25 Mai 2024
"Israel, como não signatário, não tem nenhuma obrigação de entregar ninguém, nem palestinos nem israelenses. No caso de países terceiros, duas regras entram em conflito. Nas relações entre os estados, os chefes de estado em exercício, como Netanyahu, desfrutam de imunidade pessoal: não podem ser julgados nem presos enquanto estiverem no cargo, quaisquer que sejam os crimes que tenham cometido", afirma Alessandra Annoni, docente de direito internacional da Universidade de Ferrara, em entrevista concedida para Chiara Cruciati e publicada por Il Manifesto, 21-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os crimes citados pelo procurador Khan estão relacionados com o ataque do Hamas de 7 de outubro e a ofensiva israelense em Gaza. A intervenção ocorre enquanto a ofensiva está em andamento. Uma intervenção paralela àquela do Tribunal Internacional de Justiça?
São ações paralelas porque se trata de dois tribunais distintos, o TIJ resolve as controvérsias entre Estados, a Corte Penal Internacional julga pessoas físicas acusadas de graves crimes internacionais. Neste caso se trata do mesmo contexto, das mesmas condutas, mas vistas de uma perspectiva diferente.
Não são citados crime de guerra ou crime contra a humanidade presentes no dossiê apresentado pela Palestina nos últimos anos. Qual poderia ser o motivo de tal escolha?
A competência da Corte remonta a antes de 7 de outubro e permanece ativa: esses mandados de prisão poderiam não ser os últimos, poder-se-ia intervir em crimes anteriores, como no caso russo.
Aquela de Khan poderia ser lida como uma primeira tentativa da Corte de atuar. O gabinete da procuradoria tem ampla discricionariedade na escolha dos casos e das prioridades: leva em conta o impacto que a ação penal pode nas vítimas e nas comunidades afetadas pelos crimes, neste caso israelenses e palestinos. Ou seja, os mandados de prisão poderiam ter um efeito dissuasor, afinal o próprio promotor Khan diz que são crimes em andamento. Em suma, uma advertência para fazer cessar os crimes contra os reféns israelenses e contra a população palestina.
Para Netanyahu e Gallant, fala-se de extermínio (também para o Hamas) e perseguição. Não de genocídio. O que diferencia esses crimes?
O genocídio prevê dolo específico: membros de um determinado grupo são mortos ou são submetidos a condições de vida tais a fim de provocar a sua morte com a finalidade de destruir fisicamente aquele grupo. O extermínio não se caracteriza por dolo específico, é um massacre, uma matança em grande escala da população civil. O que define o extermínio é a extensão do massacre, não a intenção. A perseguição, por outro lado, leva em conta o elemento discriminatório, neste caso dos palestinos: é a privação sistemática dos direitos fundamentais, em vasta escala, em razão da pertença a um determinado grupo.
Os pedidos de mandado de prisão devem ser validados.
A câmara preliminar avaliará se emitir os mandados de prisão. Não há tempos definidos. A Corte não julga à revelia: no caso de serem emitidos, o processo propriamente dito só começaria quando as pessoas acusadas estiverem em Haia, quer se entregando espontaneamente ou por terem sido presas.
O fato de Israel nunca ter aderido ao Estatuto de Roma isenta-o das decisões da Corte? Ou os seus líderes indiciados correm o risco de serem presos se viajarem para países que pretendem prosseguir?
Israel, como não signatário, não tem nenhuma obrigação de entregar ninguém, nem palestinos nem israelenses. No caso de países terceiros, duas regras entram em conflito. Nas relações entre os estados, os chefes de estado em exercício, como Netanyahu, desfrutam de imunidade pessoal: não podem ser julgados nem presos enquanto estiverem no cargo, quaisquer que sejam os crimes que tenham cometido. De acordo com o estatuto da Corte, no entanto, deveriam ser entregues independentemente da imunidade. Não é uma situação inédita: aconteceu com Omar al-Bashir, quando era presidente, ninguém nunca o entregou, embora seja para a CPI uma violação do estatuto. É um problema que não se apresentam nem para Gallant nem para os líderes do Hamas. Vale apenas para presidente, primeiro-ministro e ministro do exterior.
Nunca aconteceu de um líder israelense ter sido indiciado pela CPI. O que mudou no âmbito legal?
Juridicamente nada mudou, as normas continuam as mesmas assim como as competências da Corte.
Certamente a entidade dos crimes é tão evidente que estava se tornando escandaloso que a CPI não agisse. Há tempo é acusada de usar dois pesos e duas medidas, especialmente pelos Estados africanos, porque se concentrava apenas em alguns países. Precisava reiterar a sua imparcialidade. E, de qualquer forma, é uma medida corajosa dadas as pressões que tem sofrido nas últimas semanas.
Vocês temem represálias dos EUA e de Israel?
Os Estados Unidos com Trump já aplicaram sanções contra a CPI pela abertura da investigação sobre crimes cometidos pela CIA e pelas forças militares estadunidenses no Afeganistão. Biden depois removeu aquelas sanções. Neste caso a diferença seria que as sanções não seriam aplicadas para defender cidadãos estadunidenses, mas de outro país.
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“A decisão pode ter um efeito dissuasor: parar os crimes de guerra de Israel”. Entrevista com Alessandra Annoni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU