05 Fevereiro 2024
Não é uma autobiografia, mas um livro de memória e memórias. Páginas que se sucedem contando oitenta anos de vida depois de ter atingido o uso da razão. Um livro único (“Troppo breve il mio secolo”, Breve demais o meu século, em tradução livre, publicado pela San Paolo), que acompanha a história do século XX lida pelo olhar atento e perspicaz de um grande teólogo, Dom Severino Dianich. Apaixonado pela arte, testemunha do Concílio Vaticano II, hoje comenta: “O Senhor é capaz de fazer nascer repentinamente algo novo.
Troppo breve il mio secolo. Cose vissute
Na história da Igreja houve momentos de crise piores que o nosso tempo, mas o caudal subterrâneo, a força do Evangelho, a certa altura, rompe a crosta e emerge. Temos exemplos de pessoas maravilhosas, devemos agradecer ao Senhor e trazer um pouco de coragem para que todos, na medida do possível, façam a sua parte para melhorar o mundo”.
A entrevista com Severino Dianich é de Chiara Genisio, publicada por Vita Pastorale, fevereiro de 2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dianich, como testemunha do Concílio, de que forma o senhor vê a Igreja daquele tempo e a Igreja de hoje?
A Igreja da época conciliar foi um fenômeno bastante singular, porque quase de repente houve uma convergência de diferentes fatores, tanto internos à Igreja como dentro da cultura do momento, que determinaram uma explosão de criatividade. Houve quem na época já tivesse observado a convergência em nível mundial de três grandes personalidades inovadoras: o Presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy, o Papa João XXIII e o Secretário do Partido Comunista Soviético Nikita Kruschev.
Foi uma época mágica de trinta anos, que gradualmente se arrefeceu. A Igreja das últimas décadas é, como de resto a sociedade civil em todo o mundo, mais pobre em novidade e em espírito criativo. Para a Igreja há um fenômeno que surge com muita força: uma crise de fé generalizada e notável em países de antiga tradição cristã. Não se trata mais apenas de uma questão de diminuição da prática religiosa, mas também da fé, especialmente entre os jovens da última geração.
Montini em 1962 se perguntava: “O que é a Igreja? O que faz a Igreja?”. Hoje o que o senhor responde?
Só posso responder, como então, que a Igreja é desejada por Jesus Cristo porque a sua memória e a sua missão se perpetuem no mundo e os homens encontrem na Igreja um lugar de comunhão, de salvação diante de Deus. O que me parece que o Concílio ainda não tinha presente, e que agora está se tornando preponderante, é a necessidade de voltar ao coração da sua missão, isto é, à difusão da fé. Hoje está emergindo cada vez mais o problema central da Igreja, que é poder preservar no mundo a fé em Jesus e poder torná-lo conhecido e difundido.
O senhor conta que antigamente os teólogos animavam debates também por meio dos jornais, hoje, pelo contrário, raramente estão presentes.
O Concílio foi um grande motor, por isso até os ambientes culturais seculares foram provocados por ele. Isso alimentava o debate. E a abertura da Igreja ao diálogo o favorecia. O aparecimento de um novo pensamento teológico em cena provocou um interesse pela cultura secular, que se manifestava com uma presença nos meios de comunicação muito mais significativa do que hoje. Isso durou enquanto o impulso inovador também dentro da Igreja Católica foi forte. Há uma responsabilidade por isso também por parte da teologia. Nas últimas décadas, estão sendo realizados excelentes trabalhos, mas quase de nicho. Parece-me que na teologia italiana há uma menor capacidade de afetar a realidade.
Entre as datas que marcaram a sua vida, qual nunca esquecerá?
É muito difícil para mim responder. Do ponto de vista pessoal de padre, confesso algo que pode surpreender: na minha memória teve um impacto muito maior o dia em que me tornei pároco do que o dia da minha ordenação sacerdotal. Porque a ordenação te torna padre, mas de quem? De todos e de ninguém. Mas assumir a responsabilidade por uma comunidade é semelhante a um casamento.
Após a declaração de Mussolini, a guerra lhe interceptou diversas vezes. Em Jerusalém, escapou por pouco de um atentado. Perante a guerra que nos rodeia, o que podemos fazer?
Tenho uma sensação de desolação pelo fato que o homem não aprende com a história, porque afinal as guerras de hoje têm diferentes instrumentos para matar e ser mortos, mas a lógica continua sendo aquela da pré-história: você me bateu, eu revido e vamos ver quem ganha. Não há nada de novo. Quando estourou a guerra na Ucrânia, e também essa em Israel, o que me causou, dia após dia, um sentimento de indignação foi a forma como as mídias apresentavam muitas vezes os seus horrores, como se fossem uma exceção que não deveria acontecer durante um conflito.
A realidade é que isso é guerra, e sempre foi. Estupros, populações assoladas pela fome, crianças mortas... Não existe outra guerra. E isso deve ser dito aos jovens que se iludem pensando que essas guerras são feias porque há beligerantes particularmente maus, mas não é isso. É muito perigoso pensar que exista uma guerra justa ou boa.
O livro termina com um olhar de esperança sobre o amanhã...
A indomabilidade da esperança cristã, a crise levará a Igreja a um empobrecimento do seu grande aparato de estruturas, mas para redescobrir a sua verdadeira alma que é o Evangelho.
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Uma época mágica está no fim. Entrevista com Severino Dianich - Instituto Humanitas Unisinos - IHU