11 Novembro 2023
"Eles se tornaram os exilados: as vítimas das limpezas étnicas, os descartados das terras que precisam ser esvaziadas para torná-las seguras, para usar como trincheiras. Eu reflito. É a guerra que se revela nessa longa serpente de homens. A guerra não é aquela dos livros e dos filmes, mas aquela verdadeira no seu aspecto brutal, sem direitos, regras, proibições. Essas pessoas passaram semanas encolhidas entre as casas destruídas, sob o fogo de aviões e canhões. Não são eles que fazem a grande História, mas a grande História também é feita com eles, está impregnada do seu sofrimento".
O artigo é de Domenico Quirico, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 09-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma longa fila disciplinada, que marcha rapidamente, pontuada pelos trapos brancos aos quais confiam a sua vida: você olha para o céu e se sente envolvido por uma fragrância cálida, por um sol silencioso e cúmplice. Ouve-se um zumbido, como uma espuma de sons, o único verdadeiro ruído é de alguns estrondos distantes da artilharia. A fila, de repente, tem um sobressalto. Mas não para. Três horas, foi o que concedeu Israel, três horas não é muito tempo para fugir. Três horas arrancou o poderoso Biden do implacável Netanyahu, com os seus inúteis porta-aviões de lata e seus submarinos nucleares.
Três horas. Portanto, não há tempo para hesitar, para ter medo. Olhando a fuga de Gaza a pé rumo à frágil segurança do grupo de desesperados na fronteira com o Egito, onde uma humanidade fervilha, fermenta, se tem a impressão de ler um livro do qual um severo censor apagou toda frase supérflua, deixando apenas cruéis informações que comunicam o essencial, o sentido profundo.
Os palestinos, homens, mulheres, crianças, idosas, caminham com a dignidade dos povos cujos antepassados carregaram pesados fardos sobre a cabeça no meio de campinas tórridas. Como pano de fundo, ao iniciar a marcha, há imponentes cenografias de escombros imperecíveis. É só o começo, a caravana ainda é paciente. De vez em quando, tomando um caminho mais largo, o rio humano alarga-se e aparecem jumentos que arrastam carrinhos cheios de gente. Os homens também arrastam frangalhos de um passado ainda vivo. Um homem, curvado, empurra um carrinho de mão onde está um doente cuja silhueta pode ser adivinhada sob o pudor de um cobertor. Com o passar do tempo, aproximando-se o fim da trégua concedida, a fila será percorrida por sobressaltos de medo, de desconfiança e de ódio.
Quantos são? Como contá-los nesse cansativo avançar nas formas mais coloridas, cada família com as crianças e os enfermos, arrancados do nicho cotidiano, com o seu fardo de calor, de sede, de fome, de terror nessas estradas de lagartos? E depois, quando eles chegarem (mas quantos ficarão pelo caminho exaustos, resignados, feridos) terão que mostrar dentes e garras e conseguir um abrigo. Enquanto isso na cidade abandonada bombas e granadas recomeçarão a cair como se um gigante caprichoso estivesse se divertindo com esse passatempo atroz, Israel e o Hamas retomam a sua guerra sem o incômodo desses inúteis seres humanos.
A situação apresenta-se como estranhamente familiar, temos a certeza de ter vivido no passado o que está acontecendo no presente. As casas devastadas, as pessoas em fuga, os homens armados que emergem dos escombros, silenciosos, sombrios: tudo nos parece familiar. Congo, Síria, Nigéria, Tigré, Somália. Esses nomes não explodem nas suas mãos? O que significa o bem para eles? Não morrer, um pouco de calma já é um bem.
Sempre acontece assim. A certa altura ontem se fez silêncio. Aviões e canhões por três horas suspenderam suas engrenagens. O tempo parou, a terra não gira mais. Alguém disse: é preciso ir.
Tentaram recolher os poucos pertences, não sobrou muito em Gaza para levar depois de um mês de bombardeios. De fato, há muitos na fila que não carregam nada consigo. No desespero resta um consolo: separar-se de tudo, ser reduzidos a si mesmos. “É preciso ir”, disse alguém.
É preciso seguir a estrada que leva ao Egito, uma estrada que parece a síntese de todos as estradas do universo. Longa, cinzenta, eterna, continua até onde a vista alcança e até o fim dela não há nada além de um campo de refugiados. Talvez ali voltará a hora da salvação. Não morreremos mais.
Acredito que essa estrada fale dessas existências palestinas sem sombra de dúvida. Quilômetros de estrada reta, caminhar, sem parar, ir embora. Antes que seja tarde demais. Sem descanso, sem comer nem beber, humildes, aterrorizados pelo seu próprio fantasmagórico cortejo. As horas passam. Não se pode defini-las como longas, intermináveis, essas horas ultrapassam o tempo normal. Se ainda estão vivos, afinal, num lugar como esse é um milagre.
Eles se tornaram os exilados: as vítimas das limpezas étnicas, os descartados das terras que precisam ser esvaziadas para torná-las seguras, para usar como trincheiras. Eu reflito. É a guerra que se revela nessa longa serpente de homens. A guerra não é aquela dos livros e dos filmes, mas aquela verdadeira no seu aspecto brutal, sem direitos, regras, proibições. Essas pessoas passaram semanas encolhidas entre as casas destruídas, sob o fogo de aviões e canhões. Não são eles que fazem a grande História, mas a grande História também é feita com eles, está impregnada do seu sofrimento.
Se tivessem tempo gritariam para nós que os vemos passar: não há nada que vocês possam fazer por nós, por que vocês estão vindo nos espiar, nos ver caminhar, nos contar como se fôssemos rebanhos?
Fiquem no seu mundo perfeito, não queremos nem a sua compreensão nem a nossa piedade.
De repente, o despertar de uma memória repleta de sombras: imagens de um outro povo, os hebreus, exilados caminhando no deserto na direção contrária, também caçados pela vingança do faraó. Surpreendentemente, parecem-me tochas de uma epopeia distante, traída, epígrafes de um destino desaparecido. Os hebreus também vivenciaram o êxodo, o exílio: transcendem a sua solidão como uma prova, uma promessa de comunhão. Conseguirão olhar sem remorsos para essa fuga de Gaza?
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O êxodo. Artigo de Domenico Quirico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU