13 Setembro 2024
"O debate atual exige uma inversão da argumentação (sobre a ordenação de mulheres), ou seja, não se trata apenas de dizer: “Não há objeções no Novo Testamento à abertura do ministério sacramental para as mulheres”, mas sim positivamente: “O Novo Testamento, especialmente a mensagem de Jesus e sua atuação, fala decisivamente a favor da abertura do ministério para as mulheres”, afirma o teólogo alemão Michael Theobald.
Segundo ele, "a rápida exclusão das mulheres das funções de liderança foi, como se sabe, consequência da socialização das comunidades nas estruturas patriarcais contemporâneas. Já em 1977, Karl Rahner afirmou que os opositores da ordenação feminina deveriam carregar o ônus da prova para suas afirmações, e não seus defensores".
O neotestamentário Michael Theobald enfatiza que um clero sacralizado e elevado contraria a visão de Jesus. Theobald defende a realização de um concílio para encontrar soluções para a Igreja mundial.
A entrevista é de Jacqueline Straub, publicada por Kath.ch, 08-09-2024.
Michael Theobald, teólogo acadêmico alemão, professor de Novo Testamento na Faculdade Teológica Católica da Universidade de Tübingen. A pesquisa de Theobald se concentra no Novo Testamento, particularmente nas Narrativas da Paixão, no Evangelho de João e na literatura epistolar do Novo Testamento.
Ele é autor, entre outros livros, de Das Evangelium nach Johannes, Kapitel 1-12. Regensburger Neues Testament. Regensburg, 2009.
Por que você escreveu o livro “Servir em vez de governar: fundamentos neotestamentários dos ministérios na Igreja”?
Como estudioso do Novo Testamento, não quero e não posso permanecer em uma torre de marfim acadêmica. Frequentemente solicitado para oferecer uma perspectiva bíblico-teológica, meu desejo era fazer com que o livro encorajasse numa situação em que a Igreja local e global enfrenta desafios imensos. Onde senão no Novo Testamento encontramos orientação quando o iminente colapso da instituição aqui nos forçar a reinventar a Igreja no espírito de Jesus?
Se o processo sinodal for pensado e implementado de maneira consistente em nível mundial, quais serão as consequências?
Conforme foi relatado na primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, certos círculos em Roma têm medo da teologia. Eles preferem tratar a sinodalidade de uma maneira mais formal, focada no comportamento adequado entre as pessoas. No entanto, não se pode falar sobre uma arquitetura sinodal da Igreja sem considerar as implicações legais, especialmente sem incluir todas as competências pastorais e teológicas, como foi feito no Vaticano II. Pensar o processo sinodal de maneira "consistente" significa, portanto, incluir a teologia no plenário do sínodo e não, como tem sido feito, relegar os temas mais polêmicos para comissões: o que afeta a todos deve ser discutido por todos.
O que você sugere?
O formato da Sinodalidade Romana é, de fato, muito restrito. Esperar, após uma segunda sessão, pelas decisões do Papa como se fosse o oráculo de Delfos vai contra o espírito sinodal. O que é necessário é um concílio, uma assembleia da Igreja Latina presidida pelo Bispo de Roma.
Como a Igreja, ou seja, a Ekklesia, é descrita no Novo Testamento?
No Novo Testamento, a palavra para Igreja é "ekklēsía", um termo profano que, etimologicamente (kaléō = chamar), designava a assembleia de uma polis como sua representação legalmente convocada. Assim, a Igreja existe ao "se reunir" conforme o chamado de Deus (1 Coríntios 11,18): para a Eucaristia, para oração e louvor a Deus, mas também para ordenar os assuntos comuns. A palavra alemã "Kirche" (do alto-alemão "kiricha") vem de "kyriakē ekklēsía", que significa: a assembleia pertencente ao Senhor. Assim, a Igreja está onde pessoas formam comunidade no espírito de Jesus. Já aqui e agora, ela experimenta o que é "nova criação", como está escrito em 2 Coríntios 5,17. Portanto, a Igreja acontece primeiramente no local, na época em Jerusalém, Corinto ou Éfeso. O Evangelho e a prática do amor mútuo uniam as igrejas locais.
Jesus não quis fundar uma igreja. Em que medida as tentativas posteriores de realização são compatíveis e congruentes com a visão de Jesus?
Jesus não queria uma comunidade santa separada, mas reunir Israel sob o sinal do Deus próximo, cujo reino ele proclamava em palavra e ação. Ele se preocupava com os membros mais fracos do povo, os pobres e desamparados, os doentes e marginalizados, mas também com os não piedosos. Após a Páscoa, seus discípulos começaram a entender: se Deus reabilitou o crucificado e o elevou a "Senhor de todos" (Rm 10,12), sua mensagem não se restringe apenas a Israel, mas se dirige a todos os povos. Assim, de um movimento de reforma intrajudaico, surgiu uma igreja com um compromisso universal.
A Igreja Católica permanece fiel a essa visão?
A Igreja permanece fiel a essa visão quando não se vê como uma comunidade santa separada, mas como uma testemunha da misericórdia de Deus, como encarnada por Jesus, diante de todo o mundo. Não se trata primeiro da Igreja, da preservação de sua instituição, mas de que ela testemunhe desinteressadamente o Deus de Jesus, que está determinado a salvar todos os seres humanos. Questões secundárias e terciárias devem ser subordinadas a isso. Nós todos nos concentramos demais em nós mesmos como Igreja. Isso também afeta seus ministérios e serviços.
O ministério ordenado é constitutivo para a unidade da Igreja?
Primeiramente, sobre o termo “ministério ordenado”: a unidade da Igreja só será servida pelo ministério se ele estiver livre de um pensamento de classe sacralizante. Sofremos com uma confusão crônica entre "sacralidade" e "santidade" – que são claramente diferenciadas no francês: sacré e saint, no latim: sacer e sanctus, e de forma parecida no grego. Segundo o Novo Testamento, todos os batizados são “santos”, e isso, no sentido de Jesus, significa uma “santidade” que irradia e transforma – como Paulo se refere aos casamentos mistos cristãos-pagãos. Um clero sacralizado e elevado contradiz a visão de Jesus.
Qual é a função do ministério na Igreja?
A principal função do ministério é a preservação da unidade das comunidades, das igrejas locais e da Igreja universal. Mas o ministério não garante a unidade, que já está estabelecida em Cristo; em vez disso, ele a testemunha, principalmente na Eucaristia, na assembleia de pessoas diversificadas à mesa do Senhor. O fundamental é que a unidade não é o menor denominador comum, mas “unidade através da diversidade” (Oscar Cullmann), um suportar-se mutuamente em amor.
O processo sinodal mostra que mudanças e reformas não podem ser implementadas simultaneamente em todos os países. O Novo Testamento oferece exemplos de “unidade através da diversidade”?
Quando o Vaticano II fala da "hierarquia das verdades", isso deve ser levado a sério: o que está em primeiro lugar e o que é secundário? No chamado Concílio dos Apóstolos em Jerusalém, todos estavam unidos quanto ao Evangelho, mas concluíram que a missão entre os povos e em Israel deve seguir caminhos próprios, de acordo com as condições variadas das pessoas. Assim, declararam a circuncisão masculina como secundária, sem desvalorizá-la para os cristãos vindos do judaísmo. As estruturas ministeriais na Igreja primitiva também não eram uniformes: havia lideranças carismáticas, colegiadas e, em breve, monárquicas episcopais. Para dar um exemplo importante para hoje: nem em todas as partes da Igreja universal o ministério diaconal foi instituído. Por que não abrir esse ministério para mulheres nos locais onde ele já existe?
Você escreve em seu livro que cada Igreja local tem uma dignidade eclesiológica própria. O que isso significa concretamente na prática da vida eclesial?
As igrejas locais têm sua própria história, sua própria tradição e também sua própria “piedade popular”. Existe uma necessidade global de deslatinização da Igreja. Além disso, Roma reservou para si demasiados direitos sobre as igrejas locais após o Vaticano II.
Você pode dar exemplos?
O Gotteslob é o primeiro hinário alemão que teve que ser aprovado em Roma. A tradução Einheitsübersetzung foi inicialmente responsabilidade apenas dos bispos de língua alemã após seu período de teste em 1978, e a versão revisada precisou ser enviada a Roma em 2016. Seria de se esperar que Roma confiasse plenamente na competência pastoral e teológica das igrejas locais ao preencher cadeiras episcopais ou nomear professores e professoras. O reconhecimento da dignidade das igrejas locais pelo Vaticano II ainda não se refletiu completamente no nível jurídico.
O que diz Efésios 4 sobre os ministérios na Igreja?
De acordo com este capítulo, os ministérios mencionados no versículo 11 ("apóstolos, profetas, evangelistas, ou seja, missionários, pastores e mestres") são dádivas do Cristo ressuscitado, uma afirmação de grande importância, inclusive ecumênica. Eles têm uma "origem divina e não humana", como explicou o grande estudioso suíço do Novo Testamento, Ulrich Luz, que faleceu há alguns anos. Portanto, eles não se devem apenas ao interesse prático de que o serviço da pregação e da administração dos sacramentos deve ser ordenado, mas possuem um valor espiritual próprio; eles se fundamentam no chamado de Cristo. A segunda lição de Efésios 4 é que os ministérios não se baseiam em uma suposta instituição por Jesus com consequências jurídicas vinculativas, mas são pós-pascais. Os apóstolos e profetas estão à frente porque a Igreja é construída sobre seu fundamento (cf. Ef 2,20; 3,5), os missionários que difundem o Evangelho seguem em seguida. Por fim, são mencionados os "pastores e mestres" locais, que, no espírito do testemunho apostólico, conduzem as comunidades na Palavra e nos Sacramentos.
E como isso se relaciona com as declarações do magistério sobre os doze Apóstolos, que sempre foram homens – e por isso apenas homens podem se tornar padres?
Em Marcos 3,14, diz-se que Jesus “constituiu os Doze”. Um grupo de homens nomeados, que deveria simbolizar o povo das Doze Tribos, representado desde tempos antigos pelos patriarcas, em um ato simbólico. Assim como Jesus não pretendia estabelecer um ministério permanente para o futuro com esse sinal, isso também não implica uma reserva de futuros cargos eclesiásticos para o sexo masculino. A decisão papal de alta autoridade de que a Igreja não tem autoridade para ordenar mulheres não só é instável, mas também é comprovadamente errônea em termos argumentativos.
Portanto, o Novo Testamento defende o sacerdócio feminino?
O debate atual exige uma inversão da argumentação, ou seja, não se trata apenas de dizer: “Não há objeções no Novo Testamento à abertura do ministério sacramental para as mulheres”, mas sim positivamente: “O Novo Testamento, especialmente a mensagem de Jesus e sua atuação, fala decisivamente a favor da abertura do ministério para as mulheres”. A rápida exclusão das mulheres das funções de liderança foi, como se sabe, consequência da socialização das comunidades nas estruturas patriarcais contemporâneas. Já em 1977, Karl Rahner afirmou que os opositores da ordenação feminina deveriam carregar o ônus da prova para suas afirmações, e não seus defensores.
Com base no Novo Testamento: como será o sacerdote do futuro?
Ninguém pode saber exatamente como serão os sacerdotes do amanhã. O Novo Testamento pode oferecer impulsos, mas a definição de papéis está fora de seu escopo. A ação e o ministério sacerdotal no futuro provavelmente se distribuirão entre muitos atores, para que a vida comunitária local possa prosperar – e isso totalmente seguindo Jesus e no espírito dos Evangelhos.
O que você sugere para a situação atual aqui?
Para o período de transição em que vivemos, só posso recomendar: tratem com misericórdia aqueles que assumem responsabilidades nas comunidades. Não os coloquem em um pedestal sacralizado. Trabalhem em equipe, decidam, na medida do possível, juntos. E tentem inspirar outros com o Evangelho – não para governar, mas para servir.
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"Que a Igreja não pode ordenar mulheres é comprovadamente falso". Entrevista com Michael Theobald - Instituto Humanitas Unisinos - IHU