31 Julho 2024
"De acordo com os médicos estadunidenses, com apenas algumas exceções, todos em Gaza estão doentes, feridos ou ambos. Isso inclui todos os agentes humanitários nacionais, todos os voluntários internacionais e, provavelmente, todos os reféns israelenses: homens, mulheres, jovens e idosos", escreve Francesca Mannocchi, jornalista e documentarista italiana, em artigo publicado em La Stampa, 30-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O cenário descrito pelas poucas organizações humanitárias que permanecem no campo na Faixa de Gaza é assustador. Ajudas insuficientes que levaram a um nível de desnutrição nunca visto. Um grupo de especialistas independentes da ONU divulgou um relatório afirmando que "o bloqueio marítimo, aéreo e terrestre do exército israelense, além dos bombardeios, está causando uma carestia intencional". Disseminação de poliovírus, icterícia, hepatite, diarreia e sarna.
Presidente Biden, gostaríamos que o senhor ouvisse os pesadelos que afligem tantos de nós desde que retornamos: sonhos de crianças mutiladas e mutiladas por nossas armas, e suas mães inconsoláveis implorando para que as salvemos. Gostaríamos que você ouvisse os gritos e os berros que as nossas consciências não nos deixarão esquecer.
Na semana passada, quarenta e cinco cirurgiões, médicos de pronto-socorro e enfermeiros estadunidenses que trabalharam como voluntários em Gaza nos últimos meses escreveram uma carta aberta de oito páginas para o presidente Joe Biden, sua esposa e para a vice-presidente Kamala Harris. Eles denunciam que o número real de vítimas é muito maior do que o relatado até o momento (39.000 vítimas até hoje) e pedem que os EUA retirem o apoio diplomático e suporte militar a Israel para que finalmente se possa obter um cessar-fogo e parar o "maciço tributo humano do ataque israelense a Gaza, e em especial aquele de mulheres e crianças".
"Nenhum de nós apoia os horrores cometidos em 7 de outubro por grupos armados palestinos e indivíduos em Israel", escrevem os médicos, que pedem, no entanto, que os Estados Unidos suspendam todo apoio, além de um embargo internacional a Israel e a todos os grupos armados palestinos, pois nunca antes nenhum deles havia enfrentado uma catástrofe em tal escala.
Mark Perlmutter, cirurgião ortopédico, escreve que, pela primeira vez em Gaza, segurou na mão o cérebro de uma criança. Um cirurgião de terapia intensiva, Feroze Sidhwa, escreve que nunca viu ferimentos tão horríveis em escala tão maciça, sem instrumentos. Mulheres que deram à luz por cesariana sem anestesia. Crianças que nasceram saudáveis e morreram de fome porque não havia leite artificial, nem água para alimentá-las.
De acordo com os médicos estadunidenses, com apenas algumas exceções, todos em Gaza estão doentes, feridos ou ambos. Isso inclui todos os agentes humanitários nacionais, todos os voluntários internacionais e, provavelmente, todos os reféns israelenses: homens, mulheres, jovens e idosos. Além disso, adverte a carta, o deslocamento repetido de dezenas de milhares de pessoas desnutridas, sem água corrente e sem serviços higiênicos está favorecendo a disseminação de epidemias. Em 16 de julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que o poliovírus de tipo 2 derivado da vacina havia sido identificado em seis locais em amostras de esgoto coletadas no mês passado de Khan Younis e Deir Al-Balah, duas cidades de Gaza agora reduzidas a escombros. Ainda de acordo com a OMS, desde 7 de outubro, mais de 100.000 pessoas contraíram a síndrome da icterícia aguda, ou suspeita de hepatite A, e há quase um milhão de casos de infecções respiratórias agudas, meio milhão de casos de diarreia e 100.000 casos de piolhos e sarna.
O cenário descrito pelas poucas organizações humanitárias que permanecem em campo na Faixa de Gaza é assustador. Ajudas insuficiente levaram a um nível de desnutrição nunca visto. Em 9 de julho, um grupo de especialistas independentes da ONU divulgou um relatório afirmando que "o bloqueio marítimo, aéreo e terrestre do exército israelense, além dos bombardeios, está causando uma carestia intencional".
Enquanto isso, a entrega de ajudas se tornou efetivamente impossível: desde o início de maio e o fechamento da passagem de Rafah na fronteira com o Egito, a passagem de Kerem Shalom se tornou o principal ponto de acesso, mas os caminhões que entram são uma fração mínima em comparação com os 500/1000 diários que a Faixa precisaria para lidar com a fome. Em junho, entraram apenas 80 por dia.
O píer estadunidense que deveria servir de ponte para o corredor humanitário do Chipre não está funcionando e será desativado. Desde sua instalação em maio, que custou 230 milhões de dólares, o píer foi parcialmente destruído. Enquanto isso, as pessoas estão morrendo de fome e somente aqueles que podem pagar quantias exorbitantes podem comer.
Trinta dólares por uma caixa de ovos, vinte dólares pelo leite em pó. Vinte também para o xampu, para aqueles que precisam se lavar depois de meses. Aqueles que não podem pagar (a grande maioria) trocam o pouco que lhes resta, ou que conseguiram tirar dos escombros. Roupas, objetos e, para os sortudos, uma joia.
Desde 9 de julho, o dia em que o relatório sobre a fome foi divulgado, o exército israelense emitiu várias ordens de evacuação. Pessoas que já haviam sido deslocadas seis, sete, dez vezes, tanto do norte quanto do sul do país, foram obrigadas a se deslocar novamente de áreas que o próprio exército israelense havia identificado como zonas seguras. Há três dias, o exército israelense anunciou uma ordem de evacuação para a cidade de Khan Younis, no sul do país, apenas um dia depois de a ONU ter declarado que mais de 190.000 pessoas já haviam sido deslocadas naquela área em apenas quatro dias.
Isso ocorre apenas poucas semanas depois que milhares de pessoas foram obrigadas a fugir de Khan Younis oriental e de Rafah. Na segunda-feira passada, o exército israelense tinha publicado uma nova ordem no X para os residentes de Khan Younis se deslocarem para a zona de evacuação de al-Mawasi. Ordens que são transmitidas por meio de sms e telefonemas em uma área onde falta eletricidade, e mais ainda conexão telefônica, praticamente em todos os lugares. Menos de uma hora depois, Israel lançou um ataque contra a área, matando, de acordo com os médicos de Gaza, pelo menos 70 pessoas.
Antes da ordem de evacuação, aquela área também era considerada segura.
Em 13 de julho, aviões de guerra israelenses atacaram al-Mawasi, matando 90 pessoas e ferindo 300 deslocados palestinos. Dois outros ataques ocorreram no final de junho e, antes disso, um em maio e outro em fevereiro.
"Definir as ordens de 'ordens de evacuação' não presta justiça ao que elas significam", disse Juliette Touma, diretora de comunicações da Unrwa: "Trata-se de ordens de deslocamento forçado. Um milhão e oitocentos mil palestinos estão agora na zona segura designada, mas a cada evacuação, o espaço para as chamadas áreas seguras está ficando cada vez mais reduzido. Somente nas últimas semanas, se reduziu em 15%.
Isso significa mais pessoas em menos espaço, sem banheiros, sem água, sem alimentos, sem medicamentos, cercadas por lixo, vírus e morte, com o risco de serem deslocadas mais uma vez. Sem um lugar realmente seguro para se refugiar.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Fome e poliomielite" As epidemias em Gaza. Artigo de Francesca Mannocchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU