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O bispo e o povo: uma revisão do papado de Francisco

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25 Junho 2025

"A transformação da agenda eclesial promovida por Francisco não poderia ser compreendida sem a simultânea mudança no modo de falar do Papa. Não se tratava apenas de novos temas, mas de uma nova maneira de expressá-los. Para reconfigurar sua relação com o mundo, Francisco recuperou uma linguagem escatológica, carregada de referências ao bem e ao mal, à salvação e à condenação, onde o diabo, o pecado estrutural e a esperança de redenção para os indivíduos e os povos ocupam um lugar central. A diferença com seu predecessor era profunda nesse aspecto", escrevem Sol Prieto e Verónica Giménez Béliveau, em artigo publicado por Nueva Sociedad, 23-06-2025.

Sol Prieto é socióloga, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) da Argentina e professora da Universidade de Buenos Aires (UBA) e da Universidade de San Andrés (UDESA). É autora de " O Fim do Mundo: O Papa Francisco sob uma Perspectiva Sociológica" (Eduvim, Villa María, 2016).

Verónica Giménez Béliveau é socióloga, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) da Argentina e professora da Universidade de Buenos Aires (UBA). É autora de " Católicos Militantes: Sujeito, Comunidade e Instituição na Argentina" (Eudeba, Buenos Aires, 2016). É vice-presidente da Associação de Ciências Sociais da Religião na América Latina (ACSRAL).

Eis o artigo.

Em 21 de abril de 2025, Jorge Mario Bergoglio, Papa Francisco, um jesuíta, morreu no Vaticano aos 88 anos. O primeiro papa latino-americano governou a Igreja Católica por quase 13 anos e incorporou um pontificado distinto. Francisco veio de uma Igreja periférica, em uma região onde o catolicismo foi hegemônico por séculos, mas onde o número de fiéis continua a diminuir. Esse declínio se acelerou nas últimas duas décadas. Um relatório do Pew Forum de 2014 afirma que 69% dos latino-americanos se identificam com o catolicismo, embora 84% tenham nascido em lares católicos. Dados da primeira e segunda Pesquisa Nacional de Crenças e Atitudes Religiosas na Argentina, do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet), mostram que o número de católicos caiu de 76,5% em 2008 para 62,9% em 2019. Dados do Latinobarómetro confirmam que o catolicismo caiu 10 pontos percentuais no Brasil, assim como na Colômbia. Os países da América Central estão vivenciando um declínio ainda mais acentuado, com os católicos representando menos da metade da população: 41% na Guatemala, 48% em Honduras e 43% na Nicarágua. Enquanto o número de católicos está diminuindo, o número de pessoas sem afiliação religiosa (ateus, agnósticos e pessoas sem religião) está aumentando, e as igrejas evangélicas estão crescendo tanto em número de estabelecimentos quanto em número de membros[1].

O papado de Francisco começou, portanto, sob o signo da crise do catolicismo em sua região de origem: podemos supor que sua eleição no conclave de 2013 tenha tido algo a ver com isso. Um papa que entendia a América Latina e que também estava geográfica e institucionalmente distante da Cúria Romana pôde abordar as principais questões que estavam "ardendo" no Vaticano naquela época e que estiveram na origem da renúncia de Bento XVI: os escândalos ligados à pedofilia e seu encobrimento, a guerra cultural contra o islamismo e a corrupção no Banco do Vaticano. Francisco aceitou o desafio e se propôs a atender às demandas de renovação vindas de dentro da Igreja. E o fez retomando um caminho forjado pela Igreja do século XX. Em 2018, o papa visitou os países bálticos e, em uma conversa com um jovem padre que lhe perguntou como poderia ajudar, disse:

Creio que o Senhor está pedindo uma mudança na Igreja. Já disse muitas vezes que uma perversão da Igreja hoje é o clericalismo. Mas, há 50 anos, o Concílio Vaticano II disse: a Igreja é o povo de Deus. Sinto que o Senhor quer que o Concílio se instale na Igreja. Os historiadores dizem que leva 100 anos para um Concílio ser implementado. Estamos na metade do caminho. Portanto, se quiserem me ajudar, ajam de forma a levar o Concílio adiante na Igreja[2].

Assim, diante da crise, o Papa adotou o caminho de aprofundar as mudanças do Concílio Vaticano II, o último concílio da Igreja Católica, que visava promover transformações significativas na direção da adaptação da Igreja ao mundo moderno. O Concílio, realizado na Cidade do Vaticano entre 1962 e 1965, incluiu delegações de bispos de todos os continentes, predominantemente europeus, e estipulou uma série de reformas pelas quais a Igreja ainda passa.

Neste artigo, analisamos as mudanças implementadas sob o papado de Bergoglio. Cada pontificado traz seu próprio estilo e propõe linhas de ação que repercutem tanto dentro quanto fora da Igreja. Com Francisco, a periferia tornou-se o centro e, pela primeira vez, a América Latina "era" a Igreja. Esta é a chave para compreender os processos em questão: o papado de Francisco parte da perspectiva da reinterpretação latino-americana do Concílio Vaticano II.

Mudança de agenda: do cerco ao diálogo

Em contraste com o modelo de Bento XVI, que privilegiava uma Igreja "pura" (composta por poucas pessoas, mas convictas) para resistir à ameaça da secularização e ao avanço do islamismo, Francisco optou por recuperar o espírito do catolicismo social e popular com o objetivo de se dirigir novamente às grandes maiorias católicas e não tão católicas, abrangidas pelo "povo de Deus em comunhão" declarado no documento final da Conferência de Puebla de 1979.

Há um significante em particular que encapsula esse movimento: a palavra "vida". Sob Bento XVI, "vida" referia-se à vida de um feto ou, em menor grau, à de uma pessoa idosa ou doente que contemplasse a eutanásia como uma possibilidade. A vida foi, portanto, encapsulada em discussões penais e morais. Sob Francisco, especialmente a partir do Sínodo da Amazônia, a noção de "vida" abriu-se para uma concepção mais ampla que inclui o cuidado com o meio ambiente, a atenção aos pobres e a crítica às injustiças estruturais. Na encíclica Laudato si' (2015), Francisco afirma que "não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas sim uma crise socioambiental complexa", vinculando o respeito pela vida humana ao respeito pela natureza. Essa mudança na ideia de "vida" — do feto para o meio ambiente — ressignificou o mandato tradicional de defender a vida, integrando-a a uma preocupação com o destino do planeta e dos últimos, os mais pobres[3].

A mudança na ênfase da agenda também implicou uma transformação na linguagem e no estilo pastoral. Francisco propôs abandonar o tom condenatório e normativo em relação aos indivíduos, promovendo uma Igreja movida pela noção de "misericórdia", que ele construiu em oposição à noção de "clericalismo" como expressão que resumia os problemas da Igreja. Em Evangelii Gaudium (2013), por exemplo, ele denunciou a "centralização burocrática excessiva" que dificulta o dinamismo missionário da Igreja e clama por uma aproximação às periferias, tanto geográficas quanto existenciais. Mas o clericalismo também se manifestou na distância moral entre o padre e os leigos, os leigos e os pecadores. "Quem sou eu para julgar?", disse ele em uma coletiva de imprensa em um encontro de jovens no Rio de Janeiro sobre os gays. A imprensa chamou essa expressão de "um gesto do Papa". Assim, os primeiros gestos do Papa foram um convite a compreender sem julgar.

No entanto, a pregação de Francisco não abandonou a normatividade; ao contrário, ele a transferiu dos indivíduos para as estruturas. De fato, seu discurso tornou-se fortemente normativo em relação ao sistema econômico e social, o que ele chamou de "cultura do descarte" — grandes massas empobrecidas que não têm acesso a direitos porque a vida é completamente mercantilizada — e altamente crítico da desigualdade e da dívida externa como mecanismos de subjugação das pessoas. Na Evangelii Gaudium, ele afirmou que "esta economia mata". Criticou a "idolatria do dinheiro" e a "nova tirania invisível" do mercado, onde reinam a especulação financeira e a evasão fiscal. Essas críticas não são inteiramente novas: fazem parte de uma tradição dentro da doutrina social da Igreja, que, desde a Rerum Novarum (1891), condena os abusos do capital e defende a dignidade do trabalho. No entanto, Francisco intensificou essas questões em um contexto global marcado pela concentração de riqueza e pela financeirização das economias.

A questão do diálogo inter-religioso, particularmente com o Islã, também foi fundamental para essa mudança de agenda. Aqui, o contraste com Bento XVI foi, como em muitos outros pontos, radical. Em setembro de 2006, durante seu discurso na Universidade de Regensburg, Bento XVI citou Manuel II Paleólogo, o imperador bizantino do século XIV, que afirmou que Maomé havia trazido "apenas coisas más e desumanas, como sua ordem de espalhar a fé pela espada"[4]. Embora o papa alemão posteriormente tenha qualificado suas palavras, o fato de ter reiterado a citação sem uma condenação explícita foi interpretado como uma declaração ofensiva ao Islã, desencadeando uma onda de indignação e prejudicando seriamente as relações inter-religiosas. A ideia de que o Islã estava intrinsecamente ligado à violência tornou-se associada à mensagem papal e levou a consequências graves e violentas para o catolicismo, especialmente nos países de maioria muçulmana. Francisco, por outro lado, seguiu o caminho oposto. Desde o início de seu pontificado, enfatizou a necessidade de construir pontes de fraternidade com o mundo muçulmano. Em 2019, assinou o "Documento sobre a Fraternidade Humana" em Abu Dhabi, ao lado do Grão-Imã de Al-Azhar. O documento afirma que "Deus criou todos os seres humanos iguais em direitos, deveres e dignidade" e que "o pluralismo e a diversidade de religiões (...) são uma sábia vontade divina"[5]. Essa visão foi posteriormente retomada em Fratelli tutti (2020), onde ele afirmou que "um crente é alguém que busca sinceramente a Deus e reflete sua luz ao seu redor", independentemente de sua filiação religiosa[6].

A transição de uma Igreja que se percebia culturalmente "assediada" pelo Islã – o que servia de metáfora para uma Europa sitiada pela imigração – para uma Igreja aberta ao Islã, e também à imigração – implicou uma mudança na forma como concebia o papel da religião na vida pública. Não se tratava mais de resistir a partir de um enclave puro e verdadeiro, mas de mobilizar uma nova cultura – a "cultura do encontro", como Bergoglio a chamava desde seu tempo como arcebispo – construindo amplas alianças em defesa da dignidade humana. Dessa forma, Francisco não modificou doutrinas – a homossexualidade, por exemplo, continua sendo um pecado para o catolicismo –, mas as reorganizou dentro de um novo quadro simbólico. Nessa reconfiguração, a Igreja emerge não como uma instituição obcecada por sua própria pureza, mas como um ator disposto a habitar as tensões do mundo contemporâneo e, a partir daí, oferecer um horizonte.

Mudança discursiva: o retorno do diabo

"A ganância desenfreada por dinheiro é o esterco do diabo", alertou Francisco em 2015, durante sua visita à Bolívia. O diabo! Fazia muito tempo que o diabo não aparecia no discurso papal. Mas, para expressar uma nova agenda, Francisco precisava de uma "nova linguagem", que buscou entre o que já tinha em mãos: a teologia popular: um discurso direto, carregado de imagens escatológicas, que desafia a maioria por meio de sua experiência concreta de sofrimento e redenção.

A transformação da agenda eclesial promovida por Francisco não poderia ser compreendida sem a simultânea mudança no modo de falar do Papa. Não se tratava apenas de novos temas, mas de uma nova maneira de expressá-los. Para reconfigurar sua relação com o mundo, Francisco recuperou uma linguagem escatológica, carregada de referências ao bem e ao mal, à salvação e à condenação, onde o diabo, o pecado estrutural e a esperança de redenção para os indivíduos e os povos ocupam um lugar central. A diferença com seu predecessor era profunda nesse aspecto. Bento XVI, seguindo a tradição agostiniana e tomista, concebia o mal como uma privação, uma falta do bem: "O mal não é lógico. Só Deus e o bem são lógicos; são luz. (...) O mal vem de uma fonte subordinada. Deus com sua luz é mais forte. E por isso o mal pode ser superado."[7] Nessa perspectiva, o mal não teria existência própria, ao contrário do bem. Francisco, por outro lado, distancia-se dessa abordagem abstrata e filosófica: sua pregação cotidiana torna o diabo visível como sujeito de ação no mundo, operando dentro das estruturas da injustiça, da corrupção e da violência. Paradoxalmente, nesse aspecto, os teólogos liberacionistas históricos – mais influenciados por leituras sociológicas ou estruturalistas do mal – assemelham-se mais a Bento XVI do que a Francisco, que denuncia o diabo como um agente ativo.

Teologia popular latino-americana, que Francisco transformou em teologia durante seu pontificado[8], caracteriza-se por ser acessível, experiencial e incorporada na vida das pessoas. Não desenvolve grandes sistemas conceituais, mas expressa o mistério em símbolos, gestos e palavras que ressoam diretamente — ou aspiram a ressoar — com as ansiedades e esperanças das comunidades. Francisco reconhece nessa forma de teologização não uma expressão menor ou distorcida da fé, mas uma fonte legítima de conhecimento de Deus. Em Evangelii Gaudium, ele afirma que "o povo fiel é o sujeito ativo da evangelização" e que em sua religiosidade popular "reside uma força evangelizadora que não podemos subestimar"[9].

Nesse contexto, a escatologia de Francisco não se refere à expectativa de uma catástrofe ou de um futuro distante, mas sim a um apelo à ação presente. A urgência da conversão não se refere à salvação individual ("ninguém se salva sozinho, só é possível salvar-se juntos", afirmou ele em um encontro em 2020)[10], mas sim à transformação de estruturas sociais que perpetuam a exclusão e a destruição da natureza. Assim, na Laudato si', a perspectiva escatológica se entrelaça com a questão ecológica: "O meio ambiente humano e o meio ambiente natural se degradam conjuntamente (...) Nunca maltratamos e danificamos nossa casa comum como nos últimos dois séculos."[11] O fim do mundo não é, então, apenas a localização geográfica do Sul Global a que ele se referiu quando foi entronizado, mas também a possibilidade concreta de esgotamento de todos os recursos naturais e de colocar em risco a sobrevivência das espécies.

É aí, nessa possibilidade, que o diabo se faz presente. Francisco afirma repetidamente que o diabo é uma presença real e ativa no mundo. Em Gaudete et exsultate (2018), ele alerta: "Não o consideremos um mito, uma representação, um símbolo, uma figura ou uma ideia. Esse erro nos leva a baixar a guarda (...) O diabo existe."[12] Longe de ser uma metáfora, o mal é, para Francisco, uma força concreta que atua no mundo humano.

Essa recuperação de uma linguagem escatológica popular não representou apenas uma atualização retórica, mas sim uma estratégia para reconfigurar a maneira como a Igreja Católica se dirige à maioria. Ao mobilizar categorias como o diabo, a salvação, o pecado e a urgência da redenção, Francisco também apelou à mobilização das bases católicas, esse "povo de Deus" característico da teologia popular latino-americana.

Mudanças litúrgicas: abertura do Concílio e saída do pré-concílio

Se o discurso é o canal para transmitir e definir as crenças de uma comunidade, o ritual é a ferramenta por excelência para torná-las críveis. No catolicismo, a dimensão sacramental é central, a ponto de muito do que um padre pensa poder ser deduzido da observação de seu culto: há instrumentos musicais? Há moças servindo como coroinhas? Há mulheres lendo? Há mulheres comentando a Palavra? A linguagem religiosa não se sustenta apenas em documentos ou discursos, mas fundamentalmente na liturgia cotidiana. Não é à toa que o marco mais memorável do Concílio Vaticano II é justamente a mudança litúrgica: a missa em línguas vernáculas (e não mais em latim), voltada para o povo, com maior participação dos leigos.

Nesse sentido, o papado de Francisco abriu decisivamente as portas da liturgia para o Concílio Vaticano II, ao mesmo tempo em que fechou aquelas que tentavam manter vivas as identidades pré-conciliares associadas ao rito tridentino. Por meio de uma série de decisões litúrgicas — abrindo-se a novas formas e restringindo outras —, o Papa interveio claramente em uma dimensão altamente sensível para a identidade católica. Por um lado, promoveu uma liturgia inculturada e situada: endossou o desenvolvimento do rito zairense, promoveu o caminho para um rito amazônico ligado às culturas indígenas e ao papel da mulher, e ele próprio realizou celebrações utilizando expressões mapudungun na região da Araucanía. Também formalizou papéis que as mulheres já desempenhavam de fato em muitas comunidades, permitindo sua nomeação como leitoras e acólitas, funções que até então eram reservadas aos homens. Esses novos rituais não se limitam a mudanças na linguagem ou no vestuário: representam uma transformação na gramática corporal e simbólica da liturgia.

O rito zairense, por exemplo, incorpora elementos da espiritualidade africana, como procissões de dança, invocações comunitárias ao Espírito Santo, culto aos ancestrais e respostas corais. O projeto do rito amazônico, estimulado após o Sínodo de 2019, inclui o uso de simbolismo da selva, música tradicional, línguas indígenas e formas de liderança comunitária onde as mulheres desempenham um papel central. Essas mudanças, que as próprias comunidades realizam em seus cultos, não são adornos ou manifestações da "cor local". Seu reconhecimento implica uma teologia da inculturação que desloca o monopólio europeu sobre os modos legítimos de celebração.

Por outro lado, em 2021 Francisco publicou o motu proprio Traditionis custodes [13], que restringiu severamente o uso do Rito Tridentino — isto é, a Missa celebrada de acordo com o Missal pré-conciliar de 1962, mais conhecido como Missa Latina — estabelecido no Concílio de Trento. Declarou que a única expressão legítima do Rito Romano é a Missa de acordo com o Missal de 1970 (pós-Concílio Vaticano II), revogou a permissão geral para padres celebrarem a Missa Tridentina, proibiu que tais Missas fossem celebradas em paróquias, bloqueou a criação de novos grupos afiliados ao rito antigo e transferiu o poder de autorizá-la aos bispos, que por sua vez devem consultar o Vaticano. Em várias dioceses, até mesmo autorizações já concedidas foram negadas.

Essas medidas geraram forte resistência, especialmente entre os setores que encontraram no rito tridentino não apenas uma forma de celebrar, mas uma identidade religiosa e política completa. Para esses grupos, suprimir — ou melhor, restringir severamente — a Missa tradicional significava algo mais profundo do que uma reforma litúrgica, que já durava mais de 50 anos. A restrição foi vivenciada como uma tentativa de apagamento, como uma negação de sua identidade. Portanto, a disputa sobre a liturgia não era uma questão técnica ou decorativa: estava em jogo a autoridade para definir o que conta como autêntico dentro da tradição, quais modos de rezar sustentam ou ameaçam a unidade e quais memórias são reconhecidas ou descartadas pelo centro institucional da Igreja.

Mudanças no apoio: maior destaque da vida religiosa e dos movimentos populares

Em quem Francisco se baseou para implementar essas mudanças? Durante seu pontificado, o mapa de atores eclesiais foi reconfigurado e a centralidade simbólica, política e teológica dentro da Igreja Católica foi redistribuída. Essa mudança representou uma ruptura com as prioridades de João Paulo II e Bento XVI, que haviam fortalecido um modelo de catolicismo militante e doutrinário por meio de um claro compromisso com os Novos Movimentos Eclesiais (NEMs). Sob João Paulo II, os NEMs eram vistos como a vanguarda da "nova evangelização".

Eram espaços fundamentalmente leigos com uma forte identidade católica, fidelidade ao magistério papal e alta capacidade organizacional. Alguns dos mais proeminentes foram o Opus Dei, o Comunhão e Libertação, os Legionários de Cristo, a Renovação Carismática Católica e os Focolares. Cada um oferecia uma forma distinta de compromisso religioso, mas compartilhavam um ponto em comum: apoio irrestrito ao papado e canalização da participação leiga na Igreja Católica. Bento XVI manteve essa linha, reafirmando sua legitimidade como caminhos de evangelização e renovação.

Sob Francisco, esse modelo começou a ser deslocado. O papa argentino desencorajou a lógica elitista e estreitou os laços com o poder político e econômico que muitos desses movimentos haviam consolidado. Francisco despojou o Opus Dei de suas prerrogativas históricas: subordinou-o a um dicastério, limitou o papel de seu prelado e exigiu que apresentasse demonstrações financeiras anuais. No caso dos Legionários, aprofundou a intervenção já iniciada após os escândalos de abuso sexual, despojando-os de poder político e visibilidade dentro da Igreja. Finalmente, em relação à Comunhão e Libertação, distanciou-se explicitamente do grupo dominante que dominou o movimento por décadas, acolhendo inclusive setores críticos dentro dele que promoviam a renovação.

Essa mudança também foi simbólica: o NME deixou de ser considerado um modelo de catolicismo ativo, e outras figuras e espaços ganharam destaque. Uma das novidades foi a revalorização da vida consagrada, tanto masculina quanto feminina. Ordens religiosas que atuavam nos territórios, acompanhando os pobres ou envolvidas em lutas ecológicas ou por direitos humanos por meio do mecanismo fundamental da "missão", encontraram maior reconhecimento sob o pontificado de Francisco.

Esse retorno à vida religiosa como sinal profético, manifestado por meio daquelas "presenças" (especialistas religiosos, homens e mulheres) que "estão com o povo", opôs-se à lógica de eficácia institucional que caracterizava as NMEs. Congregações com presença nas periferias, que haviam sido invisibilizadas ou relegadas, recuperaram a centralidade. Francisco elogiou repetidamente as religiosas por seu trabalho com os jovens e os pobres, e seu papel em sustentar e reconhecer a religiosidade popular por meio de "seus carismas".

Outro elemento significativo foi a posição que os movimentos populares conquistaram como novos interlocutores privilegiados do papado. A partir de 2014, Francisco promoveu uma série de Encontros Mundiais de Movimentos Populares, dos quais participaram sindicatos informais, cooperativas, camponeses, migrantes, comunidades indígenas e ativistas, em sua maioria leigos e leigas. Francisco os chamou de "poetas sociais", capazes de encarnar a luta por terra, moradia e trabalho.

Essa abertura marcou uma ampliação do horizonte eclesial: não se tratava mais apenas de formar elites católicas, mas de acompanhar os processos de baixo, recuperando componentes da teologia do povo e da tradição latino-americana, e com uma preferência explícita pelas periferias como lugar teológico e político. O lema "Terra, Moradia e Trabalho", forjado nesses encontros, sintetizou tanto as orientações da luta política contra o sistema descartável que Francisco denunciou na Evangelii Gaudium, quanto o movimento de expansão da Igreja que ele tentou impor ao seu papado. Esse movimento, que para Francisco vem da base[14].

Mudanças institucionais: desclericalizando a Igreja

Max Weber[15] Ele definiu a Igreja como um instituto de graça sacramental que administra os bens religiosos da salvação como uma fundação fiduciária, à qual a filiação é obrigatória. Isso significa que, diferentemente de outras correntes dentro do cristianismo, as pessoas não são santas a priori, nem se espera que o sejam, porque a santidade está contida, precisamente, na Igreja. A eficácia da Igreja não é determinada pela representação de seus fiéis ou pelo mérito pessoal de seus líderes, mas por sua capacidade de organizar e reproduzir o acesso legítimo a bens simbólicos como a verdade, a salvação ou a graça. Essa administração depende de uma cadeia de produção de significado eclesial, que inclui tudo, desde a linguagem e os rituais até as hierarquias visíveis. Para transformar a Igreja, Francisco entendeu que era necessário intervir em toda essa cadeia. Assim, para mudar a agenda, era necessário mudar a linguagem; para mudar a linguagem, era necessário mudar os rituais; para mudar os rituais, era necessário modificar os atores que os implementam. E para dar um lugar a esses novos atores, era necessário transformar as instituições que os possibilitam ou os excluem.

Este diagnóstico tornou-se particularmente claro diante das crises que marcaram o fim precoce do pontificado de Bento XVI: o descrédito dos abusos sexuais dentro da Igreja e seus encobrimentos, a opacidade financeira, a estagnação das reformas pós-conciliares e a ascensão de uma cultura curial fechada, autorreferencial e masculina. Francisco não respondeu apenas com retórica – embora a retórica seja uma parte central do trabalho papal – mas utilizou as reformas institucionais como instrumentos para intervir em cada uma dessas frentes, gerando ações concretas que também funcionaram como sinalizadores. Contra o "clericalismo", o papa argentino promoveu a sinodalidade e uma maior presença de leigos na estrutura da cúria. Contrariando a lógica hierárquica que organiza a cúria, ele redefiniu os critérios de acesso ao governo eclesial, como evidenciado na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium (2022).16. Estabelece que "todo cristão é um discípulo missionário" e autoriza qualquer pessoa batizada — não apenas um bispo ou cardeal — a chefiar um dicastério (como são chamados os departamentos ou órgãos que desempenham diferentes funções na cúria). Essa autorização abriu uma porta, tanto simbólica quanto real, para mulheres em cargos de tomada de decisão. Um detalhe: os critérios para ocupar cargos curiais são formulados de forma inclusiva ("o rosto de Cristo se reflete na variedade de rostos de seus discípulos e discípulas").

Após essas reformas, mulheres — tanto leigas quanto religiosas — foram nomeadas para cargos tradicionalmente reservados a homens ordenados, especialmente bispos: Irmã Raffaella Petrini como Secretária-Geral do Governo do Estado do Vaticano, Emilce Cuda como Secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina e várias outras como Subsecretárias de dicastérios. Trata-se de movimentos isolados, mas significativos, dentro de uma instituição que não se rege pelos princípios da representatividade e onde o acesso de novos atores só pode ocorrer se as estruturas que os empoderam forem reformadas. Mesmo assim, o progresso é limitado: entre 2013 e 2023, a porcentagem de mulheres trabalhando no Vaticano cresceu apenas de 19,2% para 23,4%. "Não há freiras suficientes em cargos de responsabilidade. Precisamos superar uma mentalidade clerical e sexista", disse Francisco em janeiro de 2023. Os dados não refutam isso.

Também no plano judicial, Francisco interveio com força para resolver as crises que levaram à renúncia de Bento XVI: ele alterou o Código de Direito Canônico para fortalecer a resposta aos abusos sexuais dentro da Igreja, eliminou a necessidade de aprovação papal para julgar cardeais e fortaleceu os poderes do sistema judicial do Vaticano. Ao mesmo tempo, ele impulsionou uma profunda reforma financeira, com a criação da Secretaria para a Economia em 2014, a recentralização do controle orçamentário, a modernização do Instituto para as Obras Religiosas (IOR, conhecido como o "Banco do Vaticano") e o julgamento de funcionários envolvidos em escândalos de corrupção, como o Cardeal Giovanni Becciu. Essas medidas não responderam apenas a imperativos técnicos: elas buscaram tornar o funcionamento da Igreja transparente e remoralizar sua vida interna.

De modo geral, as reformas não transformaram completamente a estrutura eclesiástica, nem resolveram todos os problemas de legitimidade, mas visaram reconfigurar a forma como a autoridade é produzida e distribuída dentro da Igreja. As mudanças introduzidas por Francisco foram objeto de uma das discussões que acompanharam seu papado: sempre insuficientes para alguns, que desejariam, antes de tudo, uma inclusão mais rápida e definitiva das mulheres como ministras da Igreja; extremas para outros, que questionavam os costumes populares e o diálogo inter-religioso da Igreja, por destruírem os princípios de unidade e santidade da Igreja.

O Concílio em termos latino-americanos

"Tenhamos cuidado: nem o progressismo que se adapta ao mundo, nem o tradicionalismo que anseia por um mundo que já passou são provas de amor, mas de infidelidade."[17] Com esta frase, Francisco resumiu um equilíbrio tenso que sempre caracteriza o trabalho papal, independentemente de quem ocupe o trono: a rejeição tanto de uma restauração nostálgica do passado quanto de uma negociação acrítica com o presente. Nessa dupla rejeição, o que se propõe é uma Igreja que aspira a ser, precisamente, uma Igreja: nem uma seita nem uma facção. Ser Igreja implica sintetizar o passado, o presente e o futuro da comunidade em cada ato, cuidando do presente, mas cientes de que o Reino de Deus ainda não está completo, que construí-lo é uma tarefa longa.

A Igreja parece estar se dedicando a essa tarefa atualmente. Em 8 de maio de 2025, Robert Prevost foi eleito papa, assumindo o nome de Leão XIV. Sua eleição parece refletir a continuidade com o papado de Francisco em vários aspectos. Em seu trabalho no Peru e na Cúria, especialmente na área de seleção de bispos — como Prefeito do Dicastério para os Bispos — destaca-se sua ênfase em questões sociais, com foco na dignidade dos migrantes, no cuidado com o meio ambiente e na denúncia de guerras, questões que também eram centrais para Francisco. Essa continuidade não passou despercebida, e algumas figuras de direita, como Steve Bannon, o caracterizaram como um "progressista". Em seu primeiro discurso como papa, Leão XIV retomou o tom escatológico de seu antecessor, reconhecendo a existência do mal no mundo e enfatizando que "o mal não prevalecerá". Essa visão do mal como uma presença ativa já estava presente em suas obras filosóficas, como Probabilidade e Explicação Teísta.[18]. No âmbito ritual, sua ligação com a liturgia "inculturada" promovida por Francisco é esperada, dado o tempo em que viveu no Peru e ocupou cargos no país, mas parte disso também pôde ser observado na participação de mulheres em sua primeira missa papal, encarregadas da leitura da Palavra.

Além disso, ao pertencer à ordem agostiniana, Leão XIV dá continuidade à linha de Francisco de fortalecimento das ordens religiosas, reconfigurando o papel do NME. Em relação ao seu perfil institucional, sua formação como canonista e sua participação ativa no Sínodo sobre a Sinodalidade parecem colocá-lo em posição-chave para dar continuidade aos processos iniciados pelo pontífice anterior. Contudo, em questões como as bênçãos para casais do mesmo sexo e o diaconato feminino, observam-se algumas tensões entre a tradição e as demandas por inclusão. Nesses casos, Prevost parece ter priorizado a sinodalidade — a influência das "igrejas locais" e das conferências episcopais nacionais, especialmente as africanas — em detrimento da abertura doutrinária.

Apesar desses esforços para buscar a unidade por meio da diversidade e construir a continuidade por meio da ruptura, essa tensão não teve um desfecho neutro, nem com Francisco nem com qualquer outro papa. Durante seu pontificado, a Igreja se inclinou para setores que defendiam um projeto pós-conciliar, mas entendiam o Concílio Vaticano II a partir de uma perspectiva particular, historicamente definida e concreta. Essa interpretação tem origens que podem ser rastreadas até a América Latina e, mais especificamente, ao catolicismo argentino.

Uma característica central desse catolicismo é que — como a sociedade argentina durante a maior parte do século XX — era plebeu e talvez continue sendo. Plebeu em vários sentidos: em sua composição social — bispos e padres com sobrenomes italianos, filhos de imigrantes ou oriundos da classe trabalhadora; em seu estilo pastoral — marcado mais pela visita aos doentes, pela missa de bairro e pelo trabalho territorial do que pela produção teológica acadêmica — e em sua maneira de conduzir a política dentro e fora da Igreja — com capacidade de ler o contexto e de negociar e mensurar o equilíbrio de forças que pesa tanto quanto a doutrina ou o carisma pessoal.[19].

Francisco conhecia aquela Igreja por dentro. Formou-se ali e a percorreu em todos os níveis: foi pároco, provincial dos jesuítas, professor e reitor universitário, arcebispo de Buenos Aires e presidente da Conferência Episcopal Argentina. Envolveu-se na política eclesiástica durante ditaduras e democracias, durante períodos de ortodoxia econômica e durante momentos "nacional-populares". Foi um intelectual integrante da Igreja, mas de um tipo particular: acostumado a posturas desconfiadas e mais intimamente ligado à realidade concreta, sua construção de carisma era a antítese da de Bento XVI. "Bom apetite!", dizia ele ao cumprimentar os pobres que vinham almoçar no Vaticano. Parte do que chamam de reação eclesiástica contra Francisco se origina nesse habitus.

O catolicismo de Francisco também era latino-americano no tema que ele buscava abordar: uma vasta massa de católicos "mais ou menos" nominais, sacramentais, com baixa frequência ao culto, distantes e que se voltam para Deus em momentos de angústia. Na Argentina — como no restante da América Latina — nunca existiu uma sociedade paroquial como a da Europa. Não havia redes densas de paróquias moldando a vida cotidiana, nem uma Igreja que organizasse inteiramente a cultura. O que existia era uma relação ambígua, mutável, mas intensa, entre o Estado, a política e a Igreja. Essa coexistência — feita de competições, pactos e alianças — moldou tanto a Igreja quanto sua liderança.[20] Nesse contexto, ser bispo não era apenas uma vocação religiosa, mas também uma prática política e, sobretudo, uma forma de intervir no mundo.

Dito isto, a América Latina não é uma essência, não é uniforme e, portanto, a Igreja latino-americana também não o é. Há um consenso na sociologia da religião e nos estudos sobre o catolicismo de que, desde o período pós-conciliar, identidades concorrentes emergiram dentro de um mesmo quadro institucional na região, marcando diferentes marcos da memória e, a partir desses marcos, construindo diferentes linhagens. De um lado, a Renovação Carismática Católica (RCC), que encontra sua referência na encíclica Lumen gentius[21]; por outro lado, a teologia popular como parte da teologia da libertação, que enfatiza a encíclica Gaudium et Spes (1965).

A primeira enfatiza a noção da Igreja como comunidade de carismas. A segunda, em contraste, enfatiza a ideia da Igreja como povo de Deus. Enquanto a primeira concebe a salvação individual a partir da espiritualidade e enfatiza o contato pessoal com Deus, a segunda reflete a tradição do compromisso social. Embora se baseiem em encíclicas diferentes, essas duas tradições também apelam a diferentes reuniões do episcopado latino-americano. A primeira remonta a Santo Domingo (1992), enquanto a segunda remonta a Medellín (1968). Essas divisões, que implicaram e implicam diferentes visões de mundo e disputas, também não são visíveis a todos. Elas envolvem caracterizações, dinâmicas, estratégias e formas de interpelação que também são únicas.

"Começamos esta jornada: bispo e povo" foram as palavras que Bergoglio escolheu em sua primeira saudação, antecipando o tom de seu papado. Mas como a pureza nunca foi sua praia, e como os pares binários são inúteis para explicar a Igreja, Francisco também apostou na renovação carismática. Chamou-a de "corrente de graça", cantou com seus representantes, levantou as palmas das mãos com eles para receber o Espírito Santo, elogiou seu modo de rezar – semelhante ao dos evangélicos – e, por fim, os legitimou aos olhos da Igreja Católica. Como se o povo de Deus residisse em todos os lugares – e ali também.

Notas

[1] - Os dados aqui apresentados foram retirados do Pew Research Center, “Religião na América Latina: Mudança generalizada em uma região historicamente católica”, 13 de novembro de 2014, disponível aqui; Fortunato Mallimaci, Juan Cruz Esquivel, Verónica Giménez Béliveau e María Gabriela Irrazábal, “Segunda Pesquisa Nacional de Crenças e Atitudes Religiosas na Argentina”, Conicet (conjunto de dados), 2024, disponível aqui; Ronaldo Almeida, “Os pentecostais serão a maioria no Brasil?” na Revista de Estudos da Religião, dezembro de 2008; Marcelo Camurça: "O Brasil religioso que emerge do Censo 2010: consolidações, tendências e perplexidades" em Faustino Teixeira e Renata Menezes (orgs.): Religiões em movimento: o Censo 2010, Vozes, Petrópolis, 2013; JC Esquivel: "As contribuições e os dilemas dos estudos quantitativos nas Ciências Sociais da Religião na América Latina" em Ciências Sociais e Religião vol. 22, 2020.

[2] - Rubén Cruz: "As 7 mensagens do Papa Francisco para a história em seus encontros regulares com os jesuítas" em Vida Nueva, 21/04/2025.

[3] - Essa mudança tem consequências para a relação entre a Igreja e o feminismo e requer uma reflexão específica.

[4] - Papa Bento XVI: "Fé, Razão e Universidade. Memórias e Reflexões. Discurso do Santo Padre na Universidade de Regensburg", 12/9/2006, disponível aqui.

[5] - “Viagem Apostólica de Sua Santidade Francisco aos Emirados Árabes Unidos (3 a 5 de fevereiro de 2019). Documento sobre a Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a Convivência Comum”, Emirados Árabes Unidos, 2/2019, disponível aqui.

[6] - "Carta Encíclica Fratelli tutti do Santo Padre Francisco sobre a fraternidade e a amizade social", Dicastério para a Comunicação, 10/2020.

[7] - Bento XVI: "O mal não é intrínseco ao homem, Cristo triunfou sobre ele", Audiência Geral, 12/03/2008.

[8] - Pablo Touzon: "Esta não é a teologia do povo nem a teologia da libertação. É teologia", entrevista com Emilce Cuda na Supernova, 2024.

[9] - "Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Santo Padre Francisco aos bispos, aos presbíteros e diáconos, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos sobre o anúncio do Evangelho no mundo de hoje", Dicastério para a Comunicação, 11/2013.

[10] - Papa Francisco: "Discurso no Encontro de Oração pela Paz 'Ninguém se salva sozinho – Paz e fraternidade'", Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé, 20/10/2020.

[11] - "Carta Encíclica Laudato si ' do Santo Padre Francisco sobre o cuidado da nossa casa comum", 5/2015.

[12] - "Exortação Apostólica Gaudete et exsultate do Santo Padre Francisco sobre o chamado à santidade no mundo de hoje", Dicastério para a Comunicação, 3/2018.

[13] - "Carta Apostólica em forma de motu proprio do Sumo Pontífice Francisco Traditionis custodes sobre o uso da liturgia romana antes da reforma de 1970", Dicastério para a Comunicação, 7/2021.

[14] - "Discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Encontro Mundial dos Movimentos Populares", outubro de 2014, disponível aqui.

[15] - Max Weber: Economia e Sociedade [1921], FCE, Cidade do México, 1984.

[16] - "Constituição apostólica sobre a Cúria Romana e seu serviço à Igreja no mundo Praedicate Evangelium ", Dicastério para a Comunicação, 3/2022.

[17] - Homilia proferida por Francisco na Basílica de São Pedro em 11 de outubro de 2022, por ocasião do 60º aniversário da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II.

[18] - Clarendon Press, Oxford, 1990.

[19] - Para uma leitura mais aprofundada, ver F. Mallimaci: El mito de la Argentina laica. Catolicismo, política y Estado, Capital Intelectual, Buenos Aires, 2016. Nossa caracterização do catolicismo argentino baseia-se em diversas trocas com Mallimaci no âmbito do Programa Sociedade, Cultura e Religião do Centro de Estudos e Pesquisas Trabalhistas (CEIL)-Conicet e do Seminário Sociedade e Religião da Faculdade de Ciências Sociais (UBA), que estão resumidas naquele livro.

[20] - Sobre essa discussão, veja Roberto Di Stefano, "Sobre a Igreja colonial e do início do século XIX: o caso do Rio da Prata", em Takwá nº 8, 2005, e F. Mallimaci, "Entre 'o que é' e 'o que queremos que seja': secularização e secularismo na Argentina", em Sociedad y Religión Vol. xx nº 32-33, 2010.

[21] - Este movimento é caracterizado pela prática de carismas como falar em línguas, intercessão (crescimento progressivo em santidade), oração comunitária, retiros espirituais e sessões de cura, todos os quais podem ser encontrados na evangelização pentecostal.

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