Teólogo africano diz que o Papa Francisco foi um papa pós-colonial

Papa Francisco | Foto: Vatican Media

22 Abril 2025

O padre Stan Chu Ilo conhece bem o falecido Papa Francisco.

O Coordenador da Rede Pan-Africana de Teologia e Pastoral (PACTPAN) também trabalhou em estreita colaboração com o Vaticano, atuando como coordenador norte-americano do projeto "Fazendo Teologia a Partir das Periferias Existenciais da Vida" — uma iniciativa sinodal lançada pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Este projeto teve como objetivo ouvir e aprender com católicos que vivem à margem da sociedade e da Igreja.

A reportagem é de Ngala Killian Chimtom, publicada por Crux, 22-04-2025. 

Dada a sua profunda ligação com o Papa Francisco, Ilo inicialmente hesitou em falar sobre o seu falecimento. No entanto, acabou por sentir que partilhar as suas reflexões seria a homenagem mais significativa ao falecido papa.

“O Papa Francisco deve ser lembrado como um papa pós-colonial que reconheceu as histórias interligadas das forças eclesiais, políticas e socioeconômicas moldadas pela modernidade”, disse Ilo ao Crux.

Ele também discutiu as reformas que Francisco introduziu na Igreja, os valores que ele defendeu e as qualidades que o próximo papa deveria incorporar.

Eis a entrevista.

Padre, o senhor trabalhou em estreita colaboração com o Papa Francisco. Que tipo de pessoa ele era?

O Papa Francisco era um cristão profundamente comprometido que amava a Deus, a Igreja e seu povo. Sua fé estava enraizada no amor que sentia ter recebido de Deus, refletido em seu brasão. Ele escolheu as palavras do comentário de São Beda sobre São Mateus, que descreve Jesus olhando para Pedro com um olhar de misericórdia. Ao amá-lo, Cristo demonstrou misericórdia — expressando amor por meio da compaixão. O Papa Francisco se via como alguém sobre quem o Senhor havia lançado esse olhar de misericórdia e amor. A partir desse sentimento de favor imerecido, ele derramou seu próprio amor a Deus e viu a Igreja e o mundo através das lentes da misericórdia divina.

Um mundo que incorpora a misericórdia de Deus deve refletir essa compaixão por aqueles que se sentem abandonados, solitários, oprimidos ou que sofrem injustiças, bem como pela própria natureza.

De uma perspectiva africana, o que deve ser lembrado sobre o Papa Francisco?

O Papa Francisco deve ser lembrado como um papa pós-colonial que reconheceu as histórias entrelaçadas de forças eclesiais, políticas e socioeconômicas moldadas pela modernidade. O colonialismo não se limitou à conquista territorial; apagou histórias e impôs sistemas econômicos e políticos estrangeiros às sociedades africanas. Essa influência estendeu-se além da governança, abrangendo também os esforços missionários. Embora os missionários tenham desempenhado um papel na disseminação do cristianismo, seu trabalho frequentemente negligenciou a identidade e a atuação cultural da África, marginalizando as tradições religiosas indígenas.

Ele reconheceu essas complexidades, defendendo uma abordagem mais inclusiva e respeitosa à e à justiça social. É por isso que descreve a economia global como "uma economia que mata", enfatizando seu papel na perpetuação de danos. O Papa Francisco entende que o colonialismo não acabou de fato; ele apenas evoluiu. Novas formas de colonialismo persistem através da globalização da pobreza, da desigualdade na saúde, da violência e da guerra. Seu impacto é visível em todos os lugares.

Sua preocupação era que a Igreja se tornasse um lugar de misericórdia, esperança e inclusão. Essa visão está no cerne de Fratelli Tutti, onde ele enfatiza que "somos todos uma família". No Capítulo Dois, ele se baseia na parábola do Bom Samaritano para ilustrar que a essência de nossa humanidade e fé se reflete em como percebemos e reagimos aos outros. O samaritano não viu um mero objeto ou uma inconveniência — ele viu uma pessoa sofrendo e foi movido a agir, ao contrário daqueles que priorizavam a pureza ritual, o status e a honra em detrimento da compaixão.

Para ele, esta é a questão central: o sofrimento humano não vem de Deus, mas é consequência de estruturas sociais, muitas das quais enraizadas em legados coloniais. O Papa Francisco rejeitou a ideia de dominação, defendendo, em vez disso, uma Igreja humilde que atraia as pessoas — não por meio da conquista ou imposição, mas pelo exemplo que dá em sua forma de viver e servir.

Certas questões causaram desconforto, particularmente a posição do Papa Francisco sobre a Fiducia Supplicans, o que criou tensões com a África…

Como teólogo africano, considero a Fiducia Supplicans o maior erro do papado do Papa Francisco. A Igreja já estava engajada em um processo sinodal — então por que o documento não foi apresentado ou discutido durante o sínodo? Mesmo com a formação de dez grupos de estudo, por que não foi examinado mais a fundo? Para mim, quase descarrilou seu papado.

No entanto, para seu crédito, quando o Cardeal Fridolin Ambongo (da República Democrática do Congo e presidente do SECAM) o abordou, ele o ouviu. Esse desafio se estende além do papa, abrangendo agentes pastorais, bispos, padres e outros em posições de autoridade dentro da Igreja. Historicamente, papas raramente admitem controvérsias em torno de documentos oficiais, o que torna sua disposição de se envolver ainda mais significativa.

O Papa Francisco, em sua sabedoria e compromisso com o método sinodal, não insistiu em tornar o documento um modelo universal. Em vez disso, demonstrou como um líder deve responder quando um ensinamento — em vez de curar, libertar, salvar e unir a Igreja — se torna uma fonte de divisão. Como centro da unidade, o papa serve como um espaço para despolarização e orientação em tempos turbulentos.

Esse papel distinto permite que a Igreja aborde diferenças internas recorrendo ao papa como ponto de referência. Fiducia Supplicans exemplifica esse processo, demonstrando como o papado promove a reconciliação.

Isso quase dividiu a Igreja. O Papa Francisco reconheceu os desafios e iniciou conversas, ouvindo a Igreja na África. Para o crédito dos bispos africanos, seu engajamento ajudou a Igreja universal a reconhecer que a Fiducia Supplicans, ao tentar estabelecer um caminho pastoral, não poderia ser imposta sem consulta e interpretação. Mesmo em países ocidentais onde práticas semelhantes têm aceitação legal, a questão continua preocupante para muitos católicos.

Uma solução não é tão simples quanto emitir um documento. Isso diz respeito aos mistérios do que significa ser humano. Nesse sentido, o Papa Francisco respeitou a resposta única da África ao chamado de Deus. Por isso, concedeu uma audiência ao Cardeal Fridolin Ambongo, e o que se seguiu foi uma abertura à interpretação própria da África sobre essa prática.

Com a saída de Francisco, a Igreja precisará de um novo papa. Que tipo de perfil o próximo papa deve ter?

A beleza da Igreja Católica reside no fato de que nossa fé não se baseia em um papa, mas no Senhor Ressuscitado, que é o mestre e diz: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida". Ele nos deu o Evangelho, que foi recebido pela Igreja ao longo dos tempos e articulado no direito canônico, no catecismo, na vida dos santos e nas práticas de fiéis em todo o mundo. O papa não faz a Igreja; a Igreja faz o papa. O papa não está acima da Igreja, do Evangelho, da tradição ou do magistério.

Há sempre continuidade entre um papa e outro, mas cada um traz carismas e dons únicos para servir ao povo de Deus. O Papa Francisco deixou um impacto significativo, particularmente por meio da experiência da sinodalidade, que tem sido transformadora. Seja quem apoia ou se opõe à sinodalidade, a abertura ao diálogo dentro da Igreja é universalmente reconhecida.

O próximo papa deve se basear nessas conversas e levá-las à implementação. O mundo e a Igreja estão divididos, então o próximo papa deve ser um unificador — não pela uniformidade, mas pela unidade na diversidade. Equilibrar a unidade com o respeito pela diversidade cultural, espiritual e teológica é crucial. Os africanos, por exemplo, não podem adorar a Deus da mesma forma que as tradições ocidentais ditam. O próximo papa deve personificar a liderança e os valores de Jesus Cristo, servindo como uma figura que representa algo muito maior do que o comum.

O papa não pode ser guiado por interesses pessoais. Não é a sua Igreja, nem a Igreja dos bispos ou padres — é a Igreja de Cristo. A vida do papa deve apontar para além de si mesmo, para Jesus Cristo, o Reino de Deus e os valores do amor e da misericórdia. Só então ele poderá verdadeiramente conduzir o povo de Deus em direção a Deus.

Aqueles próximos ao papa também devem reconhecer que sua vocação é para Deus, não para o papa. Rotular bispos como "do tipo de Bento" ou "do tipo de Francisco" é equivocado, pois a Igreja transcende indivíduos. O próximo papa deve evitar criar facções ou recompensar a lealdade enquanto pune a dissidência. Em vez disso, ele deve ser um Papa pastoral que ouve as vozes críticas e une a Igreja.

O próximo papa enfrentará o desafio de lidar com um mundo dividido e a ascensão de autocratas globalmente. A Igreja deve firmar sua posição em questões políticas, evitando o alinhamento com déspotas, ditadores ou democracias iliberais. O Papa deve permanecer uma figura centrista, evitando extremos em movimentos de direita ou liberalismo exagerado.

Num mundo pós-Covid-19 marcado por sofrimento, ansiedade e raiva, a Igreja deve oferecer esperança. A liderança do Papa será crucial para enfrentar esses desafios e guiar os fiéis rumo à unidade e à compaixão.

Estamos vendo um crescimento exponencial na Igreja africana, mas também vemos números decrescentes em outras regiões. Será que chegou a hora de um papa africano?

A questão de saber se chegou a hora de um papa africano surge em cada transição papal. No entanto, não acredito que seja uma questão de tempo — todo cardeal africano é tão qualificado quanto qualquer outro cardeal para assumir o cargo.

A África é onde a Igreja Católica cresce mais rapidamente. Assim como o Papa Francisco, escolhido na América Latina, trouxe uma nova perspectiva moldada por sua origem, um papa de uma sociedade não ocidental poderia oferecer a perspectiva única de que a Igreja precisa. Expandir sua autocompreensão para além das tradições ocidentais seria benéfico.

No entanto, o papa não representa uma região ou continente específico. Este não é um sistema rotativo como o das Nações Unidas. O processo é guiado pelo Espírito Santo, e minha oração como teólogo é que tanto o povo de Deus quanto os cardeais eleitores intensifiquem suas orações neste momento crítico. A Igreja, enquanto instituição humana, convoca seus líderes para algo maior do que eles mesmos. Entrar neste momento com Deus permite que eles possam discernir o que Ele quer que vejam nos candidatos.

Como africano, ficaria muito feliz se um papa africano fosse escolhido. Mas, como católico, ficaria igualmente feliz se o próximo papa viesse de outro lugar — porque somos todos uma família.

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