23 Julho 2024
"Umm al-Khair é uma pequena comunidade de pastores beduínos. Sua história é um retrato da história palestina: os beduínos que a fundaram eram refugiados de 1948, forçados pela Naqba (a catástrofe do deslocamento forçado no final da guerra árabe-israelense) a deixar suas casas para se estabelecerem em outro lugar", escreve Francesca Mannocchi, jornalista e documentarista italiana, em artigo publicado em La Stampa, 02-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há duas semanas, as mulheres de Umm al-Khair estavam preparando o almoço em uma das tendas da comunidade quando ouviram gritos de socorro.
Uma delas, Samira, correu para fora e viu seu irmão de 16 anos deitado no chão, cobrindo os olhos e se debatendo. Ele estava gritando que não conseguia mais enxergar. À sua frente, de pé e armado, estava Shimon Attia, um colono que vive em um posto avançado ilegal não muito distante, conhecido em todo o vale por sua violência.
Ao seu lado, dois outros colonos seguravam o spray de pimenta com o qual haviam atacado o irmão de Samira no rosto.
Ao ouvir os gritos cada vez mais altos, as outras mulheres da comunidade também saíram de seus barracos e tendas, queriam proteger Samira e, em vez disso, também foram atacadas. Os três colonos começaram a bater nelas com paus, depois um deles arrastou uma mulher idosa para dentro da barraca e jogou spray de pimenta em seu rosto também. Com o passar dos minutos, aos gritos das mulheres se juntaram aos das crianças que, nesse meio tempo, tinham saído pelas ruas de terra do vilarejo.
Esse foi apenas o último de uma longa série de ataques sofridos pelos beduínos de Umm al-Khair, que culminou com a demolição de onze estruturas no final de junho. Em 26 de junho, os colonos, armados e vestidos com uniformes militares, cercaram o vilarejo de Umm al-Khair e começaram a demolir as estruturas em que os beduínos viviam.
Desde então, 40 pessoas, incluindo 30 crianças, não têm mais onde morar. Enquanto as escavadeiras israelenses derrubavam barracas e casas, móveis e até mesmo o encanamento de água, os colonos do assentamento vizinho de Carmel, que fica a poucos metros da comunidade, desceram perto das redes que os separam dos palestinos e aplaudiram os soldados. Entre eles, também dezenas de crianças. Batiam palmas, dizendo: "Mais, mais. Derrubem tudo".
Três dias após as demolições, em 29 de junho, Shimon Attia e os outros colonos apareceram armados novamente. Eles invadiram os barracos, obrigando as mulheres a lhes servir bebida. Diante da raiva das mulheres e do choro das crianças, Shimon Attia saiu para a rua e começou a atirar para o alto, enquanto os outros dois, mais uma vez, espancavam as mulheres.
Quando, três horas mais tarde, uma ambulância finalmente conseguiu chegar a Umm al-Khair, os colonos tentaram bloqueá-la enquanto Shimon Attia, brandindo seu fuzil, gritava: "Levem-nas direto para a cova". O objetivo desses ataques é claro: tornar insustentável a vida para os palestinos nesses vilarejos rurais, a fim de forçá-los a ir embora. Quanto mais cedo eles saírem, mais cedo os colonos poderão adquirir as suas terras.
Umm al-Khair é uma pequena comunidade de pastores beduínos. Sua história é um retrato da história palestina: os beduínos que a fundaram eram refugiados de 1948, forçados pela Naqba (a catástrofe do deslocamento forçado no final da guerra árabe-israelense) a deixar suas casas para se estabelecerem em outro lugar. O outro lugar que lhes coube foi rebatizado de Umm al-Khair, o bom lugar. Fica na encruzilhada dos vales onde, durante décadas, eles pastorearam ovelhas e cabras, na lenta e produtiva vida cotidiana dos pastores. Umm al-Khair também é um dos lugares onde o efeito da expansão dos assentamentos ilegais é mais claro.
Em 1980, a apenas alguns metros da comunidade, foi fundado o assentamento de Carmel. Primeiro, o Estado de Israel adquiriu o terreno para destiná-lo à construção de uma base militar, depois a base foi transformada em um assentamento residencial que, mês após mês e ano após ano, continuou a pegar a terra ao redor da aldeia beduína. Assim, hoje, quarenta anos depois, foi expropriada metade da terra em que Umm al-Khair foi originalmente estabelecida.
Hoje, Carmel, um lugar descrito como "um oásis verde que se assemelha a um bairro estadunidense", ocupou todo o espaço ao redor dos beduínos, que estão efetivamente cercados por três lados. Os colonos recebem licenças de construção que são impossíveis de serem obtidas pelos palestinos. Assim, hoje, os colonos, que construíram um enorme galinheiro do outro lado de Umm al-Khair, podem levar a rede elétrica da colônia para as fazendas, enquanto os beduínos no meio vivem no escuro.
"As galinhas têm mais direitos do que nossas crianças", dizem todos aqui. E, de fato, é verdade. As fazendas dos colonos têm luz e água, Umm al-Khair não.
Os colonos não estão próximos, estão grudados. A distância entre a última tenda e a primeira casa de Carmel é de poucos metros.
De um lado da cerca está uma comunidade sem água, sem eletricidade, sem ruas, do outro lado estão os chalés dos colonos, postes de luz, gramados, quadras para as crianças, brinquedos, estradas. Os beduínos podem ouvir os colonos conversando. Os colonos também.
Em 2022, a Suprema Corte israelense decidiu destinar a zona de tiro 918, uma área onde a comunidade beduína está localizada de acordo com as instituições de Tel Aviv, para o treinamento das forças armadas. O efeito imediato dessa decisão é que as comunidades palestinas podem ser destruídas e seus habitantes, deslocados. De acordo com a lei israelense, mas não de acordo com o direito internacional.
A desconexão entre a lei israelense e o direito internacional é cada vez mais evidente. Basta ler as últimas decisões de Tel Aviv e as declarações dos ministros.
Há um mês, a Administração Civil do exército israelense cedeu outra parte do controle dos assentamentos ao escritório administrado pelo Ministro das Finanças Bezalel Smotrich, membro da ultradireita sionista, ele próprio colono e grande defensor da anexação dos territórios palestinos.
Orit Stroock, ministra israelense para os assentamentos e ela também colona de Hebron, no mês passado falando aos residentes do recém-legalizado posto avançado de Givat Hanan, disse: "Enquanto este governo estiver no poder, viveremos um período milagroso. O que está acontecendo é um milagre. Sinto-me como se estivesse em um semáforo e o sinal estivesse verde".
Um sinal verde para a anexação ilegal, apesar do fato das Convenções de Genebra e do direito internacional afirmarem claramente que os ocupantes não devem e não podem se estabelecer às custas dos ocupados. Até mesmo a Suprema Corte israelense, em 2005, tinha reiterado esse princípio, mas ninguém fez nada para impedir a expansão dos assentamentos. Assim, nos últimos 14 anos, o número de colonos aumentou em 34%. Hoje são 750.000.
Umm al-Khair tornou-se, ao longo dos anos, um ponto de referência do ativismo não violento dessa parte da Cisjordânia.
Um dos homens que dedicou sua vida à luta pelos direitos civis dos palestinos foi Haj Suleiman. Foi ele e seu irmão que fundaram a comunidade em 1948 e, com o tempo, Suleiman se tornou um dos homens mais respeitados da região. Era analfabeto e nunca terminou a primeira série, trabalhando como pastor com seu pai desde a infância. Diante de qualquer abuso, ele reagia pacificamente. Sentando-se na frente de escavadeiras, organizando marchas de protesto. Aprendeu a falar hebraico para poder se confrontar com os colonos e o exército israelense. Há dois anos, um caminhão reboque da polícia israelense invadiu Umm al-Khair para destruir barracos e o atropelou enquanto ele tentava bloqueá-los pacificamente. Apenas com a presença de um corpo idoso na frente de um veículo que teria destruído a sua casa. De acordo com uma declaração do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Unocha), o caminhão reboque "passou por cima dele arrastando seu corpo por vários metros sem parar", os soldados israelenses atiraram para o ar para dispersar a multidão que protestava e depois se retiraram deixando seu corpo no chão, sangrando.
Do seu funeral, nos vales ao redor do vilarejo, participaram 15.000 pessoas. Após sua morte, os outros beduínos desenharam um mural no contêiner que abriga o conselho do vilarejo. Nele está escrito: "Nunca deixaremos Umm al-Khair". Hoje, quem mantém as linhas do ativismo não violento é seu neto Tariq. Ao anoitecer, ele caminha pelas ruas ao redor da comunidade. O colono Shimon Attia está lá, com seu rebanho e armado. As crianças correm para os barracos assim que o veem. Tariq espera sentado em uma pedra, quer proteger com sua simples presença o mukhtar (responsável) da comunidade, que espera o sol se pôr todas as noites para passear em suas terras.
O mukhtar passa perto de Shimon Attia, vira-se para ele e acena com a cabeça. Como se dissesse "boa noite". O colono o ignora.
A noite cai sobre as pedras e o medo de Umm al-Khair. As luzes dos lampiões se acendem nas ruas da vizinha Carmel. As crianças descem para brincar na temperatura mais fresca. A poucos metros de distância, crianças beduínas ficam no escuro, os pés descalços sobre as pedras, entre os escombros de suas casas destruídas.
Tariq diz que está cada vez mais difícil ficar, mas que não há alternativa. O que mais o aflige é o "por quê" repetido por sua filha de oito anos, que mora em um barraco a menos de vinte metros da primeira casa dos colonos. "Por que estão fazendo isso conosco?" Tariq, que não tem palavras para responder, sempre se vira para o outro lado e chora.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O calvário dos beduínos. Artigo de Francesca Mannocchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU