16 Outubro 2024
"Caros Francesco e Severino, não se resignar ao silêncio é algo complexo. Era assim na década de 1950, era assim na década de 1990 e é assim também nos nossos anos 2020", escreve o teólogo italiano Andrea Grillo, publicado no blog Come Se Non, 13-10-2024.
Caros Severino (Dianich) e Francesco (Cosentino), no debate inaugurado por Severino, e no qual entraram também Marcello (Neri), Andrea (Grillo) e até 2 Giuseppe (Villa e Guglielmi), acho útil comparar o texto inicial, escrito por um teólogo de 90 anos, e este último de Francesco, que tem 45 anos. Estamos diante das reflexões de teólogos, sendo que o primeiro poderia ser o avô do segundo. No meio estão os outros participantes, cujas idades variam entre os 50 e 60 anos. Estou escrevendo para vocês porque, na verdade, sinto que são meus “pais” e meus “filhos” e, por isso, sentindo-me gerado pelos primeiros e, de certa forma, gerador dos segundos, carrego comigo e sobre mim a responsabilidade que cabe às “gerações do meio”.
Uma primeira coisa chama bastante a minha atenção: a coragem com que Severino faz do silêncio uma forma de “traição”, e a prudência com que Francesco tende a justificar o silêncio quase como um destino. Gostaria de fotografar a sua posição com uma breve citação de cada um de seus escritos. Você Severino escreve que também o teólogo deve sentir “o espinho no lado daqueles que ‘são pagos para pensar’, [...] ou seja, daqueles que têm o ofício de produzir e manter viva a consciência crítica de um povo”.
De forma bem diferente, Francesco, você escreve: “No entanto, continua sendo uma contradição invocar a voz dos teólogos enquanto o próprio contexto em que eles operam corre o risco de silenciá-los ou os incentiva ao mutismo”.
Aqui me parece que um confronto franco e direto entre as duas posições possa ser necessário e se possa analisar os “anos de formação”. Se sairmos de uma representação abstrata das biografias e olharmos em que épocas vocês foram formados como teólogos, descobriremos que você, Severino, estudou teologia no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, enquanto você, Francesco, estudou no final dos anos 1990 e 2000.
Esse fato involuntário deu a Severino uma identidade de teólogo diferente daquela de Francesco, mesmo dentro da continuidade da mesma Igreja Católica. O que aconteceu? Por que, para Severino, o silêncio parece uma culpa, enquanto para Francesco parece um destino? Acredito que para interpretar essas suas palavras, em sua diversidade, seria útil considerar o que aconteceu com a teologia católica nos 60 anos após o Concílio. Vou apresentar isso com duas expressões:
a) as pretensões do magistério cresceram desmedidamente
b) o teólogo pôde se entender como um funcionário
Essas duas tendências estão ligadas a uma possível, mas não necessária, recepção do Concílio Vaticano II e daquilo de mais original que o Concílio doou à Igreja Católica: ou seja, uma inédita extensão do Magistério conciliar e papal a toda a experiência eclesial.
Os 16 documentos daquele Concílio, de fato, ampliaram desmedidamente aquele “magistério negativo”, que durante séculos caracterizou a palavra magisterial. O fato de ter sido escolhido, por tantas boas razões que se impuseram à assembleia conciliar em 1962-1965, cobrir toda a experiência cristã com grandes textos, sem nenhuma definição dogmática e sem nenhum cânone de condenação, habilitou o Magistério pós-conciliar a falar literalmente de tudo e fazê-lo “em positivo”, isto é, não no registro da “condenação de proposições errôneas”, mas naquele de “afirmações de proposições vinculantes”. Essa virada, que é realmente disruptiva, se desenvolveu desde os anos 1980, progressivamente transformando profundamente a ideia do magistério.
Nesse ínterim, com o novo Código de Direito Canônico, estavam sendo estabelecidas as premissas para uma releitura também da tarefa da teologia. À qual era deixada, já em 1983, apenas uma alternativa drástica e dramática: o comentário do magistério como fonte do conhecimento eclesial ou ficar em silêncio. A questão do silêncio dos teólogos, e de sua possível traição, tornou-se, desde 1983 e depois com numerosos outros textos magisteriais na última década do segundo milênio, uma “instância institucional”. Disso podemos tomar ciência ou ficar escandalizados.
Caros Severino e Francesco, quis descrever brevemente a história da relação entre liberdade e vocação eclesial do teólogo para identificar, institucionalmente, a origem histórica de uma diferença tão grande em suas palavras. Não me surpreende que Severino se rebele ao silêncio: ele aprendeu na escola que o teólogo, nas devidas formas, deve falar, mesmo quando tudo o aconselharia a se calar. Por outro lado, Francesco aprendeu na escola a lógica do silêncio. É por isso que àquilo que você, Severino, sente como traição, Francesco sente quase como um dever, e o que você, Francesco, chama de “contradição”, Severino define como “falta de coragem”.
Severino, talvez você tenha escrito o seu texto às vésperas da Segunda Assembleia do Sínodo dos Bispos justamente para fazer uma solicitação aos teólogos para que não se refugiem no silêncio. Os comentários de Marcello e Giuseppe, assim como o meu, parecem-me ter ido nessa direção. As palavras de Francesco, no entanto, nos ajudam a entender que há uma maneira de fazer teologia que aprendeu, nos bancos de estudo, o silêncio como uma tarefa. Sua frase final, Francesco, parece-me reveladora. Você conclui da seguinte forma: “A menos que se queira simplesmente apostar na inclinação, na liberdade de pensamento e na paixão pessoal de cada teólogo, uma aposta que, no entanto, parece excessivamente otimista”.
Inclinação, liberdade de pensamento e paixão, em seu texto, parecem vir quase de fora, não serem o fruto da formação, serem indiferentes ou, talvez, até suspeitas para a Igreja. Com Severino, parece-me ter que recordar esta sua instância: “Ninguém no Povo de Deus, mais do que os teólogos, deve sentir-se responsável por elaborar e manifestar o próprio juízo e abrir debates à altura das próprias competências, sobre o que está acontecendo em nosso tempo”.
Caros Francesco e Severino, não se resignar ao silêncio é algo complexo. Era assim na década de 1950, era assim na década de 1990 e é assim também nos nossos anos 2020. Mas acredito que, também graças ao confronto que emergiu desse debate, devemos pedir que a função da teologia e a formação que leva ao seu exercício possam ajudar a Igreja a entender que:
a) o Magistério nunca se sobrepõe totalmente ao saber eclesial e às suas práticas: há uma proeminência da Palavra de Deus e da experiência dos homens (GS 46) que não se deixa domar apenas pelo silêncio;
b) o teólogo deve ajudar os pastores a honrar a tradição com evidências e novos argumentos: isso tem um preço, às vezes até alto, mas que faz parte do “ministério ordinário” e não se limita às “virtudes heroicas” de mártires da teologia.
Precisamente sobre os temas mais candentes da nossa atual situação eclesial e civil (as formas do ministério, as instituições do sentimento, a construção da fraternidade e a valorização da diferença), a “mudança de paradigma” certamente requer muito silêncio, muita meditação, mas igualmente confronto e muitíssima argumentação, aberta e sincera, assim como vocês fizeram nestas páginas de SettimanaNews.
Francesco 14 de outubro de 2024
Será cada vez mais difícil para os teólogos católicos falar de Deus em um contexto cultural em que Deus é agora marginal e insignificante. Marginal, por outro lado, não é a busca de tantas pessoas em nossas realidades eclesiais para chegar a percursos espirituais desvinculados da ortodoxia oficial e, portanto, infelizmente, tachados de um perigoso sincretismo. Haverá um retorno a Michel de Certeau em 2025, por ocasião do 100º aniversário de seu nascimento, e já estão sendo realizadas conferências. Para o jesuíta francês, a vida da Igreja procede por descontinuidades e fraturas e se deveria inserir onde a história nos mostra as fissuras, as fraturas, as falhas. Como afirmava Elmar Salmann: “A abordagem de De Certeau em relação à modernidade não é a costumeira choradeira eclesiástica sobre a secularização; ao contrário, ele aceita o desafio posto pela contemporaneidade”. É esse o estilo dos teólogos votados ao mutismo?
Paolo Gamberini 14 de outubro de 2024
O discurso sobre “Deus” dos teólogos “acadêmicos” e das instituições “eclesiásticas” é mudo e irrelevante. Mas a sociedade civil mantém um diálogo frutuoso e interessante com aqueles que, na sociedade, na igreja ou às margens dela, não falam “teologuês”, mas apontam para o Mistério em cada “pedacinho” da realidade. Em outros lugares, as pessoas estão buscando e encontrando aquilo sobre o que a teologia tem falado até em demasia.
Chiara 13 de outubro de 2024
A teologia, como todas as ciências humanísticas, precisa de liberdade de investigação para progredir. Na Itália, o pensamento teológico está asfixiado porque estão asfixiadas as instituições nas quais os teólogos trabalham, que devem ser “aprovados” e certificados pela hierarquia. Não há novas frentes de pesquisa, apenas muitos limites intransponíveis... a quem interessa uma reflexão que não progride, que não busca novos caminhos?
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A teologia e o silêncio instituído no pós-concílio: carta aberta a dois colegas. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU