O grito de resistência contra o silêncio cínico dos opressores. Destaques da semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 07 Setembro 2024

Diferentes resistências emergem no mundo para fazer frente à opressão que assume as mais diferentes formas. Estamos olhando para elas na expectativa de vislumbrar saídas para o mundo doente, em especial olhamos para as mulheres, que têm sido gestoras do enfrentamento ao ódio. As queimadas e os biomas brasileiros estão mais uma vez na pauta, assim como as guerras e as violências do mundo. A viagem do papa Francisco à Ásia e a celebração do diálogo inter-religioso na Indonésia são também um farol do diálogo. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

O Grito

Assim como a série de pinturas “O Grito”, de Edvard Munch, há uma voz que nos conclama a ouvirmos o grito infinito que vem da natureza, dos migrantes, dos excluídos, da Terra, das guerras, da indiferença, das dores de um mundo doente. Um grito que esteve, mais uma vez, nas intenções de oração do papa Francisco. Esta, aliás, que tem sido a única voz dissonante nesses tempos sombrios que pairam sobre nós, uma figura que prestigia a paz. 

Grito de resistência

Mas, como esperançar diante à dureza das tragédias que nos assolam? A resposta pode estar na resistência feminina. Apesar das mulheres serem as mais afetadas e o elo mais fraco da corrente, são elas que estão à frente das lutas para salvaguardar a natureza, no trabalho pela paz, na ajuda humanitária, no cuidado. No Afeganistão, uma escola clandestina reacende às esperanças em meio à opressão das mulheres. Na Amazônia, Joelma é uma dessas mulheres.

Ainda sobre esse feminino que emerge e no dia Amazônia, “em meio à volúpia incontrolável e violenta do capitalismo extrativista, manipulador de uma política pautada pelo ruralismo neofascista, pelo fundamentalismo religioso e pelo armamentismo militaresco, um punhado de mulheres resolveu se colocar ao lado da Mãe Terra e de suas filhas violadas”, destacou Gabriel Vilardi.

Amazônia ofuscada e chamuscada

Este ano, o Dia da Amazônia foi ofuscado pela seca e queimadas na região. No pior agosto da história, o bioma vive uma (nova) temporada infernal, como pontuou Lúcio Flávio Pinto, ao reproduzir o mesmo texto que publicou em 2001. Parece que 2024 é um déjà vu. O pior é boa parte dessas queimadas começaram dentro de áreas na Amazônia financiadas por crédito rural. São ao menos 1.389 propriedades. Mas, quem são os causadores desse fogo? Fora os problemas climáticos, as queimadas afetam à saúde. Essa semana o Cacique Raoni deu um “puxão de orelha” nos bancos: parem de investir no desmatamento.

A seca que afeta o país também tem impactos severos na maior floresta tropical do mundo. Os rios estão secando e cidades estão ficando isoladas; Manaus pode ser a próxima. Biólogos estão correndo para monitorar os botos, símbolo da região. Estamos numa corrida contra o tempo para salvar a Amazônia

Brasil em chamas

Enfrentando sua pior seca da história recente, o país continua pegando fogo e a fumaça encobrindo o país. Só este ano, já foram registrados mais de 150 mil focos de incêndio. E aqui no Sul, a poluição tem deixado o pôr do sol cor de laranja. Mas, a beleza do fenômeno esconde outros problemas. É preciso redobrar os cuidados e mudar a rotina ao ar livre. Em São Paulo, o fogo atingiu mais de 8 mil fazendas. O Pantanal, que também passa por seca e queimadas, pode desparecer até o final do século, alertou a ministra Marina Silva. Lá, a biodiversidade está pagando com a vida: além das plantas, é impossível estimar quantos animais foram sacrificados pela ganância do agro. Nosso descaso com a proteção das florestas fez o Brasil perder quatro “portugais” de vegetação nativa nos últimos 20 anos.

Grito da Terra

“É necessária uma ‘virada copernicana’ axiológica, uma mudança radical de mentalidade globalmente, uma revisão substancial da relação entre a humanidade e a natureza”, enfatizou o Patriarca Ecumênico Bartolomeu I, na sua mensagem para a abertura do Tempo da Criação de 2024. A fala chega no momento em que a Terra da gritos como sinais do seu esgotamento: perto do Polo Norte, o território norueguês está se aquecendo cerca de seis vezes mais rápido do que a média global; ondas de calor mortais; seca extrema na África; escassez de água. Será que estamos ouvindo? Está na hora de uma travessia biocentrada

O veneno está na mesa

Em meio a 280 mil casos de mortes decorrentes de câncer associadas aos agrotóxicos, a CTNBio aprovou uma soja transgênica que leva uma combinação inédita de quatro produtos, inclusive químicos já banidos na Europa. No Mato Grosso, estado que leva o troféu no uso de veneno, mortes fetais e anomalias. O lobby na capital federal tem atuado sistematicamente para colocar mais veneno nas nossas mesas.

Gaza não existe mais

Gaza continua a ser símbolo de um massacre sem precedentes. Os recentes protestos e a greve geral em Israel podem ser sinal de paz? Os seis corpos dos reféns, os novos ataques à Cisjordânia e a Faixa de Gaza parecem colocar o cessar-fogo numa miragem. Enquanto permanece o impasse nas tensões do Oriente Médio, os Médicos Sem Fronteira lutam para vacinar 600 mil crianças contra a poliomielite. Uma utopia de um futuro de paz.

Sob o signo da violência

O mundo está anestesiado sob o signo da violência. A guerra entre Rússia e Ucrânia subiu mais alguns degraus nessa escalada, no momento em que Zelensky faz várias trocas no alto escalão do governo e tenta conter o avanço russo. Putin, por sua vez, propôs uma negociação intermediada por Brasil, China e Índia. No Brasil, a violência letal é policial, mas também subnotificada: 51 mil mortes violentas não estão nas estatísticas oficiais. Na Burkina Faso, os massacres dos jihadistas fizeram mais de 200 vítimas em menos de uma semana. No Sudão, os alvos são as mulheres. Na Europa, portas que se fecham aos migrantes.

Grito pelo diálogo

O papa chegou no continente asiático. Sua viagem marca um novo apelo ao diálogo inter-religioso e um sinal geopolítico à China, mas não só. O gesto de se encontrar primeiro com migrantes e refugiados é mais um aceno para deixarmos de lado a cultura da indiferença que nos cerca. Na sua visita à mesquita de Istiqlal assinou o documento Promovendo a harmonia religiosa em prol da humanidade, com Nasaruddin Umar, o Grande Imã. Mais um chamado para abandonamos a cultura da violência.

Pancasila

Os princípios da “Pancasila”, base filosófica da Indonésia, podem dar insights importantes para melhorarmos as relações humanas. Seus pilares são: crença num Deus único, humanidade social, unidade indonésia, democracia social e justiça social: “estes pilares não só orientam a governação da nação, mas também promovem uma identidade partilhada entre os indonésios, independentemente da sua origem religiosa ou étnica”, observou o padre Marcus Solo Kewuta, SVD.

Traição

Procura-se uma academia e uma teologia que sejam capazes dar respostas aos gritos que emergem nos mais variados contextos. Três teólogos, Severino Dianich, Marcello Neri e Andrea Grillo, discutiram a apatia que tomou conta dos pensadores que se colocam em silêncio diante às injustiças do mundo. 

Migrantes

Precisamos nos livrar dos preconceitos e enxergar com mais humanidade e compaixão os outros, aqueles que chegam em busca de uma nova oportunidade. “Viver de perto o esforço e a dor daqueles que pedem uma nova chance para o futuro, estender a mão para ajudar e assim compartilhar uma felicidade inesperada”, assim, Alessandro Messina e Donatella D'Anna, participaram da missão da ONG Mediterranea Saving Humans. Em busca de um futuro, migrantes marcham na América Latina, arriscando-se em mortais rotas. Salvamentos e acolhimentos dos migrantes são fagulhas de esperança se acendem e uma resposta ao Evangelho. Oportunizar um acolhimento é manter viva a esperança de uma vida digna.

Memória

Morreu recentemente o economista Delfim Netto, uma figura muito importante no contexto da história recente do Brasil, para o bem e para o mal. Em meio às comemorações da Campanha da Legalidade, que foi o único movimento civil que conseguiu interromper um golpe militar, o jornalista Luiz Cláudio Cunha elaborou uma longa análise da história do economista que nunca reconheceu a tortura e a censura, colaborou com o AI-5 e “deu o fôlego financeiro de seu poder e influência às duas estatais mais marcantes que resumem com suas siglas, melhor do que outras, a gênese e a essência da mais longa e brutal ditadura de nossa história: a OBAN e o DOI-CODI.” 

Memória II

Nunca soubemos fazer memória do nosso passado e tampouco justiça com os algozes da ditadura militar. Por isso, o novo filme de Walter Sales, "Ainda Estou Aqui", inspirado no livro de mesmo nome de Marcelo Rubens Paiva, nos propõe uma análise para entender os traumas do passado para não repetirmos os erros. Também nos cinemas, O Mensageiro, dirigido por Lúcia Murat reflete “sobre política, perdão e as lições de Hannah Arendt em suas discussões com os alunos, mostrando como as marcas do passado ainda influenciam o presente”. 

Uma boa semana a todos e todas!