Inicialmente, Paulo Guedes queria repassar míseros R$ 200 aos trabalhadores informais do país durante os três meses que, até agora, compõem o horizonte do governo para a crise. Nos últimos dias, a equipe econômica havia sido convencida por parlamentares de que o valor deveria subir um pouquinho, para R$ 300. Mas, ontem, a Câmara dos Deputados aprovou um repasse mensal de R$ 600 aos brasileiros no mercado de trabalho informal e a pessoas com deficiência que estão na fila de espera para receber o BPC, o Benefício de Prestação Continuada. Uma melhora e tanto que contou com o aval virtual do presidente Jair Bolsonaro (um pouco antes do fim da votação, ele entrou ao vivo nas redes sociais dizendo apoiar o valor). Mas segundo O Globo, nenhum membro da equipe econômica participou das negociações da reta final do projeto.
A informação é publicada por Outra Saúde, 27-03-2020.
Quem sabe, se houver mais pressão popular, esse repasse – que ganhou o apelido de “coronavoucher” – não pode subir ainda mais? O valor do auxílio emergencial aos trabalhadores ficou em R$ 45 bilhões no total, e o do BPC em R$ 15 bi, nos cálculos do Estadão. Para começar a valer, a proposta ainda precisa passar pelo Senado.
Além disso, os deputados aprovaram uma proteção diferenciada para mulheres que são chefes de família. Elas receberão mensalmente duas cotas do auxílio, chegando a R$ 1,2 mil. Mas se estiverem inscritas no Bolsa Família, terão de escolher entre o repasse do coronavoucher e aquele garantido pelo programa de transferência de renda. É muito provável que escolham o primeiro, e nesse caso o Bolsa Família ficará congelado para saque.
O freio se repete em outras situações: para receber o auxílio, o trabalhador não pode receber aposentadoria, pensão, seguro-desemprego ou benefício assistencial (como o próprio BPC). Além disso, sua renda mensal não pode ultrapassar o baixo teto de meio salário mínimo (R$ 552,50) e sua renda familiar, o de três salários (R$ 3.135). A pessoa também não pode ter recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 no ano de 2018. E precisa ser MEI, contribuinte autônomo da Previdência ou estar na lista do Cadastro Único até 20 de março.
Quem é contemplado por algum programa federal de transferência de renda está vetado. Há uma exceção no caso do Bolsa Família: é que até dois membros de uma mesma família terão direito ao coronavoucher. Mas se um deles receber o Bolsa Família terá que optar por um ou outro. O dinheiro será pago por bancos públicos federais por meio de conta-poupança.
O projeto ainda garante auxílio-doença a quem está na fila de espera do INSS. O governo vai antecipar um salário mínimo R$ 1.045 a essas pessoas, dispensando as empresas do pagamento dos primeiros 15 dias de afastamento.
A confusão entre governo e Congresso em torno do BPC foi resolvida pelo projeto. O acordo foi o seguinte: em 2020, continua valendo o teto de um quarto de salário mínimo (R$ 261,25), defendido pelo governo. A partir de 2021, começa a valer o teto de meio salário, defendido pelos parlamentares.
Em tempo: a Câmara também aprovou ontem um projeto que dispensa o trabalhador de apresentar atestado médico por falta por covid-19. O objetivo é desobstruir o sistema de saúde e conter a propagação do vírus. A medida também precisa do aval dos senadores para entrar em vigor.
Tá bom, mas...
O problema é que já estamos atrasados. E a culpa é do governo e dos parlamentares. De acordo com levantamento do Estadão, 63,9% do pacote de R$ 308,9 bilhões ainda não passaram do anúncio. Ou seja, a cada R$ 100 de medidas anunciadas, R$ 64 ainda não saíram do papel ou porque o governo não encaminhou as propostas ao Congresso Nacional ou porque os congressistas não votaram os projetos de lei enviados. “As propostas emperradas abarcam R$ 105,3 bilhões em medidas que sequer foram editadas pelo governo e R$ 92,2 bilhões em ações que não foram enviadas ao Congresso, mas estão sendo incorporadas em projetos que já estavam em tramitação”, denuncia o jornal.
Errinho de 400 BI
Há algo muito estranho no Ministério da Saúde… Imagine o seguinte: a Pasta faz um estudo que, oficialmente, prevê que 10% da população brasileira será infectada pela covid-19. Ou seja, 21 milhões de pessoas. Diante dessa estimativa – que alguns certamente avaliarão conservadora –, os técnicos fazem cálculos do quanto será preciso aportar a mais para dar conta da epidemia. Chegam a uma conclusão: R$ 410 bilhões. Esse número vai parar em um documento enviado ao Ministério da Economia. Esse número é objeto de questionamento de jornalistas à assessoria de imprensa. Esse número é tratado em conversas de repórteres com membros do primeiro escalão do Ministério, ou seja, com secretários. Até que esse número chega na mesa de Jair Bolsonaro. O presidente questiona a cifra, afinal, a covid-19 não passa de uma “gripezinha” ou “resfriadinho”. E o que o Ministério da Saúde faz? Nega que o número tenha existido. Informa que o “4” na frente do “10” foi digitado errado. Que como o “4” fica na mesma tecla do símbolo de cifrão, desde sempre a Pasta queria solicitar R$ 10 bilhões. Acontece que bem ali antes do número original – 410 – havia um cifrão.
Em meio às pressões do Planalto sobre o Ministério da Saúde, as suspeitas se multiplicam e a explicação não convence. Ainda mais porque o próprio Ministério divulgou ontem que só internações em UTIs devem custar R$ 9,3 bilhões nesse cenário de 10% da população brasileira infectada.
O governo quer pedir US$ 100 milhões emprestados ao Banco Mundial para financiar parte das ações de enfrentamento ao novo coronavírus. Esse dinheiro teria destino certo: compra de kits de testes, contratação de serviço de telemedicina e de profissionais em caráter emergencial. Na argumentação para o pedido de empréstimo feita para o Ministério da Economia, a Saúde lembra que a demora na liberação dos recursos só encarece a resposta a epidemias. Usa como exemplo o surto de ebola em 2014 que, segundo a ONU, poderia ter sido controlado se, logo no começo, tivessem sido liberados US$ 200 milhões. Como isso não aconteceu, o surto acabou piorando e sua resposta custou cerca de US$ 4 bilhões.
O que a equipe econômica fez, e rápido, foi zerar o imposto de importação da cloroquina, droga que se tornou foco de controvérsia entre especialistas e governantes que tem vendido o seu uso como “cura” para a covid-19, como Donald Trump e Jair Bolsonaro.
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