31 Agosto 2024
”Acho que quando você olha para as margens, entende melhor o que é o centro, os valores comuns, as normas, os comportamentos, as formas de pensar. É ao longo das 'fronteiras' que ocorrem os fenômenos mais interessantes”. Essa frase resume o motivo pelo qual Idan Yaron, sociólogo e antropólogo social especializado na extrema-direita em Israel, passou os últimos dez anos estabelecendo vínculos com os “jovens das colinas”, muitos deles seguidores e discípulos de Meir Kahane.
A reportagem é de Francesca Mannocchi, publicada por La Stampa, 29-08-2024.
Idan Yaron é casado e tem sete netos, lecionou na Universidade Hebraica de Jerusalém e foi professor na Faculdade Acadêmica Ashkelon. Foi reservista nas unidades de elite das Forças de Defesa de Israel e trabalhou como consultor organizacional na escola de contraterrorismo do exército. Publicou textos sobre ética militar e agora, após dez anos, está prestes a publicar uma extensa história do movimento kahanista em Israel, desde o surgimento da Liga de Defesa Judaica, fundada pelo rabino Kahane nos EUA em 1968, até o atual partido Otzma Yehudit, liderado por Itamar Ben-Gvir, em Israel.
“Sou antropólogo e fiz da observação e da participação minha missão. Assim, com muito esforço, fui primeiro tolerado e depois acolhido por esses grupos e agora sou um rosto familiar para eles. Quando comecei a coletar documentos sobre eles, todos pensavam nos kahanistas como um grupo pequeno, extravagante e extremista e, provavelmente, em 2014, eram marginais até mesmo para a direita. Muitos não conseguiam acreditar que os líderes de um movimento considerado tão marginal chegariam tão rapidamente ao centro da cena, por isso sempre começo a estudar a partir das margens”.
Como você definiria o movimento kahanista para aqueles na Europa que nunca ouviram falar dele?
Primeiro, deixe-me dizer, como professor, que não se pode pensar em entender o que está acontecendo em Israel e nos territórios palestinos hoje sem saber quem era o rabino Meir Kahane e como sua ideologia está atualmente influenciando o governo. O dogma kahanista é um dogma de ódio, é um movimento de ódio, como podemos ver em outros lugares do mundo, especialmente nos Estados Unidos, nos neonazistas na Europa e em alguns outros grupos que são contra os imigrantes. É exatamente o mesmo fenômeno, nenhuma diferença.
Os “jovens das colinas” são sua expressão. Eles se definem racistas, querem ter a supremacia judaica no Estado, uma supremacia de direita no Estado, e gostariam de ver os árabes eliminados, de uma forma ou de outra, ou pelo menos não presentes na terra de Israel, e quando dizem a terra de Israel, querem dizer o Grande Israel, o Israel bíblico, não o Israel das atuais fronteiras. Mas aquele que vai do Nilo ao Eufrates, que consiste em todo o Israel atual, os territórios palestinos, o Líbano, grande parte da Síria, a Jordânia e parte do Egito.
Eles querem contribuir para uma visão messiânica, apocalíptica, que chegará até o fim dos dias. Muitos dos jovens pedem por um Estado liderado por um rei e governado pelo sinédrio, um sanhedrin (o antigo conselho judaico que tinha autoridade religiosa e jurídica) sob a lei da Torá. Esse é o resultado final em sua visão.
Em suas análises, houve alguma etapa recente que explique essa ascensão ao poder?
Veja, foi um processo claro e persistente no qual a sociedade israelense se tornou cada vez mais de extrema-direita. Falando apenas desses dez anos, identifico duas. Uma é a Operação Margem Protetora, lançada contra os palestinos na Faixa de Gaza em 2014, e mais especificamente, as ondas de choque que ela gerou nas ruas israelenses.
É um momento crucial porque criou uma atmosfera pública que serviu como uma excelente plataforma para o desenvolvimento de uma organização como o Lehava, que estava na época em seu começo. (Lehava é um grupo extremista fundado em 2015 por Bentzi Gopstein, que pede a expulsão dos palestinos, a anexação da Cisjordânia ao Estado de Israel, a proibição de casamentos mistos e a remoção dos cristãos da Terra Santa).
Naquele ano, vimos o pessoal do Lehava sair às ruas, liderando a busca por jovens árabes para serem “punidos”. Na esteira desses incidentes, o movimento cresceu. Em seguida, a Operação Guardião dos Muros, em 2021, confirmou a retórica kahanista. Afirmar que todos os árabes são iguais, que todos querem aniquilar o Estado de Israel e que, portanto, todos devem ser considerados terroristas a serem combatidos. Portanto, pensar que hoje alguns ministros deste governo vêm do movimento kahanista e são ideólogos para a nova geração dos “jovens das colinas” deveria alarmar a todos. Não apenas os israelenses que estão saindo às ruas há mais de um ano.
O movimento se reporta a Itamar Ben Gvir, ministro da Segurança Nacional, líder do partido israelense de extrema-direita Otzma Yehudit, colono, kahanista. Ontem, os EUA o acusaram de “causar o caos” e “minar a segurança de Israel”, após sua última declaração: a hipótese de construir uma sinagoga na Esplanada das Mesquitas.
Itamar Ben Gvir é o destilado do movimento sionista religioso. Foi um “jovem das colinas”, é um verdadeiro representante do espírito dos assentamentos extremistas e radicais, tem um longo histórico de provocações que o ajudaram a obter a exposição que precisava na mídia. Foi assim que ele alcançou seus objetivos políticos e, nesse aspecto, é muito semelhante ao rabino Kahane, que sabia exatamente como chegar à primeira página do New York Times ou do Washington Post. Ben-Gvir aprendeu muito com ele.
Dois ou três dias depois de 7 de outubro, Ben Gvir distribuiu milhares de fuzis de assalto entre os colonos. O que pensa a respeito?
Na verdade, estamos falando de grupos paramilitares, eu os considero milícias. Qualquer pessoa que tenha familiaridade com o campo sabe que isso já é um fato. E é um risco muito, muito sério para a soberania israelense, e temo que não só na Cisjordânia, onde perdemos o controle. Acho que deveríamos usar todas as medidas que a democracia nos oferece para interromper essas atividades, para restringir as ações de pessoas que pensam que são “a lei” e se tornam um perigo para a segurança de Israel. Há também unidades militares influenciadas pelo kahanismo?
É claro, estou pensando no Netzah Yehuda. Uma unidade ultraortodoxa, é a unidade dos “jovens das colinas”. Eles não são soldados, se sentem justiceiros. Não pensam na segurança do Estado, mas sim nos interesses dos assentamentos.
Muitos palestinos da Cisjordânia, mas também muitos israelenses – estou pensando naqueles que vêm se manifestando há meses para exigir a renúncia de Netanyahu – descrevem o atual governo como “o governo dos colonos”. Essa é uma definição que, em sua opinião, corresponde à realidade?
Totalmente. A principal coisa pela qual Netanyahu deveria se sentir responsável é por ter legitimado o movimento kahanista e seus desvalores ao aceitar o Otzma Yehudit (Poder Judaico) e o partido Sionismo Religioso na coalizão do governo, para sua sobrevivência política. Não podemos esquecer de quem foi e de onde veio Itamar Ben Gvir, o atual ministro da Segurança Nacional.
Ele se juntou ao grupo Kach aos 16 anos, entidade considerada um grupo terrorista pelos EUA. Um vídeo de 1995 o mostra no feriado judaico de Purim vestido como Goldstein, o colono extremista, israelense de origem estadunidense que em 1994 matou com sua metralhadora 29 palestinos reunidos em oração em Hebron. No vídeo, Ben Gvir é visto dizendo “ele é meu herói”.
Esse é o mesmo homem que se gabou de ter pendurado na parede de sua casa na colônia de Kiryat Arba o retrato de Goldstein.
Ben Gvir afirma ter removido o retrato em 2020.
Claro, porque é um pragmático. Mas a remoção de um retrato tem finalidade política. O homem continua a pensar nele como um herói. Ben Gvir não mudou de fato, é só aparência. No fundo e em toda a sua política, é um kahanista. E ele está conseguindo o que quer. No ano passado, sempre por meio dos “jovens das colinas”, participei de um evento para o qual também haviam sido convidados Ben Gvir e o ministro do Desenvolvimento do Negev e da Galileia, Yitzhak Wasserlauf, do Sonismo Religioso. Ben Gvir tomou a palavra, pediu desculpas aos jovens por não ter alcançado os resultados desejados, tranquilizou-os sobre a pressão interna e, em seguida, disse uma frase, em minha opinião, crucial: “antes, a polícia costumava entrar durante nossos comícios, interrompendo as nossas atividades. Agora eles estão do lado de fora da porta, nos protegendo”.
É claro: Ben Gvir, como ministro da Segurança Nacional, é quem comanda a força policial. Na prática, hoje, a polícia israelense é a polícia de Ben Gvir. Qualquer um que, como eu, observe seu partido em suas margens mais extremas sabe que, se ao núcleo duro do Otzma Yehudit fosse concedido um pouco mais de liberdade política, implementariam as políticas de Kahane: segregação racial e étnica.
Há alguns dias, Ronen Bar, chefe do Shin Bet (agência de segurança interna de Israel), condenou as ações dos colonos extremistas, definindo-as de “atos de terrorismo” e, em uma carta a Netanyahu, disse que as ações dos “jovens das colinas” representam uma grande mancha para o judaísmo. O que você acha?
Concordo até com as vírgulas da carta de Bar. Deveria nos alarmar o fato de o chefe do Shin Bet ter considerado necessário escrevê-la e torná-la pública, porque essa extrema-direita no mapa político israelense está cada vez mais radical e, portanto, cada vez mais perigosa para nosso amado país. Considero-me um homem patriota, estou à serviço da sociedade israelense e ao Estado, fui oficial do exército e lutei em muitas guerras nas unidades especiais. Hoje sou um homem idoso e escrever sobre essa direita, esses movimentos, é minha maneira de defender o país. Porque considero o movimento kahanista uma ameaça maior do que as ameaças externas. E acredito que o Shin Bet também se deu conta disso. Daí o motivo da carta.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Eu, infiltrado entre os haters, vou lhes falar sobre os colonos extremistas. Eles querem eliminar os árabes”. Entrevista com Idan Yaron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU