...”.
Recordá-lo agora também com as palavras do poeta e dramaturgo russo Konstantin Michajlovic Simonov, que em 1941 escreveu um poema à sua amada, dedicando-a aos soldados soviéticos que, às centenas, caíam nos frontes da Segunda Guerra Mundial: “Espera-me, e eu voltarei, mas me espera com todas as tuas forças... quando não se espera mais pelos outros, esquecendo tudo o que aconteceu ontem... Espera-me, e eu voltarei a despeito de todas as mortes. E aquele que já não me esperava dirá que tive sorte. Quem não esperou não pode entender como tu me salvaste no meio do fogo com a tua espera...”.
Recordar-te porque te esperamos, padre Paolo Dall’Oglio, jesuíta envolto pela paixão fraterna pelo mundo islâmico, que desapareceste naquele 29 de julho de 2013, quando te encaminhaste na estrada para Raqqa, um breve pseudorreino de um fantasmagórico Estado islâmico.
Esperamos a tua Páscoa, o retorno do teu grande sorriso hierático que, um dia, nos escancarou a pesada porta de madeira do “teu” mosteiro de Deir Mar Mousa al-Habashi, na áspera montanha no deserto sírio. A tua pequena comunidade monástica, entre Terra e Céu, de paz, silêncio e meditação do espírito, oferecida ao diálogo entre cristianismo e Islã. A tua túnica e as tuas sandálias esperam impacientes para subir a montanha novamente, aqueles 345 degraus de pedra, abraçado aos muitos amigos que te esperam de todo o mundo, por vocação, por oração, por ecumenismo, por curiosidade, por meditação, para trabalhar a terra ou apenas porque aquele pequeno portão de madeira sempre esteve escancarado para o teu vizinho.
Feliz Páscoa, “italiano do deserto”, assim tu és conhecido pelos sírios que te querem bem, aquela gente simples de outra fé no mesmo Deus, aos quais tu te dirigias assim: “Vivemos em duas margens do mesmo rio e tentamos interpretar a relação do homem com o seu Criador”. Al-Masîhu qâm, Cristo ressuscitou, Pe. Paolo.
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''Padre Dall’Oglio, meu irmão de Páscoa'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU