20 Dezembro 2024
O fato de as mulheres serem readmitidas ao governo político e econômico seria verdadeiramente providencial não só para o futuro da Igreja, mas também para dar exemplo e estímulo a todas as mulheres que, em tantos países do mundo, já estão no poder e que estão tristemente, cada vez mais, se curvando a um modo de governar baseada na dominação e na arrogância. É precioso o ministério do “amor político” e da amizade social das mulheres em todas as sociedades onde a Igreja está presente.
Publicamos aqui a conferência “Reflexões (pós-sinodais) sobre a presença com autoridade das mulheres na vida e na liderança da Igreja”, proferida pela biblista italiana Rosanna Virgili, professora de Exegese no Instituto Teológico de Marche (Pontifícia Universidade Lateranense).
A conferência, realizada em novembro passado, fez parte do Ciclo de Estudos “O (não) lugar das mulheres: o desafio de desmasculinizar a Igreja” promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando o Papa Francisco afirma que Maria é mais importante do que os apóstolos, a que ele se refere? Ao fato de Maria ser Mãe da Igreja, de que nela se encarna o Corpo da Esposa do Senhor. E, se a Igreja é a assembleia do povo de Deus, a metáfora sacramental é a de um abraço no qual Cristo se entrega a ela, para apresentá-la diante d’Ele “toda bela e sem ruga” (Ef 5,27).
Uma vez tendo entregue a si mesmo, o Senhor se torna um com ela, indissolúvel pela eternidade; metáfora batismal segundo a qual a Igreja é um povo de reis, profetas e sacerdotes. Um “sacerdócio” que não separa, mas une, que não se impõe, mas se interpõe, torna-se vínculo, dívida e primícia de esperança para o mundo. A Igreja se torna o lugar da Presença e da Palavra de Deus na casa, fora do Templo. Um âmbito laico, em que a figura da mulher é central (cf. Lc 1,26ss). A Encarnação enxerta o divino no humano, razão pela qual o feminino vem antes de tudo, como matrix de uma humanidade nova, universal, desejada por Deus como uma nova Criação.
Testemunhas e vozes do Anúncio da Paz da Páscoa, as mulheres são a imagem concreta, real da Igreja; as primeiras igrejas surgem nas casas das mulheres, e as mulheres estão à frente delas (cf. At 12,12; 16,15 etc.). Perfeitas no seguimento – “elas o seguiram desde a Galileia” (Mc 15,40-41 passim) –, elas o foram no início e ainda o são, na Igreja e no mundo, como observa o Papa Francisco no documento Querida Amazonia (n. 99). A presença delas é forte e significativa, fonte de fé e de salvação, tanto junto ao povo de Deus quanto entre todas as camadas da sociedade, especialmente as mais necessitadas. Não fazendo parte da estrutura eclesiástica clerical, sua obra eclesial, no entanto, pode ser informal, embora sua auctoritas, como, aliás, a de que gozam todos os leigos, seja conferida pela Igreja institucional a todos os batizados e, antes ainda, reconhecida pelos frutos que seu serviço traz, segundo as palavras de Paulo: “Mesmo que eu não seja apóstolo para os outros, pelo menos para vocês eu sou; vocês são o selo do meu apostolado no Senhor” (1Cor 9,2).
“E o Verbo se fez carne e veio habitar entre nós” (Jo 1,14), e é do Seu corpo ressuscitado que os fiéis devem dar testemunho, como está escrito: “Sereis minhas testemunhas (…) até aos extremos confins da terra” (Atos 1,8). Os destinatários desse mandato são os Onze, mas também as mulheres, junto com Maria. Será o Espírito enviado pelo Ressuscitado para “informar” sobre como cumprir o próprio mandato. Na Igreja, podemos encontrar “o modo como o Espírito Santo desinstitucionaliza aquilo que não serve mais e institucionaliza o futuro da Igreja” (Papa Francisco, The Tablet, 08-04-2020, entrevista a Austen Ivereigh).
A des-institucionalização já vem registrada no Evangelho de Lucas, no qual ela é realizada pelas mulheres, Isabel e Maria conjuntamente. A casa de Isabel, onde ocorre a Visitação, representa a abertura a uma fé laica, em que aquela parte do povo de Deus excluída do Templo se torna protagonista. O corpo de Maria se torna o novo e autêntico templo, o lugar, a casa de Deus que se faz carne. Tudo isso é obra do Espírito. Isso pode ser ilustrado com o “Eis-me aqui” de Maria, que o papa deseja ainda hoje para a Igreja: “Para permitir que o Espírito Santo suscite uma Igreja segundo o coração de Deus, dando-lhe os instrumentos úteis para torná-la cheia de frescor, alegre, sólida e fiel, na atualidade mutante da história, é necessário eliminar proibições e impedimentos à possibilidade de que os carismas, doados a todos pelo único Espírito, possam se expressar em ministérios” (Papa Francisco, ibidem).
O Espírito Santo, no entanto, não pede permissão à instituição religiosa – então expressada nas classes sacerdotais que presidiam o templo de Jerusalém –, mas, sobre as asas do anjo Gabriel, sai do Templo e vai pedir morada a uma jovem mulher. A qual responde com a coragem da fé que, por sua vez, faltava ao sacerdote Zacarias (cf. Lc 1,20). Maria encarna a extraordinariedade de um Poder divino que não passa pelos cargos institucionais nem pelos lugares dedicados ao Sagrado, mas irrompe, subvertendo tudo isso, gerando uma desconcertante maravilha.
Com Maria de Nazaré, outras mulheres serão inspiradas pelo Espírito: de Maria de Betânia a Maria de Magdala; a Maria, mãe de João Marcos; a Lídia; Priscila; à diácona Febe; e à ilustre apóstola Júnia, a qual Paulo disse que estava, junto com seu marido, “em Cristo já antes de mim” (Rm 16,7). Os carismas das mulheres surgem daquele Espírito que sopra sobre as primícias da Igreja, sobre a sua primavera. O ministério da mulher é, acima de tudo, o de “já estarem”. De estarem antes. Assim como o amor da prostituta na casa de Simão, o fariseu, vem antes do perdão que lhe foi dado por Jesus (cf. Lc 7,47). Assim, a Igreja, a Amada do Senhor, vem antes de sua jurisdição. O fato de que a multiplicidade de suas formas, incluindo os muitos carismas das mulheres, não é nomeada como ministérios diz respeito à instituição eclesiástica, e não à obra do Espírito Santo.
A Igreja se transforma e se desenvolve a partir de baixo, da vida concreta da comunidade, e não a partir do alto das instituições que, embora pretendendo sustentá-la e guiá-la, podem correr o risco de ignorar sua vitalidade, reduzindo-a a uma entidade abstrata, sem alma nem corpo. Portanto, quando as instituições se transformam em muros, devem ser demolidas para construir pontes.
Sobre a mudança de época que vivemos hoje, quem dá o retorno mais direto na Igreja Católica são, acima de tudo, as Irmãs das Congregações de vida ativa. Não só pelo número, mas especialmente pela qualidade espiritual de sua vocação. Nas milhares de casas espalhadas por todo o mundo, as mulheres consagradas mergulham na vida real das pessoas, tocam em suas mil feridas, aprendem sua língua e suas tradições, e tentam curar os efeitos devastadores das escolhas dos governos, das leis desumanas da economia e das finanças, de tudo o que contribui para as escravidões ou para a liberdade das populações. Embora careçam de um ministério ordenado que as tornaria funcionais à instituição eclesiástica, assim como de garantias ou de condições econômicas, as Irmãs são irmãs autênticas, livres, companheiras, aliadas à vida de todos, ao darem uma casa, uma mesa e uma família para quem não as tem, que é o mais importante que todo ser humano precisa e deseja.
Não é à toa que “casa” (òikos) é o primeiro nome da Igreja. Elas celebram a Eucaristia não em termos sacramentais, mas certamente na concretude da ágape fraterna e na koinonia em que a comunidade cristã das origens fazia, razão pela qual todas as pessoas que dela participavam tinham “um só coração e uma só alma, e ninguém considerava sua propriedade aquilo que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum”. Assim, “com grande força os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor” (At 4,32-33). E assim também acolhendo a confissão do pecado, que as pessoas entregam mais facilmente na proximidade de uma Irmã do que de um presbítero. E que deveria se concluir com uma saudação de paz e de confiança plena no perdão do Senhor, quando não é possível encontrar um ministro ordenado que possa dar a absolvição. E uma saudação de reconciliação com a Comunidade.
Como todos os sacramentos, a Eucaristia também é um sinal que traz consigo o significado de uma prática autenticamente cristã, daquela ágape cujo feminino é como uma gramática. E, se a Igreja estivesse privada de uma mesa preparada pelas mulheres – como ocorre na vida da maioria das famílias, sejam elas pobres ou ricas –, a memória litúrgica da ceia pascal de Jesus que é celebrada pelo ministro ordenado também perde sua carne viva e fecunda para se tornar um rito incompreensível, até um ato arcaico e violento para os profanos, cuja graça não encontra expressão na fraternidade, na comunhão, no amor recíproco, na reconciliação. Uma celebração eucarística desencarnada também leva os batizados à desafeição, razão pela qual vemos que um percentual mínimo vai à missa aos domingos. E as mulheres, não se sentindo partícipes da mesa/casa da Igreja, nem encontrando um “lugar” para frutificar os próprios carismas, foram se desinteressando gradualmente das funções religiosas, além das doutrinas católicas, e ocorreu aquela “fuga das quarentonas” (cf. Armando Matteo, 2012), que também foi a causa da fuga dos jovens dos seminários e da diminuição dos jovens nas igrejas.
Há outra dimensão agápica que as comunidades religiosas femininas vivem interiormente, ou seja, a multietnicidade, a multiculturalidade, o diálogo e a partilha de vida entre mulheres de todos os continentes, que vivem na mesma casa uma verdadeira experiência de Pentecostes. Trata-se de autênticos laboratórios de paz, pontas de lança exemplares para um mundo que gostaria – e deveria! – evoluir no sentido de uma fraternidade universal.
Na Evangelii Gaudium, o Papa Francisco recorda a responsabilidade do anúncio do Evangelho que compete a toda a Igreja, também aos leigos e às leigas. Afinal, o anúncio não é uma tese a ser proposta, mas sim um testemunho do próprio Evangelho, que consiste em amar uns aos outros. O anúncio consiste em transmitir “o que eu também recebi” (1Cor 15,3a); portanto, todos os leigos e, portanto, também as mulheres devem poder receber o Evangelho como memória da Palavra de Salvação. Isso, porém, ainda não lhes é garantido. É preciso lembrar que o catecismo destinado à recepção dos sacramentos da iniciação cristã não é, de modo algum, suficiente para transmitir a Palavra da fé apostólica e bíblica. E, embora com o Concílio Vaticano II também tenha sido possível o acesso dos leigos e das mulheres às Faculdades Teológicas Pontifícias – condicionado a uma carta de apresentação do bispo –, continua sendo muito difícil para as mulheres frequentá-las. Uma falta do “direito” de receber o depositum fidei que as mulheres pagam especialmente quando desejam se candidatar para desempenhar o ministério laical das catequistas sem uma preparação adequada.
Todos os leigos e as leigas, além disso, depois do anúncio (kerigma), são chamados também à pregação, que poderíamos definir biblicamente como atividade de ensino (didachè). Uma longa tradição, aliás, atribui às mulheres essa última tarefa; pensemos nas abadessas medievais. Assim como a “sabedoria” alimenta com pão e palavra os inexperientes (cf. Pr 9,1-6), e assim como Priscila foi mestra de Apolo (cf. At 18,26), assim também se deve reconhecer a todas as mulheres a dignidade e a responsabilidade que pertence a todo cristão batizado, que é a de transmitir a fé. Isso implica também o acesso das mulheres às faculdades teológicas e a possibilidade não só de atividades acadêmicas de ensino, mas também de direção e de administração. Às mulheres catequistas, professoras e teólogas deve ser reconhecida e deve ser dada institucionalmente a dignidade dos conteúdos do seu ensino e a autoridade colegial sobre eles, o que significaria atribuir-lhes o múnus da pregação, que também se materializa como munus docendi. O que também daria às mulheres a possibilidade de fazer a homilia, mesmo não gozando do ministério ordenado.
Na tradição, de fato, há um fim moral e parenético no fato de comentar as Escrituras, que pertence a cada batizado. O âmbito formativo envolve também o ensino da religião nas escolas públicas, que merece ser valorizado e qualificado muito mais do que hoje. Ao ministério dos cônjuges cristãos, além disso, deve ser devolvida a responsabilidade pela educação e pela formação na fé dos filhos, e não apenas dos seus (cf. AL 3). De fato, devido à clericalização da transmissão da fé, os leigos casados muitas vezes nem sequer sabem que detêm esse múnus, e poucos o exercem. A falta de conscientização dos ministérios ligados ao Sacramento do Matrimônio, celebrado pelos cônjuges, sendo o primeiro deles o testemunho da Aliança de amor entre Jesus Cristo e a Igreja, foi talvez a primeira causa de um desinteresse cada vez maior dos casais e das famílias pelo sacramento e pela vida cristã na Igreja.
A Igreja ainda hoje é vivida como uma estrutura fortemente clericalizada. Embora o Concílio Vaticano II tenha dado dignidade ao povo de Deus, a estrutura eclesiológica anterior – gregoriana e tridentina – não foi mudada em seus fundamentos. O clero tem como finalidade sustentar e constituir a instituição eclesiástica na qual o povo de Deus – de pessoas leigas e consagradas – permanece em grande parte espectador e, muitas vezes, mero executor da palavra e dos gestos impostos pelo clero. Como parte do povo de Deus, também as mulheres permanecem, portanto, excluídas não só dos papéis de pregação, de governo e de santificação, mas também daqueles que derivam da consciência de ser uma presença adulta e diretamente participante daquela Igreja que deve dar testemunho do Senhor Ressuscitado.
A distância que vai se criando entre uma Igreja institucional clerical e a Igreja como povo de Deus e como humanidade que busca e espera na Salvação que vem do Senhor muitas vezes corre o risco de desenhar uma geometria eclesial hierárquica e até cindida, como duas figuras separadas uma da outra. Aquilo que deveria ser um poliedro (Papa Francisco) parece um mundo dividido. Enquanto Cristo coloca a Igreja diante de si (cf. Ef 5,27), a Igreja institucional a esconde dentro de si, correndo o risco de sufocá-la. A figura e o destino da mulher na Igreja é o destino do povo de Deus, pois a mulher viveu e continua vivendo uma condição liminar, de exclusão institucional. Emerge daí um gravíssimo dano à Igreja de Cristo: o de se tornar uma devoção, um sepulcro que conserva o passado, um código ético abstrato ou, pior ainda, uma identidade feita de cânones e de títulos, e desprovida de humanidade. E, como os cânones são expressados apenas pelo clero, a Igreja elimina sua natureza relacional, seu corpo aliado e esponsal, mostrando um rosto feito de uma parte só, de um gênero só. Revelando, assim, um Rosto mutilado de Deus, não relacional, não trinitário, como era desde o princípio, quando Ele disse: “Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo a nossa semelhança”, razão pela qual “homem e mulher os criou” (Gn 1,26-27).
O fato de ser em dois ou mais é a dinâmica da vida de toda a Criação, onde: “Todas as coisas existem de duas em duas, uma diante da outra, Ele não fez nada de incompleto” (Eclo 42,24). E justamente a fim de defender a diferença dos papéis e dos carismas, é necessário que ela, que a outra, que as diversidades estejam presentes, estejam uma diante da outra, uma ao lado da outra, uma pela outra, em nome do Senhor, ao lado do Senhor, diante do Senhor. Onde apenas uma parte pretende existir e agir, cai-se na lógica do poder e se anula não só a transcendência da outra, mas também a do Outro, que é Deus. Em termos bíblicos, isso se chama idolatria: cada um constrói seu próprio ídolo, como ocorria no Templo erguido pelo rei Salomão que, porém, foi destruído (cf. Ez 8). Concretamente, a mulher deve estar presente no altar sem se confundir com o ministro ordenado, mas como atriz, também ela, da liturgia da Palavra, e para tornar visível que toda a assembleia do povo de Deus faz parte e preside a celebração eucarística. Não só “coroinhas”, mas também mulheres adultas deveriam permanecer ao lado do celebrante – mesmo que distintas destes – para que a Comunidade cristã não só se revele, mas também se mostre como uma ágape fraterna, um lugar de Amor, de relação e de comunhão entre homens e mulheres. Assim, seria possível evitar que muitas jovens mães se recusem a levar suas próprias filhas à missa para que não se sintam excluídas daquele Mistério.
A maternidade é, para a mulher, o sinal extremo de sua grandeza, do ponto de vista humano: “Com dores, darás à luz” (Gn 3,16a). Infelizmente, a interpretação dessas palavras como uma punição de Deus sobre o feminino levou, em época recente, a uma rejeição por parte das mulheres não só da religião católica, mas também da maternidade. Hoje, a mulher reivindica, como direito humano e civil, a liberdade de não ser mãe e de poder se realizar no trabalho ou na autonomia dos vínculos com os homens e com os filhos. O que contribuiu para essa recusa foi, em grande parte, o uso patriarcal – proprietário e funcional – de seu corpo e de sua vida, muitas vezes justificado e sustentado também pela Igreja, com um uso distorcido da Escritura, enquanto ser mãe, na verdade, significa ser uma aliada de Deus, levar a cumprimento o desejo, conservado em cada corpo mortal, de ultrapassar os limites de uma para florescer no frescor do outro, no corpo do filho. Uma criatividade que passa por aquela dor especial, da qual nasce a esperança.
A maternidade é uma experiência da carne, mas especialmente do coração e do espírito, que tem desejos que a carne não consegue realizar. Por isso, há mulheres que aspiram à maternidade espiritual, mesmo com o voto de castidade, que não deve ser entendido como uma renúncia à sexualidade e à maternidade em favor de um espiritualismo que gostaria de suprimir ambas. Os danos causados por uma forma de considerar tanto a maternidade física quanto a espiritual como uma expropriação do feminino são, hoje, devastadores para o diálogo com as mulheres não crentes, mas ainda mais para a saúde da vida atual da Igreja e, especialmente, do clero, que é masculino. A educação e a formação nos seminários, que, há muito tempo, mostram a urgência de uma mudança radical, deveriam prever como essencial a presença, junto com os pais/irmãos/professores, também de mães/irmãs/professoras.
Negar o feminino não significa apenas negar o corpo da mulher, mas também, e sobretudo, sua inteligência, sua sensibilidade, sua Sabedoria, que, na Escritura, é simbolicamente representada como uma Senhora. Ela é a arquiteta do mundo, a construtora da vida cósmica (cf. Pr 8,22-30), capaz de uma arte de governar que se exprime, em toda a Bíblia, como serviço de palavra e de conhecimento, exercício de justiça e de direito, a capacidade de gerir a economia pelo bem de todos (cf. Pr 31). Nisso, a diaconia expressa a máxima sabedoria e, em particular, a sabedoria cristã, na qual “quem quiser se tornar grande entre você será o servo de vocês, e quem quiser ser o primeiro entre vocês será o escravo de todos” (Mc 10,43b-44). A diaconia é uma forma “invertida” de governar, que se opõe à do domínio e é tipicamente feminina.
É isso que assumem os Evangelhos ao descreverem as mulheres como diáconas (cf. Mc 1,31; Lc 8,3; 10,40) e é isso que Jesus assume, Ele que, na Última Ceia, se define como o diácono e convida os seus a se tornarem o mesmo (cf. Lc 22,26). Para evitar celebrar a Páscoa e, em seguida, administrar também o sacramento da Eucaristia como um ato de poder, Jesus pede aos seus que sejam diáconos como Ele. Essa forma de governo, que a Mulher Sabedoria sugere, é alternativa à “do mundo”, tipicamente masculina, que, em vez disso, se baseia no poder. Um governo de poder concentra em uma elite, em uma liderança ou em um só a faculdade de tomar decisões para a sujeição de todo o povo (cf. Ez 34), enquanto a diaconia é um governo assemblear, sinodal. Portanto, o fato de as mulheres serem readmitidas ao governo político e econômico seria verdadeiramente providencial não só para o futuro da Igreja, mas também para dar exemplo e estímulo a todas as mulheres que, em tantos países do mundo, já estão no poder e que estão tristemente, cada vez mais, se curvando a um modo de governar baseada na dominação e na arrogância. É precioso o ministério do “amor político” e da amizade social das mulheres em todas as sociedades onde a Igreja está presente.
Com o batismo, toda mulher não é apenas sacerdote e rei, mas também profeta. No livro dos Atos dos Apóstolos, a profecia nasce da diaconia: o diácono Filipe, de fato, tinha quatro filhas “que tinham o dom da profecia” (cf. At 21,9). A profecia é, segundo o apóstolo Paulo, o maior dos carismas a que todos são convidados a aspirar (cf. 1Cor 14,1). A mulher é, hoje, profecia na Igreja pela sua intuitividade, pela sua imaginação, pela sua criatividade, pela sua capacidade de discernimento, pela sua coragem, pelo seu pudor, assim como pela sua capacidade de transgredir, “virtude” particularmente praticada por Jesus no que diz respeito à Lei de Moisés e aos costumes religiosos judaicos, em sua vida pública. Mas, especialmente, pela audácia de sua fé, segundo a qual “nada é impossível para Deus” (Lc 1,37), e, portanto, está pronta para enfrentar tudo e acredita que tudo pode ser realizado na fé. A começar por aquele “impossível” que parece realmente absoluto: a paz. Milhões de mulheres cristãs se fazem cruzes de paz, mártires da alegria da reconciliação, das feridas enfaixadas, testemunhas da crueldade humana e do poder da piedade e da misericórdia.
A profecia cristã tem uma natureza carismática, nasce do dom do Espírito, e se realiza, acima de tudo, como capacidade de falar novas línguas para escutar e se comunicar com todos os outros. Chama-se a língua nativa de “língua materna”, e a profecia da mulher é aquela que torna cada língua não mais um muro, um vocabulário exclusivo e identitário, mas sim um berço onde todos podem re-nascer e crescer se comunicando, falando com os outros, compreendendo-se, amando-se, conectando-se, perdoando-se, como amigos, como filhos e irmãos e irmãs. Profecia é utilizar e criar linguagens novas capazes de interpretar e de cuidar dos sentimentos do nosso tempo, da alma das crianças e dos jovens, do grito sufocado dos oprimidos. São típicas das mulheres as palavras de inclusão, de gentileza, de escuta, de ternura, de esperança. Mas também de concretude, de realidade, de simplicidade. A linguagem delas não é “abstrusa” ou “obscura” (cf. Ez 3,6), como tantas linguagens dogmáticas, doutrinais, teológicas e também litúrgicas que são hoje indecifráveis e mudas para a maioria do povo de Deus. A mulher é, para a Igreja atual, aquele “retalho de roupa nova” que não pode, porém, ser aplicado sobre uma “roupa velha” (cf. Lc 5,36), mas, como as visões e as imaginações proféticas, poderá tecer a Igreja no hábito de Sua nova Criatura.
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Reflexões (pós-sinodais) sobre a presença com autoridade das mulheres na vida e na liderança da Igreja. Artigo de Rosanna Virgili - Instituto Humanitas Unisinos - IHU