25 Abril 2025
Francisco pediu uma Igreja do lado dos pobres, do meio ambiente e dos indígenas. Milhares de católicos seguiram o chamado, lutando por um Brasil mais justo e inclusivo. A esperança é que o rumo das reformas prossiga.
O artigo é de Philipp Lichterbeck, jornalista alemão radicado no Brasil, publicado por DW Brasil, 23-04-2025.
Eis o artigo.
Há três anos, em uma pesquisa, encontrei-me com o arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner. Nomeado pelo papa Francisco em 2019 para esse cargo, hoje ele é cardeal e um dos poucos prelados brasileiros com direito a voto na próxima eleição papal. Dom Leonardo, um franciscano de Santa Catarina, é considerado um fiel aliado do papa – um verdadeiro "bergogliano". Ele representa uma Igreja que está do lado dos pobres, do meio ambiente e dos povos indígenas do Brasil. Uma Igreja que não se cala, mas age em favor dos mais necessitados.
Homens como Dom Leonardo – e com ele outros bispos, além de inúmeros irmãs e irmãos religiosos, sacerdotes e leigos – têm implementado no Brasil as visões de Francisco: trabalho pastoral em condições extremamente difíceis. Pelo país todo, mas especialmente na Amazônia, conheci nos últimos anos católicos corajosos que se sacrificam em iniciativas pastorais: pelos pobres, mulheres, imigrantes, moradores de favelas, doentes, pequenos agricultores, ribeirinhos, quilombolas, indígenas. Eles são a Igreja do povo, como Francisco pediu. Uma Igreja que vai até os pobres e marginalizados, assim como Jesus foi até os leprosos e pecadores.
Esses católicos sabiam, durante os últimos 12 anos, que Roma estava do seu lado quando se envolviam na política e enfrentavam interesses poderosos. Esse é um legado do Papa que, esperamos, permaneça. Pois nem a caridade está salva dos bolsonaristas, que até chegaram a agredir o padre Júlio Lancellotti por ajudar moradores de rua. Os bolsonaristas cospem no Evangelho – em nome desse "Jesus" que inventaram, e que lhes serve apenas para conquistar riquezas pessoais.
Francisco, com sua teologia inspirada pelo espírito do Concílio Vaticano II, fez um contraponto. Ele reabilitou a teologia da libertação latino-americana, condenada como herética pelos dois papas conservadores anteriores, João Paulo II e Bento XVI. E desempoeirou a Cúria. Muitos católicos entenderam (eu mesmo sou luterano) que rituais vazios não são fé e que belas palavras não substituem ações. "Pelos seus frutos os conhecereis", diz Jesus no Evangelho segundo São Mateus.
Naquele dia, em Manaus, acompanhei o arcebispo Dom Leonardo na distribuição de alimentos para os moradores de rua no centro degradado da cidade. Entre os necessitados, a maioria era venezuelana: famílias que fugiram da pobreza e da opressão política. Dom Leonardo se sentou com eles na escadaria da igreja. Um casal jovem contou que, sem os almoços, passaria fome. O arcebispo os ouviu por muito tempo.
Dom Steiner havia pedido ao papa para servir em Manaus, porque ali havia muito a ser feito: violência, pobreza, destruição ambiental. Um desejo que Francisco atendeu. Eles se entendiam bem: Francisco, o jesuíta, cuja ordem prioriza a justiça, a humildade e o serviço aos pobres; e Dom Steiner, da Ordem Franciscana, fundada por um homem que viveu na pobreza e se dedicou aos leprosos.
Sobre Jair Bolsonaro, o arcebispo de Manaus me disse na época: "Ele desrespeita a democracia, as leis e a humanidade. Bolsonaro só pensa em si e em seu poder. Para isso, ele usa a religião."
"Fogo da ganância não é o fogo do Evangelho"
É inegável que, sob o pontificado de Francisco, a parte progressista e corajosa da Igreja Católica no Brasil foi fortalecida. Aqueles que entenderam que a Igreja Católica, se não quiser desaparecer na irrelevância, no longo prazo, não deve seguir o caminho das igrejas evangélicas manipulativas, reacionárias e voltadas para o lucro, mas sim levar o Evangelho a sério.
O papa Francisco não julgava, ele escutava. O diálogo era importante para ele. Nenhum papa antes dele se encontrou mais com representantes de outras religiões e crenças. Ele viajou para zonas de guerra na África, convidou os mais altos representantes israelenses e palestinos ao Vaticano e intermediou um acordo de paz na Colômbia, após 50 anos de guerra civil. Eu mesmo vivenciei a presença do papa em 2013, na Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, quando, sob uma chuva fria, ele visitou a pequena favela Varginha e se deliciou com o calor da multidão.
Mas também nenhum papa antes de Francisco deu tanto valor à proteção ambiental, especialmente à proteção da Amazônia e dos povos indígenas. "Como guardiões da criação de Deus, somos chamados a fazer da Terra um belo jardim", disse.
Em 2019, o papa convocou o Sínodo da Amazônia no Vaticano – uma conferência internacional onde bispos da região, especialistas ambientais e líderes indígenas discutiram estratégias para a preservação da floresta tropical. Pela primeira vez, temas como desmatamento, grilagem de terras e extinção de espécies foram discutidos no mais alto nível da Igreja Católica. Francisco disse, em sua linguagem poética: "O fogo aceso pela ganância, que destrói a Amazônia, não é o fogo do Evangelho."
Já na encíclica Laudato si, de 2015, ele havia convocado as pessoas a se verem como "guardiões da casa comum": a Terra. Ele compreendeu que a proteção ambiental e a luta pela justiça social estão interligadas e não são opostas – como ainda acreditam muitos políticos brasileiros, do PT ao PL.
"Socialista" – como Jesus?
Organizações importantes como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) foram enormemente valorizadas por Francisco. E quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) distribuiu milhares de toneladas de alimentos a famílias carentes, durante a pandemia de covid, o Papa falou de "um sinal do Reino de Deus".
Com isso, Francisco reabriu o diálogo entre uma Igreja Católica, muitas vezes vista como estagnada, e os movimentos sociais – um diálogo interrompido por décadas.
A Igreja deveria voltar a "ter o cheiro das ovelhas", disse Francisco. Ele nomeou na América Latina novos bispos e cardeais comprometidos com questões sociais, que trabalham com as comunidades de base. Cabe a eles dar continuidade ao legado de Francisco. Eles devem não só envolver mais pessoas em ideias como justiça social, dignidade humana e proteção ambiental, mas finalmente também abrir o sacerdócio para as mulheres. A Igreja Católica precisa ser "desmasculinizada", afirmou Francisco em 2023.
Grupos conservadores chamaram Francisco de "socialista" – assim como provavelmente chamariam Jesus de socialista. Ele não se deixou impressionar. Demonstrou que a Igreja Católica pode hoje ser uma força de base e de mudanças positivas na América Latina, e que não cederia facilmente espaços para os evangélicos reacionários e suas redes políticas.
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