06 Setembro 2024
"Já está acionada a luz vermelha e sirenes sobre a relação da epidemia de câncer com o uso e a aplicação indiscriminada de agrotóxicos nas lavouras de monoculturas do café, da cana, do eucalipto, do feijão, da soja, da batata, morango, tomate e outras. As leis que tratam do uso de agrotóxicos são dribladas o tempo todo, além de serem generosas com a indústria dos agrotóxicos, o que fere mortalmente a dignidade humana e dignidade da mãe terra, da irmã água, do irmão ar e de todos os seres vivos", escreve Frei Gilvander Moreira.
Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; professor de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte.
Dia 26 de agosto de 2024, em missão no Acampamento Nova Esperança 2, em Córrego Danta, MG, ao chegar, fui recebido por uns dez acampados/as e uns seis cães manifestavam alegria com nossa chegada. Sentei numa cadeira velha e uma cachorrinha imediatamente pulou no meu colo em busca de carinho. Perguntei: “Como é o nome dela?” “Lili”, a Eloísa me disse, complementando: “Frei Gilvander, a Lili está muito sofrida, pois a “dona/mãe” dela, uma criança, foi sepultada ontem, com apenas sete anos de idade.” “Por que uma criança morreu com apenas sete anos?” Emocionada, Eloísa me disse: “Ela apareceu com câncer na cabeça aos três anos de idade, fez três cirurgias, mas após a terceira cirurgia faleceu. O câncer está matando muita gente antes do tempo.”
Todo dia ouvimos notícia de pessoas morrendo de câncer, inclusive crianças, adolescentes e jovens. Na noite de 31 de agosto de 2024, estávamos no velório da Irmã Nieves Fonseca, em Betim, MG, na igreja dos Sagrados Corações. Na celebração religiosa fazendo memória de Irmã Nieves, eu disse para o povo que lotava a igreja: “Vocês sabem que Irmã Nieves foi mais uma vítima do câncer. Levante a mão, por favor, quem já teve um parente que morreu por causa de câncer ou que tenha alguém na família com câncer.” Todas as pessoas que lotavam a igreja levantaram as mãos. Tenho feito esta pesquisa em várias cidades, em várias igrejas e quase todas as pessoas sinalizam que tem parente com câncer ou que já morreu de câncer.
Um ministro do desgoverno golpista, de 2019 a 2022, tentando justificar a postura criminosa que tinham com relação à pandemia da covid-19, afirmou, em 2020: “No Brasil mais de 250 mil pessoas estão morrendo de câncer por ano. O câncer está matando mais do que a covid-19.” Uma brutal epidemia não declarada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) preveem um aumento de 77% nos casos de câncer nos próximos anos no Brasil. Estão acontecendo mais de 704 mil casos novos de câncer no Brasil para cada ano do triênio 2023-2025, com destaque para as regiões Sul e Sudeste, que concentram cerca de 70% da incidência. As informações são da publicação Estimativa 2023 – Incidência de Câncer no Brasil, lançada pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Previsão: Nos próximos dez anos serão mais de sete milhões de pessoas contraindo câncer no Brasil. Em 2019, 232.040 pessoas morreram de câncer no Brasil, em todas as idades. Na faixa de 30 a 69 anos, foram 121.264 mortes. Câncer deverá ser a primeira causa de mortes no País até 2030, diz Observatório de Oncologia. O Brasil poderá registrar cerca de 554 mil mortes causadas por câncer no ano de 2050, um aumento de 98,6% em relação aos óbitos ocorridos em 2022 (279 mil). As projeções foram divulgadas pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer.[1]
Em 2011, segundo dados apresentados pela Subcomissão Especial sobre o Uso dos Agrotóxicos e suas Consequências à Saúde, da Câmara Federal, já estavam ocorrendo cerca de 1260 casos de pessoas com câncer por ano no universo de 100 mil pessoas no município de Unaí, no noroeste de Minas Gerais. Quatro vezes mais do que a média mundial que não ultrapassa 400 casos/ano/100000 pessoas.[2]
Nas cidades do interior de Minas Gerais e de outros estados do Brasil, as comunidades tiveram que criar Associações de Amparo às Pessoas com Câncer e seguem fazendo muitas campanhas para arrecadar dinheiro para ajudar a pagar muitos ônibus e vans para transportar toda semana uma multidão de pessoas com câncer para fazer tratamento no grande Hospital de Câncer de Barretos, SP. Cidades acima de 100 mil habitantes estão tendo que se preocupar em construir hospitais do câncer, como é o caso de Unaí, MG, onde está sendo inaugurado o Hospital do Câncer do Noroeste Mineiro (HOCANOM). Hospitais do câncer em Muriaé, Uberlândia, Uberaba ... estão sempre superlotados. A solidariedade, amor e o cuidado com todas as pessoas com câncer é necessário, porém não é o suficiente. É preciso enfrentarmos as causas desta brutal epidemia de câncer, senão, morreremos todos/as antes do tempo. Além de causar um atroz sofrimento físico e psicológico para a pessoa que contrai câncer, a realidade está demonstrando que se perde o ente querido e a família fica empobrecida, pois dedica os poucos recursos para tentar salvar a pessoa querida.
Por que está acontecendo esta perigosa epidemia de câncer? Quais as causas? Antigamente era raro ouvir falar de alguém com câncer ou que tinha morrido de câncer. Muitas pesquisas acadêmicas em Universidades já demonstraram que o uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura brasileira do agronegócio está envenenando a terra, as águas, o ar e os alimentos. A professora e pesquisadora Dra. Eliane Novato Silva, da UFMG[3], garantiu em 2012 que há evidências laboratoriais e teóricas de que os agrotóxicos estão causando malefícios crônicos de curto, médio e longo prazo. Denunciou a Dra. Eliane: “O veneno está na mesa das pessoas, tanto no campo quanto nas grandes cidades. Estamos consumindo produtos que já são proibidos em muitos países há muito tempo, mas são permitidos no Brasil.”
Está comprovado pelo Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA -, da ANVISA[4]: a) a presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos acima dos limites máximos “recomendados”; b) a presença em muitos alimentos de venenos não permitidos. Afora isso, nas fiscalizações às empresas produtoras de agrotóxicos observa-se, recorrentemente, muitas irregularidades. No Município de Lucas de Rio Verde, no Mato Grosso, constatou-se a contaminação do leite materno, das águas da chuva, do solo e até do ar. Estima-se que, a cada ano, 25 milhões de trabalhadores são contaminados por agrotóxicos apenas nos países empobrecidos.
Pôs o dedo na ferida, em novembro de 2011, o Relatório do deputado federal Padre João Carlos (PT/MG), então relator da Subcomissão Especial sobre o Uso dos Agrotóxicos e suas Consequências à Saúde, da Câmara dos Deputados: “A incidência de câncer em regiões produtoras de Minas Gerais, que usam intensamente agrotóxicos em patamares bem acima das médias nacional e mundial, sugere uma relação estreita entre o câncer e a presença de agrotóxico.” No início de 2012, ano em que a Campanha da Fraternidade foi sobre Saúde Pública, denunciamos o exagero de agrotóxico em feijão produzido e comercializado na cidade de Unaí, MG. Em Audiência Pública na ALMG dia 12 de dezembro de 2012, denunciamos o aumento assustador do número de casos de câncer no noroeste de MG.
Há muitas pesquisas científicas, tais como as da Fio Cruz, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), da Universidade Federal do Ceará (UFCE) e da Universidade de Brasília (UNB), que apontam a estreita relação entre uso ou ingestão de agrotóxico e câncer, como atesta Eloísa Caldas, coordenadora do Laboratório de Toxicologia da UNB: “Existem mais de 400 pesticidas permitidos para uso e bactérias diferentes que causam efeitos diversos para a saúde. Podem causar problemas neurológicos, podem levar ao desenvolvimento de câncer e outras patologias”[5]
A cumplicidade do Poder Público em relação ao uso de agrotóxicos nos deixa ainda mais indignados, pois ignora as Notas Públicas emitidas pelo Ministério da Saúde ao longo dos anos, por meio do Instituto Nacional de Câncer (INCA) alertando sobre as gravíssimas consequências do uso de agrotóxicos para a saúde humana e ambiental. O INCA, inclusive, aponta como alternativa a agroecologia.
Um absurdo o que fez o Senado Federal em novembro de 2023: indiferente aos alertas e às orientações do Ministério da Saúde, na contramão do resto do mundo, atendendo aos interesses do capitalismo, ao invés de se empenhar em fortalecer a restrição dos agrotóxicos, aprovou a flexibilização da regulação desses venenos no Brasil. E os números dos casos de câncer crescem, assustadoramente! Até quando?
Já está acionada a luz vermelha e sirenes sobre a relação da epidemia de câncer com o uso e a aplicação indiscriminada de agrotóxicos nas lavouras de monoculturas do café, da cana, do eucalipto, do feijão, da soja, da batata, morango, tomate e outras. As leis que tratam do uso de agrotóxicos são dribladas o tempo todo, além de serem generosas com a indústria dos agrotóxicos, o que fere mortalmente a dignidade humana e dignidade da mãe terra, da irmã água, do irmão ar e de todos os seres vivos. Neste contexto dramático de modelo econômico, de produção de alimentos com exagero de agrotóxicos, de muitos alimentos enlatados e industrializados, do frenesi e ritmo estressante nas cidades empresariais, de devastação do ambiente com desmatamento e queimadas que deixam as cidades envoltas em densas nuvens de fumaça, torna-se urgente criar uma Campanha Permanente pela superação das causas do câncer no Brasil. Do contrário, morreremos um/a a um/a antes do tempo. Convocamos os Movimentos Sociais do Campo e da Cidade e as pessoas idôneas das instituições do Estado Brasileiro a abraçarem com afinco mais esta luta urgente, justa e necessária. O Deus da vida nos criou para vida em abundância (João 10,10) e não para morrer de câncer ou sermos triturados pela máquina de moer vidas que é a sociedade capitalista. Enfim, epidemia brutal de câncer até quando?
As videorreportagens no abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima:
1 – Do Agrotóxico para a Agroecologia/1ª Pré-Romaria da XXI Romaria/Águas e Terra/MG/Arcos/23/6/2018
2 – Comida saudável vem da luta-Inauguração do Armazém do Campo, do MST – BH/MG–3ª Parte- 26/11/ 2017
3 – Horta Comunitária na Ocupação Esperança – Região da Izidora – BH/MG – 1a Parte – 12/11/2017
4 – Comida saudável/Economia Solidária/Festival Reforma Agrária/MST-BH/MG-08/10/2017-2ª Parte
5 – Nazaré – Câncer na Família e agrotóxicos em Unaí: 20ª Romaria das Águas e da Terra/MG. 20/7/2017
6 – Na TV Assembleia, denúncia de exagero de agrotóxico no feijão em Unaí.
7 – Frei Gilvander denuncia na TV Assembleia: exagero de agrotóxico causa câncer em Unaí/MG. 12/12/2012
[1] Fonte: Agência Câmara de Notícias.
[2] Fonte: Relatório da Subcomissão do Uso de Agrotóxico, 2011, p. 30.
[3] Universidade Federal de Minas Gerais.
[4] Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Cf. Aqui.
[5] Fonte: Relatório da Subcomissão do Uso de Agrotóxico, 2011, p. 54.
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Mais de 280 mil mortos de câncer por ano até quando? Artigo de Gilvander Moreira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU