20 Agosto 2024
"A ONU está pressionando por um cessar-fogo urgente, ou pelo menos, segundo eles, uma pausa que lhes permita iniciar uma campanha de vacinação para pelo menos 600.000 crianças", escreve Francesca Mannocchi, jornalista e documentarista italiana, em artigo publicado por La Stampa, 19-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
As ordens de evacuação em Gaza não param. Há poucas horas da nona viagem à região do secretário de Estado norte-americano Antony Blinken, que deveria se encontrar hoje com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e pressionar por um acordo para o cessar-fogo, as zonas humanitárias na Faixa continuam a encolher.
Tanto é assim que, de acordo com as Nações Unidas, 84% de toda a população de Gaza foi deslocada nos dez meses de guerra.
Em 9 de agosto, o OCHA, o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários, tinha emitido um comunicado dizendo que 60.000 pessoas haviam sido forçadas a se deslocar para Khan Younis nas 72 horas anteriores, seguindo as ordens de evacuação israelenses. Somente naquela semana, de acordo com o OCHA, “as partes do norte e do sul de Gaza postas sob evacuação compreendiam 43 quilômetros quadrados”. Isso equivale a dizer áreas que incluem 230 locais para palestinos deslocados, mais de 30 instalações hídricas, higiênicas e higiênico-sanitárias e cinco estruturas de saúde ainda em funcionamento.
Nos últimos dias, justamente quando os esforços para negociar uma trégua estavam se intensificando, o exército israelense anunciou mais ordens de evacuação. Para Israel, essas ações são uma resposta ao lançamento de foguetes; para os palestinos de Gaza, são uma pressão sobre a população, mais uma punição coletiva.
Em 16 de agosto, a ordem tinha chegado a Khan Younis e afetou mais de 170.000 refugiados palestinos em locais humanitários. Em 17 de agosto, foi a vez de Beit Hanoun e Deir Al-Balah. De acordo com o New York Times, as zonas que haviam sido declaradas seguras para os civis deslocados pelo próprio exército israelense foram reduzidas em mais de um quinto em um mês.
Também no sábado, um bombardeio israelense atingiu a cidade de Zawayda. O ataque atingiu uma casa e um armazém próximo que havia se tornado um abrigo para deslocados. Dezenas de pessoas ficaram feridas e pelo menos 18 morreram, todas da mesma família, transferidas para o Hospital dos Mártires de al-Aqsa, em Deir al-Balah, onde um repórter da Associated Press que estava no local confirmou o número de vítimas. Entre eles estava um atacadista, Sami Jawad al-Ejlah, que - de acordo com as testemunhas - havia organizado um movimento para levar alimentos a Gaza com o exército israelense. Junto com ele, morreram suas duas esposas e seus 11 filhos. Eles tinham entre dois e vinte e dois anos de idade. “Recebemos relatos de que o ataque matou civis que estavam em um prédio adjacente à infraestrutura terrorista”, declararam as forças armadas israelenses - O incidente está sendo investigado”.
De acordo com a Unrwa, após as últimas ordens de evacuação, apenas 11% de Gaza pode ser considerada zona humanitária. Ou seja, não há mais espaço para armar uma tenda ou construir uma cabana para buscar abrigo. Tudo isso enquanto a entrada das ajudas humanitárias continua sendo uma missão quase impossível.
De acordo com os dados das Nações Unidas, o volume de ajudas que atravessou as passagens para entrar em Gaza caiu pela metade desde o início de maio, quando foi fechada a passagem de Rafah, na fronteira com o Egito. Antes, a média diária era de cerca de 160 caminhões, hoje é de menos de 80.
Enquanto isso, escreve o Ocha, “as missões de assistência humanitária que exigem coordenação com as autoridades israelenses continuam a ser negadas e obstruídas”. Isso significa que apenas 24 das 67 missões de ajudas planejadas para a parte setentrional de Gaza no mês de julho foram possíveis. Menos da metade. O mesmo aconteceu no sul da Faixa: das 100 missões humanitárias planejadas, cerca de metade foi facilitada pelas autoridades israelenses, enquanto as outras foram negadas, obstruídas ou canceladas.
Dez meses de ofensiva militar israelense transformaram Gaza um foco de doenças infecciosas. Não só não há alimento suficiente, não só há escassez de água potável e a que existe está contaminada, como também quase não há mais estruturas médicas dignas desse nome e ao alcance de quem precisa. As ruas, as que restam, estão cercadas por restos de prédios bombardeados, lixo e esgoto. Lixo e esgoto no calor do verão do Oriente Médio. A conjunção perfeita para a disseminação de epidemias.
Na última sexta-feira, fontes do Ministério da Saúde de Gaza anunciaram que algumas crianças apresentavam sintomas “compatíveis com a poliomielite” e que os testes laboratoriais confirmaram que uma criança de 10 meses havia sido infectada pelo vírus. Esse é o primeiro caso de pólio na Faixa de Gaza nos últimos 25 anos. A presença do vírus foi detectada pela primeira vez no mês passado em amostras de esgoto coletadas no sul e no centro de Gaza, exatamente as áreas onde a maior parte da população está atualmente deslocada.
A poliomielite é um vírus altamente infeccioso que se espalha principalmente por via fecal-oral. Pode comprometer o sistema nervoso e causar paralisia. Atualmente, os sujeitos que correm mais risco são as crianças com menos de cinco anos de idade e, ainda mais preocupante, as crianças com menos de dois anos, porque desde o início da guerra foram interrompidas as rotinas normais de campanhas de vacinação.
Os alarmes foram confirmados pela OMS, a Organização Mundial da Saúde, que, juntamente com outras organizações humanitárias que operam em Gaza, registrou milhares de casos de doenças respiratórias, diarreia e hepatite A. Para os funcionários de Gaza, sem uma pausa, o desastre não pode ser evitado.
É também por isso que a ONU está pressionando por um cessar-fogo urgente, ou pelo menos, segundo eles, uma pausa que lhes permita iniciar uma campanha de vacinação para pelo menos 600.000 crianças. Uma pausa permitiria que iniciassem dois ciclos de vacinação, um em agosto e outro em setembro. Mas primeiro as vacinas precisam chegar a Gaza. Isso significa atravessar pontos de controle, fronteiras e passagens, esperando que os comboios não sejam atacados e saqueados por bandos armados.
Para o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, a organização está pronta para a vacinação, mas, segundo ele, “precisamos de absoluta liberdade de movimento para os agentes de saúde e os equipamentos médicos. Um cessar-fogo ou pelo menos ‘dias de tranquilidade’ durante as campanhas de vacinação são necessários para proteger as crianças de Gaza contra a pólio”.
No mesmo dia em que o Ministério da Saúde de Gaza divulgava a notícia do primeiro caso confirmado de pólio, o secretário-geral da ONU, António Guterres, escreveu: “Sejamos claros: a vacina definitiva para a pólio em Gaza é a paz e um cessar-fogo humanitário”.
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Gaza. Emergência permanente. Artigo de Francesca Mannocchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU