É preciso dizer que esta paralisação industrial e econômica está tendo efeitos positivos para os ecossistemas. Talvez a melhor notícia que nesse momento é possível dar. As populações de multidão de plantas e animais viverão uma primavera espetacular sem a pressão humana”, destaca Fernando Valladares (Mar del Plata, 1965), pesquisador do Conselho Superior de Investigações Científicas – CSIC, que se dedica a estudar o impacto da mudança climática nos ecossistemas terrestres.
“É conjuntural, mas deve nos servir para avaliar a capacidade de recuperação dos sistemas naturais. Devemos trabalhar para nunca mais voltar às condições que permitiram a pandemia. Isso requer que coloquemos os ecossistemas à frente da indústria e da economia ou cairemos novamente outra, cedo ou tarde”.
Valladares considera que o que estamos sofrendo é um caso de livro de “ecologia da doença”, além de um fracasso de nosso sistema social e econômico: “É o grande erro de viver de costas para a natureza”.
Tudo isto é para o pesquisador como o conto do lobo: “Estávamos há muito tempo explicando e avisando sobre o risco de simplificar a natureza, de extirpar espécies e de destruir ecossistemas. Durante a última década, fomos vendo isso com as diferentes epidemias e surtos infecciosos”. O cientista reconhece que, apesar dos esforços dos sistemas de saúde, “não há nenhum que possa cumprir o papel protetor da natureza. Estamos vendo que são as relações entre organismos e o meio ambiente que dispararam o problema de saúde global que temos”.
A entrevista é de Javier López Rejas, publicada por El Cultural, 08-04-2020. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Esta pandemia pode estar relacionada com a mudança climática?
Praticamente, sem dúvida, a relação com a mudança climática existe pelos efeitos globais que a mudança climática tem sobre os ecossistemas e sobre as populações humanas. Mas esta relação parece indireta. Ainda é necessário estudar e compreender melhor a biologia do vírus e de seus hospedeiros e reservatórios animais para poder estabelecer bem. O que, sim, sabemos é que a alteração da natureza está na origem da pandemia.
Quais são os danos aos ecossistemas mais relacionados a este tipo de crise?
As duas alterações com maior impacto foram a redução da biodiversidade, extirpando muitas espécies em um sistema em que poderiam proteger destas e de outras infecções, e a degradação do habitat. Mas há outras causas subjacentes. Por exemplo, as que tem a ver com a falta de segurança alimentar e a pobreza extrema que nos faz buscar alimento (e também comércio e tráfico ilegal) em espécies selvagens com as quais não temos uma coexistência evolutiva que tenha possibilitado gerar defesas imunológicas em nossa espécie.
O clima influencia na expansão de tais tipos de organismos? O calor poderia ser um fator de freio?
O clima influencia nos hábitos, tanto nos humanos como nos animais, que servem de hospedeiros ou que são reservatórios do vírus. Afeta também a expansão do contágio ao influenciar no tempo de residência do vírus no ar e em diferentes superfícies fora dos organismos e, portanto, nas probabilidades de contágio. Sabemos que fica inativo em temperaturas superiores aos 55 graus, mas estas temperaturas raras vezes são alcançadas para além de algumas superfícies muito expostas ao sol e sob condições climáticas muito concretas. Também sabemos que o calor e a seca, próprios do verão, baixam a viabilidade do vírus fora do organismo infectado. Mas o vírus suporta bem temperaturas altas, enquanto está ativo, e é por isso que nossa febre, uma reação defensiva genérica de nosso organismo, não tem efeito sobre o vírus. O mais importante do ponto de vista epidemiológico é que no verão ou em condições mais quentes nós adoecemos menos e oferecemos, portanto, menos oportunidade ao vírus para que nos infecte e gere a doença.
Que condições ambientais favorecem a expansão destes micro-organismos?
O conhecimento a esse respeito é ainda fragmentário já que é um vírus novo. Sabemos que o polvo do deserto, que permanece muito tempo na atmosfera e que se transporta a longa distância, favorece a expansão do vírus e lhe serve como suporte para o processo de infecção. A poluição atmosférica opera do mesmo modo.
Chega o inverno no Cone Sul. Lá poderá ter maior virulência?
O inverno favorece as afecções do sistema respiratório. Há mais pacientes em geral com todos os tipos de doenças virais, de bactérias e inclusive de fungos que entram no quadro geral de pneumonias. Isso é terreno propício para que se aumente a carga viral de coronavírus em indivíduos concretos e na população em geral. Por isso, conta-se com uma segunda onda da pandemia no hemisfério sul, durante seu inverno deste 2020. Assim como também se prevê um novo período importante da doença no hemisfério norte, a partir de outubro.
O que você diria, agora, aos negacionistas da mudança climática? Essa pandemia pode ser um fenômeno a mais de uma série relacionada a esse contexto?
É claro. Diria a eles que em um mundo com uma melhor conservação do meio ambiente, viveríamos todos melhor. A Organização das Nações Unidas tem um belo e significativo programa chamado OneHealth, Uma saúde, onde se parte do conhecimento de que a saúde dos animais, das plantas e das pessoas estão intimamente interconectados, e que as pandemias devem ser abordadas com um olhar multidisciplinar que incorpore este conceito, com o meio ambiente como uma das ideias transversais mais importantes. As alterações nos ecossistemas e no clima não saem de graça. Já estão nos passando a fatura. E é uma fatura muito cara porque se mede em mortes humanas.
É urgente a criação de um catálogo de vírus potencialmente perigosos para enfrentar pandemias futuras e tê-las sob controle? Em definitivo, conhecer as características do “inimigo” para quando decidir atacar...
É importante, mas recordemos que nunca saberemos o suficiente do “inimigo” até que “ataque” e o que realmente queremos é que “não ataque”. Sendo assim é fundamental manter uma natureza saudável e funcional que previna nosso contato com grandes cargas de vírus novos.
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“Não há sistema de saúde que cumpra o papel protetor da natureza”. Entrevista com Fernando Valladares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU