28 Outubro 2024
O artigo é de José Manuel Vidal, doutor em Ciências da Informação e licenciado em Sociologia e Teologia e diretor do Religión Digital, publicado por Religión Digital, 26-10-2024.
Acabei de ler (de forma superficial) o longuíssimo documento final do Sínodo e, no final, fiquei com um sabor agridoce. A verdade é que, à primeira vista, esperava muito mais. Percebo avanços significativos em termos de conscientização sobre o processo sinodal em que a Igreja se embarcou (sem possibilidade de volta?), mas, como sempre, tenho a sensação de que os pais/ mães sinodais ficam a meio caminho. Não concretizam. Não aterrisam.
Se, como dizia o profético cardeal Martini, estamos duzentos anos atrasados, a verdade é que o documento final do Sínodo não parece preencher essa lacuna. É evidente que o documento transparece um novo começo, um reinício, um reset da Igreja em chave sinodal. Esse novo começo é suficiente? O processo sinodal é um processo, mas, por se restringir a meras palavras, deveria se concretizar e dar passos sinodais desde o início.
Demasiado discurso, dirão alguns. Muitas explicações, muito contexto. É capaz o santo povo de Deus, envolvido na dura luta pela dignidade da vida cotidiana, de ler, entender e assumir um documento de 41 páginas? Por que não é divulgado, por que não é resumido, por que não se condensa e explica o essencial em duas ou três folhas? Só assim estará ao alcance das pessoas 'normais'.
Além das muitas explicações, numa primeira aproximação, parece que o documento tem "pouca substância". Me decepciona, sobretudo, o fato de que ainda não oferece respostas claras, concretas e diretas a três pendências da Igreja: a posição da mulher na instituição, a erradicação dos abusos e a quebra da espinha dorsal do clericalismo. Três fenômenos nos quais não há tempo a perder e em que a sociedade não dá trégua, ainda mais nesta época de aceleração constante.
Enquanto for clerical, a Igreja não pode ser evangélica, pois continuará sendo um domínio privado de uma elite, de uma casta clerical, que domina, impõe e controla. Existem pequenos sinais anticlericais, como a mudança dos conselhos paroquiais de consultivos para deliberativos, o fortalecimento das conferências episcopais, a implementação dos sínodos diocesanos ou a criação de um Conselho de Patriarcas em torno do Papa.
Medidas, na minha opinião, insuficientes para quebrar a espinha da praga clerical. Parece que caímos, novamente, no clássico gatopardismo eclesiástico. Pode uma Igreja essencialmente clerical deixar de ser clerical por si mesma, fazer harakiri consigo mesma?
Me decepciona enormemente a abordagem do tema dos abusos, sem uma denúncia clara e contundente do sistema de encobrimento vigente durante muitas décadas e, sobretudo, sem propor medidas concretas de reparação. "As vítimas devem ser recebidas e apoiadas com grande sensibilidade", diz o documento. E isso é tudo? Que vergonha!
E a mesma vergonha é gerada pela abordagem do tema da situação discriminatória, que é evidente, da mulher na Igreja. O documento suaviza a situação, reconhecendo que elas são parte fundamental da instituição e do seguimento do Mestre, mas não chega a tirar conclusões.
Dizem os sinodais que a mulher merece ocupar "papéis de liderança", mas nem sequer lhes abre completamente a porta do diaconato ministerial, que pretende deixar entreaberta, assegurando que "é necessário um maior discernimento". Para quê, por quê, se o clamor do santo povo de Deus pedia, em todas as assembleias sinodais, o acesso da mulher aos ministérios ordenados? Uma instituição tão estruturalmente machista continuará a cuspir na cara das mulheres.
Talvez não se possa ir além, para salvar a harmonia, o equilíbrio e a comunhão eclesial. Para que, na Igreja, continuemos cabendo todos, todos, todos. Mas dói esse ritmo tão lento, com o qual é difícil "superar resistências e abandonar rotinas". O clericalismo, ou se asfixia ou continuará agindo como bem entender. Alguns vivem muito bem, dependentes do báculo do poder e dos privilégios vitais, como para se submeter, por iniciativa própria, ao ritmo e ao processo sinodal. A esse passo, vocês estão me dando um prazo longo...
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Documento Sinodal: Sabor Agridoce. Artigo de José Manuel Vidal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU