10 Agosto 2023
"Uma leitura dos 'sinais dos tempos' que tem as suas raízes numa tendência "católico-pacifista" que se desenvolveu na segunda metade dos anos 1900 e chegou até hoje, o que surpreende por sua atualidade. É por isso que os escritos de alguns desses autores foram reproduzidos em edições críticas, capazes de oferecer novas chaves interpretativas", escreve Luca Kocci, jornalista, em artigo publicado por Il Manifesto, 09-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Terceira Guerra Mundial em pedaços" é a expressão com que o Papa Francisco descreve a soma dos conflitos espalhados pelo mundo. Uma leitura dos "sinais dos tempos" que tem as suas raízes numa tendência "católico-pacifista" que se desenvolveu na segunda metade dos anos 1900 e chegou até hoje, o que surpreende por sua atualidade. É por isso que os escritos de alguns desses autores foram reproduzidos em edições críticas, capazes de oferecer novas chaves interpretativas. Assim, Castelvecchi publica uma pequena antologia dos textos mais significativos do padre David Maria Turoldo - ensaios, poéticos, "visionários" - sobre o tema da paz, uma utopia às vezes geradora de divisão, mas que "faz o mundo avançar" (Cercate la pace [Busquem a paz], organizado por Luigi Giario, pp. 120, 12,50 euros). Também segue o formato de antologia La pace Adesso o mai più [A paz, agora ou nunca mais], que reúne dez intervenções de Dom Primo Mazzolari em Adesso, o periódico fundado pelo pároco de Bozzolo que lhe causou os primeiros atritos com as autoridades eclesiásticas (organizado por Bruno Bignami e Umberto Zaniboni, Edb, pp. 100, 15 euros).
“Não vamos discutir as razões da defesa, nem deste nem daqueles. Vamos apenas dizer que a fatalidade da guerra a fabricamos assim, julgando-nos honestos, paladinos da justiça, morrendo pela justiça. Todos cruzados”, escrevia Mazzolari em 1959. “Muitas situações descritas são análogas a acontecimentos contemporâneos, repetem-se na história – comentam os curadores -. Muitas críticas à corrida aos armamentos também servem para o presente. Os destinos dos povos estão fortemente ligados entre si. As guerras matam e aumentam as desigualdades. São fábricas de pobreza. Apresentam a conta salgada aos últimos, vítimas inocentes das violências dos fortes".
Sempre pela Edb – marca histórica dos religiosos dehonianos, falida e revitalizada por um grupo editorial, Il Portico, dirigido por Alberto Melloni – publica Duecento lettere di don Lorenzo Milani [Duzentas cartas de dom Lorenzo Milani] escolhidas por Adele Corradi (colaboradora histórica de Milani em Barbiana), José Luis Corzo e Federico Ruozzi (págs. 416, 32 euros). Não são textos inéditos – todo o epistolário de mais de mil cartas está reunido no segundo volume do Meridiano Mondadori de Todas as obras de Milani editado por Sergio Tanzarella e Anna Carfora - mas uma seleção significativa de cartas públicas e privadas para conhecer em profundidade o pensamento e a obra de um dos padres do pacifismo católico italiano.
O texto de Giuseppe Dossetti “Finché ci sia tempo”. Pace, guerra e responsabilità storiche a partire da Monte Sole [Enquanto houver tempo” Paz, guerra e responsabilidades históricas a partir de Monte sole] contém uma reflexão sobre as responsabilidades da história, e nasceu como uma introdução ao Querce di Monte Sole de Luciano Gherardi (Il Mulino, 1986) e agora republicado independentemente pela Zikkaron editado por Fabrizio Mandreoli (pp. 168, euro 12).
A primeira coisa a fazer “é o empenho por uma lúcida consciência histórica e, portanto, recordar, prestar testemunho correto dos acontecimentos”, escreve Dossetti. Nem sempre ajuda a evitar a repetição dos erros do passado, mas serve para interpretar o presente: Dossetti, por exemplo, explica Enrico Galavotti, autor de um dos ensaios do volume, era contra a adesão da Itália à OTAN, não por pacifismo, mas porque assim a Itália renunciava a ter uma política externa, assumindo "acriticamente a ideia de um Ocidente fundado na democracia que se contrapunha a um Oriente enfeudado pelo totalitarismo comunista, quase como se estivesse em curso um choque entre o bem e o mal" e "repropondo as mais antigas estratégias de dominação de uns sobre os outros".
Estratégias que constituem os precedentes das guerras do novo milênio. Raniero La Valle, que foi "discípulo" de Dossetti, explica bem isso em seu último livro: Leviatani, dov’è la vittoria? Tornino i volti, disimparare l’arte della guerra [Leviatãs, onde está a vitória? Que retornem os rostos, desaprender a arte da guerra} (Emi, pp. 252, euro 18). Título bíblico - o Leviatã é um monstro demoníaco símbolo da destruição e do caos - para um volume que percorre o século XX em busca das raízes da guerra, tendo sempre presente o sonho da paz. “Armas à Ucrânia, sanções à Rússia, portos fechados aos náufragos”, escreve La Valle: “Voltemos a chamá-los de Leviatãs, esses Estados soberanos, e tornemos soberanos os povos, as constituições e a paz”.
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Pacifismo católico, trajetórias e perfis. Artigo de Luca Kocci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU