03 Setembro 2024
"A esperança não é para ser vivida na solidão: espera-se juntos. Espera-se com todos quando a esperança tem um horizonte coletivo que nos faz sentir sob um único destino", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Repubblica, 02-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A violência das guerras nas fronteiras da Europa e no leste do Mediterrâneo leva a um pessimismo amplamente compartilhado que ameaça nossas esperanças. Acima de tudo, a sensação de que estamos às vésperas de uma guerra entre os países da OTAN e a Rússia se destaca das notícias sobre a expansão do conflito e a intensificação da ofensiva também em solo russo.
Nessa situação de depressão em que não são mais eloquentes os protestos, as manifestações nas ruas, as indignações e as raras iniciativas de massa em favor da paz, o que esperar? Sim, devemos encarar a pergunta de tantos: “O que posso esperar?” Porque a esperança não pode desaparecer na humanidade, portanto, em cada um de nós. A esperança está no cerne da condição humana. De fato, o homem é o único animal que tem a audácia de ter esperança.
Gosto de pensar no ditado latino homo spes erectus como o homem que ficou ereto, se levantou, se ergueu quando começou a ter esperança, e foi justamente a esperança germinada em seu coração que lhe deu a postura ereta. Porque ereto, o homem caminha olhando para frente, para o futuro, “engajado em uma luta ativa contra o desespero” (Gabriel Marcel). Esse é o dever pelo qual devemos nos exortar à esperança e reavivar a esperança mesmo nessas situações de crise, para atravessá-las sabendo que o grande inimigo da esperança é a indiferença. A virtude teologal da esperança sempre foi meditada pela tradição cristã, mas pode haver esperança para o ser humano que não confessa crer em Deus?
Estou convencido de que todo ser humano, mesmo não religioso, que certamente não pode nutrir uma esperança para além da morte, ainda assim vive com esperança na Terra. É a esperança que nasce de sua fé-confiança na humanidade, que realiza uma jornada de humanização lutando contra as forças mortíferas que estão sempre presentes nas batalhas. Enfrentando as crises dramáticas e lidando com as situações negativas, os seres humanos realizam uma jornada rumo a uma humanidade melhor. Não que o ser humano seja sempre melhor do que aqueles que os precederam, mas há conquistas e progresso em direção a uma vida mais bela e boa, digna e justa para muitos povos.
Sim, há esperança naqueles que deixam as terras da África e partem dispostos a arriscar suas vidas para encontrar pão e liberdade. Há esperança naqueles que deixam a Síria, a Ucrânia e Gaza porque alimentam a esperança de viver alguns anos em paz. Há também as esperanças pessoais de homens e mulheres que, na doença, esperam por uma cura que tarda a chegar.
A esperança não é para ser vivida na solidão: espera-se juntos. Espera-se com todos quando a esperança tem um horizonte coletivo que nos faz sentir sob um único destino. Espera-se por todos, porque a esperança é um desejo do coração humano capaz de estender um olhar que abraça a todos. Esperar por todos é o ato de plena humanidade.
Um sábio budista afirma: “Você será plenamente bem-sucedido quando for capaz de ter esperança por todos, então seu espírito será cósmico”.
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O dever da esperança. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU