19 Agosto 2023
O artigo é de Consuelo Vélez, teóloga colombiana, publicado por Religión Digital, 13-08-2023.
As festas marianas têm tradicionalmente reunido muitos fiéis porque Maria é reconhecida como uma mãe próxima e atenta às necessidades dos seus filhos e filhas. Mas nossas sociedades mudaram e embora alguns grupos continuem a cultivar aquele amor mariano, hoje a figura de Maria precisa ser relida para que seja significativa para a juventude de hoje, que não consegue entender uma virgem e mãe, mais colocada nos altares com coroas e vestir-se, recarregada, do que uma mulher do dia-a-dia com suas lutas, dores, conquistas e conquistas. (Deve-se notar que alguns dos novos grupos marianos estão muito longe do espírito do Vaticano II, que, embora aparentemente favoreçam a devoção mariana, na realidade a desfiguram).
É por isso que a festa que celebramos no dia 15 de agosto - a Assunção de Maria - merece uma reflexão para torná-la mais compreensível. Esta festa é celebrada desde 1950, quando o Papa Pio XII proclamou o dogma da Assunção. Ou seja, o povo de Deus reconhece que Maria já goza da vida definitiva. Esse é o significado de ter sido levada “em corpo e alma”, ou melhor, “com toda a sua pessoa”, ao céu.
O que esta celebração pode dizer sobre o nosso presente? É preciso rever toda a trajetória de Maria para compreender o fim de sua vida. Não há muitos textos bíblicos que se refiram a ela. Além disso, a Bíblia não oferece dados históricos, mas sim interpretações teológicas da história vivida. Diz-se de Maria que ela aceitou ser mãe de Jesus - não sem perguntar - como será isso? (Lc 1, 34). Ou seja, assumiu conscientemente sua participação no plano divino de salvação. Além disso, Lucas coloca em seus lábios a canção do Magnificat, condensando em poucos versículos a ação de Deus sobre o seu povo: "A sua misericórdia estende-se de geração em geração, exaltando os humildes e abatendo os poderosos, como tinha prometido a Abraão e à sua descendência" (Lc 1, 46-55). Maria canta com alegria não porque é uma pessoa extraordinária, mas porque anuncia a todo o povo de Israel a salvação que vem com Jesus.
Por seu lado, João conta-nos as bodas de Caná, onde Maria pede ao seu Filho que aja em favor dos esposos (2, 1-12) e no-la apresenta, valente e firme, ao pé da cruz na última momento da vida de Jesus (Jo 19, 25-27). Ou seja, a Maria do Evangelho de João é uma mulher ativa, líder, determinada, forte.
Assunção, a glória divina do feminino. (Foto: Reprodução | José Moreno Losada)
Os três evangelistas contam-nos outra passagem que à primeira vista parece estranha. Dizem a Jesus que "sua mãe e seus irmãos o procuram" e sua resposta é que sua família é toda "aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a guardam" (Mt 12, 46-50; Mc 3, 31-35 ; Lc 8, 19-21) Este texto bíblico é muito esclarecedor para compreender o modo como Maria se defronta com a missão do seu Filho. Ela soube ser discípula, animando a comunidade formada por quem acolhe a mensagem do Reino e constitui aquela família alargada que não é unida pela carne nem pelo sangue, mas pela fidelidade ao desígnio de Deus para a humanidade.
Poderíamos nos aprofundar nos poucos dados que os Evangelhos nos oferecem sobre Maria, mas o que foi dito aqui é suficiente para entender o significado desse dogma mariano. Quem soube viver no dia-a-dia o seguimento de Jesus não pode deixar de já ter alcançado a plenitude de vida a que todos somos chamados. Ela soube identificar-se com a mensagem do Reino e pela sua fidelidade, coerência e força já deveria ser a depositária daquilo que todos esperamos alcançar quando chegar a plenitude dos tempos.
Em outras palavras, o dogma da Assunção de Maria nos convida a não olhar para o céu, mas para a terra, não para a vida plena alcançada por Maria, mas para a vida real que tornou possível uma realização tão definitiva. Maria nos encoraja a seguir Jesus como discípulos, porque ela é um modelo de discipulado, não só para as mulheres - como tantas vezes é invocado - mas para todo o povo de Deus. A sua grandeza está na fé ao longo da vida, mesmo no momento mais difícil da sua existência: a crucificação do seu Filho. Ali toda a obra de Jesus mostrou o seu fracasso, mas ela soube permanecer de pé, sustentando a Igreja nascente. Assim também o apresenta o Livro dos Atos, quando diz que "todos perseveravam na oração, com o mesmo espírito, na companhia de algumas mulheres, Maria, mãe de Jesus, e seus irmãos" (1, 14).
Os dogmas marianos pregados como doutrinas a serem acreditadas quase sem entendimento significam pouco para as pessoas hoje. Mas explicados a partir da vida cotidiana de Maria, eles podem ajudar a ver sua figura não tanto por méritos extraordinários -que nenhum outro mortal teria-, mas por sua colaboração consciente e responsável com o desígnio divino de salvação: "Faça-se a mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38), à qual todos somos chamados.
A Assunção de Maria fala-nos do céu que lhe foi antecipado pela sua vida - de amor, serviço, força, fidelidade - vivida na sua história concreta. Maria não é uma semideusa ou outra pessoa além de nós. Ela é uma pessoa humana, uma criatura como todas as outras, capaz de amar em todas as circunstâncias. Claro, seu papel único como Mãe de Jesus não é insignificante. E os dogmas marianos são antes de tudo cristológicos do que mariológicos, ou seja, baseados em Cristo, para afirmar sua divindade. Mas, num segundo momento, confrontam-nos com a nossa própria realidade, mostrando-nos a possibilidade de viver como Maria a partir da sua própria humanidade. Em outras palavras, a Assunção nos convida a não parar porque, como ela e com ela, podemos alcançar o céu!
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Maria: uma vida plena antecipada pelo céu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU