24 Setembro 2024
Ao contornar as discussões sobre a inclusão das mulheres no governo da Igreja, as autoridades católicas correm o risco de alimentar o movimento de afastamento da instituição, especialmente entre as mulheres jovens, teme a teóloga Marie-Jo Thiel.
Marie-Jo Thiel é professora emérita da Faculdade de Teologia Católica da Universidade de Estrasburgo. Suas publicações incluem “Plus forts car vulnérables! Ce que nous apprennent les abus dans l'Eglise” (Salvator, 2023) e, neste ano, publicará ‘La grâce et la pesanteur’ (Desclée De Brouwer, 2024), no qual questiona o celibato dos padres.
O artigo é publicado por Le Monde, 16-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em maio, durante uma entrevista de televisão com o canal estadunidense CBS, o Papa Francisco declarou um categórico não à perspectiva de ordenação diaconal para mulheres. Sua declaração foi uma grande surpresa. Não contradiz suas repetidas declarações sobre a importância de incluir mais mulheres no governo da Igreja? Além disso, o canal escolhido não teria sido inadequado? Uma entrevista banal, enquanto toda a Igreja está envolvida em um processo sinodal, justamente para refletir sobre a questão de forma dialógica.
Um sínodo implica uma comunicação de baixo para cima e vice-versa, de modo que o povo de Deus como um todo possa avançar em conformidade com o Evangelho. Uma espécie de “miniconcílio”, em resumo. E, pela primeira vez, ambas as assembleias sinodais (a última, em outubro de 2023, e a próxima, em outubro de 2024) contarão com a participação de leigos: claro que são uma minoria, mas se trata de uma evolução nada insignificante.
Por que, então, eliminar da discussão sinodal uma das demandas mais constantes de muitos católicos em todas as partes do mundo? As assembleias são pensadas para que ali se possa ouvir e discernir a fim de chegar a uma decisão o mais consensual possível. São momentos oportunos para levar em consideração o imenso desconforto das mulheres na Igreja, seu sentimento de discriminação e sua dificuldade em entender as razões pelas quais são relegadas para longe dos órgãos decisórios do magistério. Em outubro de 2023, a primeira sessão do Sínodo contava com 54 mulheres entre os 365 membros. Em outubro de 2024, o mesmo número retornará, ou seja, uma mulher para cada sete homens. Se houvesse paridade - porque as mulheres interpretam as Escrituras e a tradição tão bem quanto os homens - o resultado do debate seria o mesmo? Não é exatamente esse o medo de muitos clérigos nas altas esferas da Igreja? A igualdade batismal, que vem em primeiro lugar, não deveria levar à regra “uma pessoa/um voto”? Hoje, ninguém pode questionar o fato de que todos e todas são criadas à imagem de Deus e que o próprio Espírito opera em todos os batizados, homens e mulheres. Mas esse modelo, quer você o chame de democracia, igualdade ou qualquer outra coisa, é profundamente subversivo para um regime monárquico que baseia seu poder no patriarcado e na hierarquia como a absolutização do sagrado (hiereus em grego) e, portanto, do padre.
O magistério deveria aprender com o passado. A única vez na história da Igreja em que um sínodo ou concílio foi esvaziado de parte de seu conteúdo foi o Vaticano II. Também nele se tratava de um tema candente que, na instituição católica, ainda diz respeito principalmente às mulheres: o controle da natalidade. Os padres conciliares tinham começado a abordar a questão de forma aberta e criativa. E todos estavam convencidos, como estamos hoje sobre o papel e as funções (inclusive ministeriais) da mulher, de que a contracepção seria considerada de forma construtiva. Mas essa não era a opinião do movimento conservador.
Assim, em 23 de outubro de 1964, durante a terceira sessão do Vaticano II, Paulo VI retirou a questão do controle de natalidade dos debates conciliares e anunciou a criação de uma “comissão para os problemas da população, da família e da natalidade”. Os especialistas escolhidos para formar a comissão não eram modelos de abertura; no entanto, a maioria deles acabou sendo a favor de que a Igreja não condenasse mais a contracepção. No entanto, o documento que resultou de suas deliberações nunca foi publicado! Somente as indiscrições nos permitiram conhecer suas conclusões. Paulo VI deu continuidade com a encíclica Humanae vitae, que desqualificava todos os métodos de contracepção artificial, abrindo assim, em 1968, uma das mais sérias crises de autoridade na Igreja.
Nenhuma encíclica produziu tanto mal quanto a que substituiu uma assembleia conciliar reconhecida como guiada pelo Espírito. Por que, então, o magistério não aprende com a experiência? No que diz respeito ao diaconato feminino, três comissões foram criadas sem que suas conclusões tenham sido tornadas públicas. Por quê? O objetivo da criação de comissões, como na política, seria de encobrir os problemas? Para o atual sínodo, quase todos os feedbacks da base, em todos os continentes, mencionaram “a questão das mulheres”. Adiá-la até as calendas gregas é afirmar que as mulheres, seja qual for o discurso oficial, permanecem “praticamente” subordinadas e que sua liderança é percebida pela hierarquia como uma ameaça ao catolicismo.
Além do diaconato feminino, é preciso urgentemente repensar todos os ministérios e, em primeiro lugar, o ministério do padre (ou presbítero); renunciar ao clericalismo; retomar a reflexão de Paulo sobre os carismas (ele confiava em homens e mulheres igualmente como líderes comunitários) inventando lideranças que não sejam uma superioridade dos clérigos sobre os leigos; deixar o celibato do padre, que é puramente disciplinar, à escolha dos interessados. Todos esses aspectos estão fundamentalmente interconectados.
Assim, ao retirar total ou parcialmente a questão dos ministérios femininos dos debates sinodais, não se está privando a Igreja como um todo de uma reflexão abrangente sobre sua conformidade com o Evangelho?
O status quo não pode ser um refúgio contra a implosão. Um estudo realizado pelo Center for American Life Surveys de 2023 ilustra não apenas a explosão do abandono da instituição, mas também uma inversão das proporções: na geração baby boom, 57% dos que saíram eram homens e apenas 43% mulheres. Na Geração Z, esse padrão é invertido: 54% dos adultos que abandonam sua religião de iniciação são mulheres e 46% homens.
Esses números estão, sem dúvida, alinhados com os da França e aumentarão ainda mais se considerarmos que dois terços das mulheres jovens não acreditam que as igrejas tratam homens e mulheres da mesma forma. Isso não deveria preocupar as autoridades religiosas?
A igualdade de tratamento entre homens e mulheres não levará ao fim definitivo do clericalismo, nem aumentará o número de vocações sacerdotais e religiosas. Mas seria um passo significativo e simbólico em direção a uma Igreja mais inclusiva e participativa que implementa a sinodalidade. Uma “Igreja do Povo de Deus” que lembra do que é importante lembrar.
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Sínodo católico: “Adiar a questão do diaconato feminino até as calendas gregas não é o mesmo que afirmar que as mulheres deveriam continuar subalternas?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU