18 Abril 2025
O professor da Universidade de Sevilha, que está em seu último ano como professor antes de se aposentar, analisa a situação atual em uma entrevista “de urgência”. Ele alerta que esta é uma estratégia de longa data dos EUA. E isso pode inclusive ser aproveitada pela Espanha e pela Andaluzia se a Europa for capaz de “olhar para si mesma”.
A entrevista é de Pablo Fdez. Quintanilla, publicada por La Voz del Sur, 10-04-2025. A tradução é do Cepat.
Juan Torres López (Granada, 1954) fala ao lavozdelsur.es na que poderia ser chamada de uma entrevista “de urgência”. Porque há poucos meses ele já falou com este jornal. Mas a decisão de Trump de impor tarifas ao mundo e a perspectiva econômica sombria nos forçaram a procurar um especialista, professor de economia, autor de vários livros e um dos principais especialistas no que está acontecendo no mundo, na Espanha e na Andaluzia – e não apenas na esfera econômica.
Membro da Attac, Torres oferece nesta entrevista uma perspectiva que não se encontra em inúmeras páginas de análise na imprensa. Ele entende que o que está acontecendo tem uma explicação, que vem de longe, além dos costumes detestáveis do atual presidente dos EUA. A entrevista acontece em seu escritório na Faculdade de Economia de Sevilha.
Em setembro, ele se aposentará, e algumas prateleiras já estão começando a ficar sem livros. Uma pequena mudança enquanto o semestre continua. Ele chega apenas cinco minutos atrasado. Porque no final da aula, seus alunos queriam fazer-lhe uma consulta sobre outro tema: “Sobre o que acontecerá com as criptomoedas”.
O que aconteceu nos últimos dias?
O que aconteceu pode ser analisado em vários níveis. Numa perspectiva geral, é uma mudança de época em termos econômicos e estratégicos. O imenso poder dos Estados Unidos está sendo limitado por uma potência alternativa, a China. Isso desequilibra o estado das coisas. Numa perspectiva mais próxima, é o esgotamento de um modelo econômico e político que foi tremendamente bem-sucedido, mas altamente problemático. Benefícios para poucos, poder para uma parcela muito pequena da sociedade, mas também desigualdade, conflitos sociais, polarização e uma crise climática. Também provocou um aumento brutal da dívida, porque há processos financeiros em que a acumulação de dívida é um negócio. Há uma crise da globalização, porque se ela for entendida como um mercado único do mundo inteiro, não tem barreiras, e é uma globalização insegura. Estou falando de um ‘empacho’ de uma pequena parte da sociedade por esse sucesso.
E agora os Estados Unidos decidem romper com isso.
São a potência mais afetada. Não acho que Trump seja um louco que perdeu o juízo. Ele tem permissão para fazer loucuras porque é a isca para uma estratégia que é transformar os EUA novamente na fortaleza que deixaram de ser – econômica, militar e política –, mas em outros cenários. Antes era o guarda-chuva que cobria tudo, como uma mãe. Agora, um polo está surgindo em seu caminho, e precisa recuar, se reindustrializar, se financiar e transformar seus aliados em vassalos que não lhe custam mais do que lhes dão.
Quer dizer, uma estratégia ampla.
Estamos em um momento muito delicado. Seria um erro focar apenas no que vemos em primeiro plano, que é a guerra comercial, as ameaças e os insultos de Trump. Ele não é um louco. É um ignorante, um mal-educado, um empresário metido a político, mas está executando a mesma estratégia de Biden. De forma mais grosseira e bruta. A estratégia causará perturbações, mas tem vantagens para os Estados Unidos, especialmente porque acelera os processos.
Mas ele rompe com seus aliados.
Biden não rompeu quando sabotou o Nord Stream? Ele cometeu um ato terrorista contra seu principal aliado na Europa, a Alemanha. Não é surpresa que Trump faça a mesma coisa, só que ele faz isso de forma arrogante.
Este é o fim da globalização?
É o fim da globalização como a conhecemos, do neoliberalismo como o conhecemos, da unipolaridade dominada pelos Estados Unidos. Houve uma tentativa de bipolaridade, mas quando a URSS implodiu, os EUA continuaram sendo a única potência. A China será o outro polo, mas os EUA estão destruindo aliados. Kissinger disse certa vez: “Ser inimigo dos Estados Unidos é perigoso, mas ser seu amigo é muito pior”. Como eles não têm aliados, têm peões. E o dólar, como os estadunidenses costumavam dizer, “é a nossa moeda, mas o problema é seu”. O que os EUA estão fazendo é proteger seus interesses. Agora, se a União Europeia realmente se sente atacada e ameaçada, a primeira coisa que ela deveria dizer aos Estados Unidos é para tirar suas bases da Europa. Ninguém disse isso e ninguém vai dizê-lo.
Parece que estamos em uma época antiliberal. Um economista dessa tendência mais extrema, Juan Ramón Rallo, está chocado. Embora não seja menos verdade que esse protecionismo foi anunciado durante a campanha eleitoral.
Daniel Lacalle [economista espanhol gestor de investimentos] justifica Trump, mas o que ele está fazendo é injustificável. Ele é um valentão local defendendo seu negócio, e não há ideologia ou dissimulação. O neoliberalismo implicava protecionismo, concentração e ausência de concorrência, mas isso era disfarçado. Estamos vivenciando um esvaziamento das instituições democráticas, onde os EUA imporão seu império de uma forma diferente, até mesmo com uma dimensão diferente nos confrontos militares. Eles veem a guerra como uma opção real, mas sua economia não está organizada para isso.
Eles não vencem uma guerra há décadas porque não têm indústria. A Rússia, que muitos pensavam estar acabada, pode manter uma longa guerra não por causa de seu arsenal nuclear, mas porque tem indústria e sua economia se fortalece com a guerra, como aconteceu com os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Não estou dizendo que é bom ou o que deve ser feito. Os EUA perderam isso; não tem fornecimento de insumos, como chips, terras raras, produtos farmacêuticos. Os Estados Unidos importam 80% de seus medicamentos, muitos dos quais vêm da China. Isso é um problema, porque as farmacêuticas já disseram a Von der Leyen que talvez tenham que se mudar para os Estados Unidos.
Existem precedentes como esse para uma crise criada deliberadamente por uma instituição e tão repentinamente?
Os EUA têm experiência em gerar impactos que causam choque, não diria crise. Em 1971, suspenderam a conversibilidade do dólar em ouro. Foi fundamental porque a moeda que muitos países usavam como salvaguarda deixava de ter respaldo. Os Estados Unidos criam dinheiro simplesmente emitindo-o. Essa é a origem de tudo o que veio depois, porque os Estados Unidos se aproveitaram desse privilégio, pegando emprestado de graça e comprando o que queriam, gerando um déficit comercial, mas em favor de suas empresas. E na década de 1980, aumentaram brutalmente as taxas de juros para provocar uma crise e resetar o sistema, uma tabula rasa.
Mas talvez essas possam ser soluções que se antecipem ao problema. Mas não sei se houve uma necessidade de curto ou longo prazo de impor essas tarifas.
Sim, havia essa necessidade, porque os Estados Unidos estão perdendo terreno no mundo. Agora, precisam se concentrar em si mesmos. Leva tempo, mas a jogada de Trump pode dar certo, trazendo diversas empresas de volta aos Estados Unidos. O problema é que, a curto prazo, uma tabula rasa pode ser muito traumática. Para fazer uma omelete você precisa quebrar os ovos. Se você fizer a omelete, pode valer a pena. O problema é que se você não chegar a tempo de fazer a omelete, você terá quebrado os ovos em vão. Essa é a chave. Trump está fazendo as coisas do seu jeito, mas Biden não eliminou as tarifas de Trump. Ele até as aumentou para a China. Biden, em sua lei antiinflacionária, dizia que a autonomia estratégica dos Estados Unidos precisava ser restaurada. Ele realizou uma operação baseada em subsídios, em tarifas e em tarifas alfandegárias. A diferença é que Trump faz isso como um valentão. Uma pessoa mais educada, com maneiras diferentes, faria o mesmo, estou convencido.
Um Obama, por exemplo.
O Washington Post disse sobre o Obama que ele foi um protecionista, se rendeu ao capital, não conseguiu enfrentar a crise nem suas consequências, e isso trouxe Trump. Agora, Trump é um cirurgião que opera com um pedaço de vidro, é um bruto. Mas o importante é por que alguém decidiu que a cirurgia é necessária. Não sei se é assim que as coisas são ditas em uma entrevista, mas se esse cara fosse um louco e estivesse fazendo coisas contra os principais interesses globais e estadunidenses, ele teria levado três tiros. Não digo que mereça, toda vida humana deve ser preservada, mas essa é a maneira coloquial de dizer isso. É um erro pensar que ele é livre. É verdade que ele opera de forma brutal, sem anestesia, sem necessidade, e é uma barbaridade, mas só porque ele é incompetente não significa que não tenha sido decidido que o paciente precisa de cirurgia.
Uma crise está se aproximando?
Já estamos em crise. Se entendemos a crise como uma mudança de direção, estamos nela. Quando eu era estudante, quase nunca falávamos da palavra crise. Hoje em dia é tão comum que perdeu o sentido. Estamos em uma policrise, como dizia, climática, de dívida, industrial e comercial. Quando não é uma, é outra. Uma pessoa nascida em 2000 viveu uma crise após a outra. A mudança se acelerou, a velocidade de uma mudança que já vinha ocorrendo há algum tempo foi modificada. O que Trump está fazendo é em si uma crise porque muda a velocidade, a direção e cria uma perturbação significativa. Para onde isso vai? Difícil saber. A médio prazo, uma mudança de posições, sem dúvida. No curto prazo, haverá uma recessão nos Estados Unidos e provavelmente haverá aumento de preços na Europa... O capital está procurando um lugar, como os pássaros em debandada.
E quanto a essa teoria de que a crise foi provocada para fazer os investidores comprarem dívida e diminuir a dívida dos EUA?
No curtíssimo prazo, o superávit comercial é financiado. Em outras palavras, você pode financiar o déficit comercial, a dívida externa, mas, por definição, se as tarifas forem bem-sucedidas e você trouxer indústria e parar de ter déficit, como diz Trump, então você importará menos e haverá menos receita com tarifas alfandegárias. Portanto, os dois objetivos são contraditórios.
Mas é verdade que a dívida dos EUA pode servir como um porto seguro?
Sim, mas isso também vem através de outras vias. Isso também ocorre por meio de mudanças que estão ocorrendo no sistema financeiro, com a expansão das chamadas moedas estáveis, que hoje são quase totalmente referenciadas em dólares. No curto prazo, tarifas mais altas geram receita, mas se as tarifas forem projetadas para reduzir ao máximo a necessidade de importação, você não terá a mesma receita. São objetivos contraditórios. Além disso, ao aumentar os preços, você deteriora a economia. As consequências são muito incertas. Você está olhando para o curto e médio prazo, mas o impacto em diferentes setores será muito diferente. Também depende muito do que outras economias fazem, e isso não sabemos.
Ainda não podemos saber se haverá mais desemprego, se menos carros serão vendidos ou se menos turistas virão neste verão?
Não, porque algumas indústrias de exportação podem ser gravemente afetadas, mas estou absolutamente certo de que haverá um influxo de capitais para se instalar na Espanha, e especificamente na Andaluzia, atividades que podem ser lucrativas aqui, mas que não eram antes. Se não vale mais a pena ir ao Vietnã por causa de uma tarifa de 45%, e podendo estar melhor na Andaluzia, com salários mais altos, mas com pessoal mais qualificado, melhores comunicações e mais segurança, então talvez você se interesse... A longo prazo, a Europa também pode olhar para si mesma, e isso beneficiará a Andaluzia. Em 2019, escrevi que uma grande oportunidade estava chegando. Um requisito era que não houvesse o conflito exacerbado que existe hoje, que houvesse estabilidade. Embora essas condições não tenham sido atendidas, a Espanha está saindo melhor da crise pós-Covid, da crise inflacionária e da situação atual. E vamos continuar assim.