22 Abril 2025
O magistério de Francisco vai continuar exortando a igreja que não é auto-referenciada para ter referências claras. Primeiro, Cristo e seu Evangelho, a razão e o caminho da igreja. Segundo, os pés no chão, no contexto sócio-cultural em que vivem os fiéis. Terceiro, o Vaticano II, recebido no processo de conversão pastoral, na caminhada sinodal, primeireando na diaconia aos pobres, vivendo a cultura do encontro e do diálogo. Sim, Francisco vai estar sempre aqui!
O artigo é do Prof. Dr. Elias Wolff, do Programa de Pós-Graduação em Teologia - PUCPR, enviado a equipe do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Morreu Mario Bergoglio, o Papa Francisco. Com 88 anos de existência e 12 anos de pontificado. Marcou a história da humanidade e da igreja como homem, padre, bispo, cardeal, papa. Mas pelos feitos e o seu ensino, Francisco vai estar sempre aqui porque faz parte da nossa história. Ele a marcou com seu jeito próprio de quem vem “fim do mundo” para propor o início de um novo tempo eclesial e um novo tempo para a humanidade. Neste novo, Francisco continua conosco, fortalecendo nosso caminhar de esperança!
Por isso, o “aqui” onde Francisco “vai estar sempre”, não é um lugar físico, geográfico, mas lugar teológico e sociológico. É o “aqui eclesial” de uma igreja para o século XXI; e o “aqui social” na proposta de um mundo que seja “Fratelli tutti”, vivendo a Amizade Social, a política como expressão da caridade (FT...), globalizando a solidariedade, a justiça e a paz.
Francisco permanece na proposta de uma “igreja em saída” para o encontro, o diálogo e a cooperação com a sociedade, as diferentes igrejas e as religiões; no esforço por reformas necessárias para que a igreja seja sempre mais fiel à sua missão, tal como propôs o Vaticano II (UR 6), revigorado na Evangelii gaudium; na busca de conversão pastoral em uma igreja “decididamente missionária”; na luta pela superação do clericalismo, reconhecendo o sensus fidei de todo o povo de Deus pela ação universal do Espírito (LG 12), que promove o laicato na participação e condução de processos eclesiais; no caminho sinodal que configura a igreja de comunhão, participação e missão.
São lugares teológicos, eclesiais, espirituais e pastorais marcados pelo magistério do papa Francisco, que não poderá ser esquecido. A “igreja em saída” é a concretização do ensino do Vaticano II sobre reformas e aggiornamento; é não autorreferencialidade: “ou refere-se a Jesus Cristo ou refere-se às pessoas a quem deve levar o anúncio dele”[1]. É a igreja de portas abertas, que na gratuidade da proposta do Evangelho dá liberdade para entrar e para sair; é o campo onde Deus semeia, um “canteiro de obras” onde Deus constrói[2].
Francisco “vai estar” nas características que ele deu à igreja: maternidade, proximidade, misericordiosa, dialogal, inclusiva, missionária, sensível às pessoas pobres. São como que notis ecclesiae franciscanas, que ajudam a igreja a vencer as tentações da ideologização da mensagem evangélica, da ideologização psicológica, a proposta gnóstica, a proposta pelagiana, o funcionalismo, o clericalismo[3]. É a marca do estilo simples, do papa Francisco, vivendo na humildade que “está no DNA de Deus”[4]. O espírito de Francisco nada lembra o fausto, o luxo, a ostentação. Viveu por 12 anos num simples quarto residencial de hospedagem. Para muitos purpurados era constrangedor estar diante do papa utilizando cruz e anel dourados, batinas e túnicas de tecidos finos – ou caríssimos celulares, computadores e outros meios alheios às motivações pastorais.
Espera-se que a partir de Francisco a igreja não mais vista a roupagem da eclesiologia triunfalista, arrogante, exclusivista, sustentada na plenitudo potestatis, mais magistra do que mater, mais caput do que communio. Não mais a igreja da supercomplexidade dogmática, do casuísmo moralista, do legalismo disciplinar de outrora. Essa igreja “De servidora’ se transforma em ‘controladora’”[5], mais ensina do que aprende, mais fala do que ouve, não dialoga e não convive com as diferenças. Não a igreja auto-referenciada, burocrática, que se entende “mais como organização” do que como “Povo de Deus na sua totalidade”[6]. Esta igreja transforma-se em uma ONG[7].
Com o Papa Francisco “vai estar sempre aqui”? O “sempre” tem a duração da caminhada eclesial neste mundo, tendo o estilo de Francisco como modelo paradigmático das relações ad intra e ad extra, com autoridade despretenciosa, pois o verdadeiro líder da igreja sabe que “é nisso que se exerce e mostra a autoridade: na capacidade de serviço”[8]. O resultado da sua ação pastoral depende da “criatividade do amor”, não é “expansão de um aparato governamental ou de uma empresa”. Afinal, o centro da fé eclesial está no Evangelho e no testemunho do discipulado de Cristo.
Francisco “vai estar” na continuidade do seu magistério que permite à mulher encontrar seu lugar e seu papel nas estruturas da igreja e da sociedade; “vai estar” no esforço de superação do clericalismo e a valorização do sensus fidei do conjunto do Povo de Deus; “vai estar” nas lutas por inclusão das minorias e no reconhecimento da dignidade das pessoas pobres; “vai estar” na cultura do encontro e do diálogo como caminho para uma humanidade nova; “vai estar” no cuidado do meio ambiente, na proteção dos ecossistemas e da biodiversidade, assumindo o Pacto Educativo Global que propõe novas relações do ser humano com a criação, no espírito da fraternidade criatural.
Conseguirá o novo papa manter essa roupagem na igreja? Francisco deixou claro que para uma igreja inserida nos tempos e contextos atuais, capacitada a responder as suas interpelações para o Evangelho, não bastam remendos ou mudanças superficiais. O “Papa ousadia” foi profético nas reformas estruturais “amplas e profundas” (...), que embasam o modus essendi et operandi ecclesiae. Uma igreja excêntrica, descentralizada, profeticamente aberta para o mundo. Temos consciência dos muitos obstáculos e resistências sofridas. Sobretudo da parte de quem não compreende “o caminho que Deus quer para ‘hoje’”, e fecha-se em posições “restauracionistas” de linguagens, ritos e instituições anacrônicas. A eles, F rancisco vai alertar sempre: isso “não é do bom espírito. Deus é real e se manifesta no ‘hoje’”[9]. E “A ‘mudança de estruturas’ (de caducas a novas) [...] é consequência da dinâmica da missão. O que derruba as estruturas caducas ... é justamente a missionariedade”[10]. A muitas lideranças eclesiásticas, Francisco vai continuar acusando: “existem pastorais ‘distantes’, pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as condutas, os procedimentos organizacionais… obviamente sem proximidade, sem ternura, nem carinho. Ignora-se a ‘revolução da ternura’, que provocou a encarnação do Verbo”[11]. A outras tantas, Francisco será sempre um questionamento: “somos ainda capazes de aquecer o coração?”[12]. E ensina que “Evangelizar significa testemunhar pessoalmente o amor de Deus, significa superar os nossos egoísmos, significa servir, inclinando-nos para lavar os pés dos nossos irmãos, tal como fez Jesus”[13]. À igreja toda, Francisco exorta a manter-se atenta aos sinais dos tempos, perguntando continuamente: “Para onde Jesus nos manda? Não há fronteiras, não há limites” é preciso “levar Cristo para todos os ambientes, até as periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente”[14].
O magistério de Francisco vai continuar exortando a igreja que não é auto-referenciada para ter referências claras. Primeiro, Cristo e seu Evangelho, a razão e o caminho da igreja. Segundo, os pés no chão, no contexto sócio-cultural em que vivem os fiéis. Terceiro, o Vaticano II, recebido no processo de conversão pastoral, na caminhada sinodal, primeireando na diaconia aos pobres, vivendo a cultura do encontro e do diálogo. Sim, Francisco vai estar sempre aqui!
[1] Encontro com os dirigentes do CELAM, JMJ, 28 julho, 2013.
[2] Encontro com CELAM
[3] Encontro com os dirigentes do CELAM, JMJ, 28 julho, 2013.
[4] Encontro com o episcopado brasileiro, JMJ, 27 julho, 2013.
[5] Encontro com os dirigentes do CELAM, JMJ, 28 julho, 2013.
[6] Encontro com os dirigentes do CELAM, JMJ, 28 julho, 2013.
[7] Encontro com os dirigentes do CELAM, JMJ, 28 julho, 2013.
[8] Encontro com os dirigentes do CELAM, JMJ, 28 julho, 2013.
[9] Encontro com os dirigentes do CELAM, JMJ, 28 julho, 2013.
[10] Encontro com os dirigentes do CELAM, JMJ, 28 julho, 2013.
[11] Encontro com os dirigentes do CELAM, JMJ, 28 julho, 2013.
[12] Encontro com o episcopado brasileiro, JMJ, 27 julho, 2013.
[13] Homilia na missa do envio, Copacabana, JMJ, 28 julho, 2013.
[14] Homilia na missa de envio, Copacabana, JMJ, 28 julho, 2013.