30 Abril 2025
"Os velhos lobbies e mecanismos secretos, combatidos ativamente por Francisco, parecem insignificantes diante da diversidade de origens, valores e pensamentos que o pontífice inseriu no sacro colégio. Desse modo, é ingenuidade pensar que mesmo a eleição improvável de um papa ultra conservador seria capaz de parar os processos abertos", escreve José Mateus Ferreira Lourenço, cientista social e professor, membro do coletivo Igreja Povo de Deus em Movimento (IPDM) e do Movimento Pastoral LGBT Marielle Franco (MOPA).
Na segunda-feira da oitava da Páscoa, dia 21 de abril, o mundo acordou chocado ao saber da morte do amado Papa Francisco. O pontífice argentino de 88 anos de idade deixou um enorme legado de reformas e atitudes que mudaram o rosto da Igreja Católica para o mundo. Um de seus grandes legados ainda está por se revelar no Conclave que virá.
Em seus 12 anos de pontificado, Francisco reconfigurou profundamente o Colégio Cardinalício, diminuindo o peso da Europa, aumentando o número de povos e nações representados e descentralizando o poder para as periferias do mundo. Em seu modo de fazer cardeais, se valeu de sua máxima para promover uma Igreja em Saída, fora das fronteiras do Ocidente Capitalista. É este colégio mais diverso e globalizado, composto de 135 homens entre 45 e 79 anos, que terá como missão encontrar seu sucessor. Missão marcada por uma Igreja profundamente dividida, em crise sobre seu propósito no mundo contemporâneo e que atravessa o choque de uma ofensiva ultraconservadora apoiada por líderes de uma extrema-direita fascistizada em ascensão.
Quando o mundo virou suas câmeras para a Capela Sistina em abril de 2005, assistiu aquele que foi o maior Conclave já realizado pela Igreja Católica: 115 eleitores, vindos de 52 nações, compunham o colégio de cardeais indicados por João Paulo II e Paulo VI. A Europa era o continente mais representado, 58 cardeais, pouco mais de 50% do total. Seguiam-se 20 latino-americanos, 17%; 14 norte-americanos (por questões geopolíticas incluí apenas EUA e Canadá na América do Norte), 12%; 11 africanos, 9,5%; 10 asiáticos, 8,7%; e 2 oceânicos, 1,7%. A Itália sozinha contava com 20 eleitores, um poderoso bloco de cardeais da Cúria capazes de atuar como lobby em prol da manutenção de privilégios. As disparidades das nações com mais fiéis ou onde o catolicismo crescia, em relação àquelas que tradicionalmente eram o centro do poder, eram profundas, e o poderio econômico das grandes arquidioceses de países centrais do Ocidente definia a importância de seus prelados. Em 2013, após o papado conservador de Bento XVI, haviam crescido as desigualdades no colégio. Igualmente 115 eleitores entraram na Capela Sistina, vindos de 48 países: 60 europeus, que representavam 52% do colégio, dos quais 28 italianos, 24%, reforçando a presença e o poder do lobby da Cúria; 19 latino-americanos, 16,5%; 14 norte-americanos, 12%; 11 africanos, 9,5%; 10 asiáticos, 8,7% e apenas 1 oceânico, 0,8%.
Apesar disso, diante da crise dos Vatileaks e do terremoto da renúncia, foi eleito um papa de fora da Europa pela primeira vez em 1200 anos, alguém que teria como missão mudar os paradigmas. Com seu estilo novo de escolher cardeais, Francisco ignorou de modo consistente as grandes sedes e foi em busca das periferias. Promoveu à púrpura prelados de países que nunca antes tinham sido sequer considerados e de nações onde o catolicismo é minoritário. Promoveu bispos de dioceses menores ignorando seus metropolitas, deu protagonismo para a Ásia e a África, onde a igreja mais cresce, aumentando o número total de eleitores. Desse modo, no próximo Conclave teremos 135 cardeais vindos de 72 países, a maior ampliação do colégio em termos da representação de nações desde as reformas de João XXIII e Paulo VI. Apesar de ser o continente mais representado, com 53 eleitores, a Europa viu seu peso percentual cair para cerca de 40%. A Ásia torna-se protagonista e assim como a América Latina terá 23 eleitores, ambas somando 17%; a África 18 eleitores, pouco mais de 13%; a América do Norte 14 eleitores, 10%; e a Oceania 4 eleitores, cerca de 3%. Os italianos, antes uma força eleitoral e de lobby, se veem reduzidos a 17, apenas 12,5% do total. Através de suas nomeações, Francisco garantiu um conclave que representa melhor a diversidade da Igreja Universal e seu caráter de fato Católico. Com representantes vindos de Tonga, Papua Nova Guiné, Timor Leste, Argélia, Irã, Paraguai e outras nações do sul global, garantiu que este seria, mais do que nunca, um conclave imprevisível, um conclave de fato diferente.
Para além das questões numéricas, outra mudança fundamental que nos aponta a enorme novidade deste Conclave, reside em suas ausências e presenças surpresas. Pela primeira vez em séculos, os prelados das poderosas e tradicionais sedes de Milão, Veneza, Lisboa, Paris e Salzburgo não estarão presentes, a velha tradição que os patriarcas se tornem automaticamente cardeais foi rompida, e os bispos das grandes sedes europeias sequer poderão participar da decisão. Ainda mais marcante constatar: se a poderosa Milão não participará do Conclave, o bispo da pequena Como, Oscar Cantoni, foi purpurado por Francisco. O Patriarca de Lisboa não entrará, mas estará presente o jovem bispo de Setúbal, Américo Aguiar. Será ausente o Patriarca de Veneza, porém presente o bispo da pobre diocese de Siena-Colle, Paolo Lojudice. Quando consideramos que no último século, Veneza e Milão nos deram 5 papas: São Pio X, Pio XI, São João XXIII, São Paulo VI e o Beato João Paulo I; percebemos o imenso poder simbólico de suas ausências no peso da decisão que será tomada pelos eleitores. Além das poderosas ausências europeias, e de outros polos centrais como Los Angeles, devemos ressaltar as presenças periféricas e se perguntar: como votará Soane Paini Mafi, bispo de Tonga? O que pensa Chibly Langlois, bispo de Les Cayes no Haiti? Ou ainda como se posicionará John Ribat, arcebispo de Port Moresby, na Papua Nova Guiné, ou Sebastian Francis, bispo de Penang, na Malásia?
Diante de um colégio global, apostar na previsibilidade dos eleitores ou na rápida resolução desta eleição sem francos favoritos parece muito precipitado. Para além das divisões geopolíticas, é necessário frisar as profundas rusgas ideológicas que marcam esta eleição. Francisco, contrariando a Cúria, abriu processos que tinham estagnado nos períodos de João Paulo II e Bento XVI, e colocou em pauta temas tabu, tais quais a comunhão para divorciados, a comunidade LGBTQIA+ e o papel das mulheres no governo da igreja. Sua postura aberta e dialogante, na qual nenhum tema era proibido, expôs fraturas na hierarquia da instituição, forçando a exposição daquilo que não era dito.
Desse modo, as históricas divisões do colégio de cardeais, antes tratadas como segredos e interditos, tal como no velho grupo de São Galo, que reunia cardeais progressistas liderados por Carlo Maria Martini sob “uma regra simples": "tudo pode ser dito, mas nenhuma anotação deve ser feita e a discrição deverá observada”, ficam agora expostas em feridas abertas que demonstram disputas na instituição. Precisamente por sua posição tolerante e de não condenação, Francisco se expôs de modo corajoso às críticas ferozes que em muitos momentos lhe acusaram de heresia. No passado, João Paulo II usou a antiga Congregação da Doutrina da Fé para impor sua infalibilidade, caçar e calar as vozes dissonantes e opositoras.
Recentemente, Francisco recebeu os ataques com a compreensão de um pai misericordioso e respondeu de acordo com o que era possível a cada uma das perguntas acusatórias recebidas. Vemos, desse modo, um colégio de cardeais que entrará no Conclave exposto, marcado por episódios públicos de desavenças, e com suas facções colocadas às claras. De um lado, aqueles que estiveram com Francisco e passaram a ser chamados de “bergoglianos”. São defensores de suas reformas e da atitude de acolhida chamada por ele. Do outro, redes conservadoras mais ou menos articuladas e até mesmo conflitantes entre si. Elas clamam pelo retorno da rigidez doutrinária e prezam pelo resgate de antigos ritos. Entre ambas, no entanto, dezenas de eleitores chamados pela mídia de moderados, com posições contraditórias ou mesmo desconhecidas, e que de fato serão os responsáveis por escolher para onde irá a barca de Pedro.
Apesar de ter nomeado 108 dos atuais 135 eleitores, ou seja quase 80% do total, isso de maneira nenhuma significa que os purpurados de Francisco sejam uniformes entre si e necessariamente a favor de suas reformas. Buscando promover equilíbrio entre as diferentes formas de pensamento na Igreja universal, o Papa constantemente buscou não hegemonizar suas escolhas, distribuindo o poder mesmo entre grupos que lhe faziam aberta oposição. Nesse sentido, Bergoglio continuou a tradição de seus antecessores, alterando pouco as correlações de forças entre os grupos. Desse modo, podemos identificar claramente bergoglianos entre os remanescentes nomeados por Bento XVI e mesmo por João Paulo II e tradicionalistas entre os nomeados por Francisco. Fazendo uma despretensiosa aproximação, pode-se traçar pontos de concordância e discordância dos cardeais em relação ao pontificado de Francisco, percebendo padrões que nos possibilitam agrupar os eleitores. Pode-se partir de materiais como entrevistas e ações em temas-chave (LGBT+, pobreza, ecologia, migrantes, mulheres, guerras, divorciados), promovidas pelos diversos cardeais eleitores nos últimos anos. Além das relações que estabelecem entre si em âmbito nacional, como suas conferências episcopais, ou internacional, tais como congressos, sínodos ou conselhos episcopais continentais. A partir disso, entre os 135 eleitores, ao menos 45 são firmemente bergoglianos (em suas entrevistas e atuações locais e internacionais) e outros 40 são opositores mais ou menos abertos das reformas, com posturas que variam de uma defesa dogmática do direito canônico até acusações públicas contra o Papa. Considero moderados: aquelas cuja pesquisa de perfil foi inconclusiva por diversas razões ou que tinham opiniões muito conflitantes entre si pendendo entre a reforma e a rigidez dogmática naqueles temas-chave, sendo eles cerca de 50 eleitores.
Tomo inconclusivas as análises nas quais fui incapaz de encontrar fontes confiáveis (jornais, publicações oficiais da Igreja, artigos teológicos etc.) sobre as opiniões de determinados eleitores acerca de dois ou mais dos temas chave escolhidos para balizar os perfis. Dou exemplo: Charles Maung Bo, arcebispo de Yangon no Mianmar e cotado como possível papável moderado, podemos encontrar em mídias católicas pronunciamentos sobre a crise climática global, a qual chamou de “holocaustos ecológico”, falando sobre o dia mundial dos refugiados e denunciando guerras e derramamento de sangue, porém, são desconhecidas suas posições sobre o papel das mulheres na igreja e a questão da inclusão LGBT+, o que não nos permite enquadrá-lo como bergogliano. Aqui, torna-se necessário destacar que o objetivo dessa análise é construir um panorama ideológico e político dos atuais membros eleitores do colégio de cardeais. Assim, não pretendendo de maneira nenhuma prever o resultado do conclave.
Apesar de ter encontrado partidários em todo o mundo, os apoios mais firmes às reformas de Francisco vieram da Europa Ocidental e da Ásia, continentes nos quais as hierarquias se mostraram mais dispostas a abraçar as reformas (não sem muitas resistências e nuances de intensidade).
Na Europa destacam-se o episcopado alemão, liderado pelo Cardeal Marx, arcebispo de Munique em seu caminho Sinodal e o episcopado belga, guiado pelo Cardeal Kesel, Arcebispo emérito de Bruxelas. Vale pontuar ainda que a mídia Ocidental tradicional deu ampla predileção aos bergoglianos europeus ao apontar possíveis sucessores para Francisco. Os nomes de Matteo Zuppi, Arcebispo de Bolonha e apelidado de Francisco Italiano, Juan José Omella Omella, arcebispo de Barcelona, Jean-Claude Hollerich, arcebispo de Luxemburgo, Mario Grech, secretário-geral do Sínodo e Jean-Marc Aveline, arcebispo de Marselha, tem sido amplamente divulgados e dados como os grandes preferidos para manter as reformas.
O filipino Luis Antonio Gonkim Tagle, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, está entre os mais de 10 asiáticos que entrarão no Conclave em busca de continuidade. Tagle vem ganhando visibilidade com seu modo de falar claro e simples, e estilo pessoal que lembra o de Bergoglio. É a principal aposta para um papa do sul global. A centralidade da Europa com seus ainda 40% de eleitores, faz com que ela seja também o continente onde estão a maioria dos votos Tradicionalistas, vindos especialmente do Leste Europeu e de grupos do Ocidente marcados por ressentimentos.
Se por um lado o caminho sinodal dava frutos e avanços na Alemanha, também de lá o cardeal Gerhard Müller produziu críticas, dúbias e documentos usando o nome de Bento XVI para atacar Francisco. Da Suécia, Anders Arborelius, cardeal bispo de Estocolmo, inicialmente entusiasta de Francisco, tornou-se voz intelectual da oposição, produzindo longos artigos de Teologia contra as posições papais. Através de sua cruzada contra o “mundo moderno” e contra a “ditadura do relativismo”, Péter Erdö, cardeal Arcebispo de Estergon Budapeste, tornou-se a figura central da defesa da tradição, e apesar de nunca ter entrado em conflito direto com Francisco, passou a ser identificado como grande líder do conservadorismo europeu. Sua proximidade acrítica com o regime de extrema-direita do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, no entanto, rendeu-lhe críticas vorazes, e valeu o apelido de "cardeal Orban”.
A África, no entanto, é o continente mais uniformemente conservador. Cerca de dois terços de seus eleitores rejeitaram de modo público as decisões do papado de Francisco. É o único continente no qual Conferências Episcopais inteiras aprovaram a rejeição da declaração Fiducia Suplicans, do Dicastério para Doutrina da Fé, sobre bênçãos a casais homoafetivos. Tais rejeições foram lideradas pelo arcebispo de Kinshasa na República Democrática do Congo, Fridolin Ambongo Besungu, presidente do Conselho de Conferências Episcopais Africanas e que aparece na mídia como nome forte para liderar. Não se pode, no entanto, descartar a possibilidade que Robert Sarah, guineense, prefeito emérito do Dicastério para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, tente liderar o bloco conservador do continente. Popular na internet e conhecido por ter entrado em conflito aberto com Francisco, chegando a forjar a assinatura de Bento XVI em um livro, é uma das figuras mais controversas da igreja contemporânea, tendo se desgastado por seu papel na produção da falsa dicotomia Bento/Francisco. Dizer que África e Ásia são, respectivamente, os continentes com maior presença tradicionalista e bergogliana, não significa que não existam importantes lideranças e grandes contingentes de fiéis identificados com uma ou outra posição nesses continentes.
Na Ásia, Malcolm Ranjith, arcebispo de Colombo, Sri Lanka, é conhecido por suas posturas ultra rígidas, tendo proibido mulheres de servirem no altar e feito comparações abertas entre os pontificados de Ratzinger e Bergoglio. No norte da África, destacam-se duas lideranças abertas ao diálogo inter-religioso e que gritam de modo profético por mudanças radicais na Igreja, os arcebispos de Rabat no Marrocos, Cristóbal López Romero, e de Argel na Argélia, Jean-Paul Vesco.
A América é o continente mais profundamente dividido. Os Estados Unidos, com 10, e o Brasil, com 7, serão respectivamente o segundo e terceiro país com mais eleitores. Em ambos os países, tal qual no continente inteiro, a igreja passa por um terremoto, com diminuição do número de fiéis e da frequência à missa, escândalos sexuais e de corrupção, e uma crise de identidade, com cleros cada vez mais conservadores abraçando a extrema-direita antidemocrática e entrando em desobediência contra as hierarquias. Entre os 10 eleitores estadunidenses, 4 são homens fortes de Francisco: Farrel, seu camerlengo, Cupich, arcebispo de Chicago, Tobin, arcebispo de Newark e McElroy, arcebispo de Washington. Estes quatro formam um elemento progressista num catolicismo marcado pelo conservadorismo e fazendo oposição a Donald Trump, que prometeu intervir na eleição do próximo Papa. Já outros 4 são Tradicionalistas, ainda que de matizes diferentes: DiNardo, arcebispo de Houston, Harvey, arcipreste de São Paulo Extramuros, Dolan, arcebispo de Nova Iorque e Burke, prefeito da Ordem de Malta, crítico que muitas vezes beirou o sedevacantismo e é candidato declarado do presidente Trump.
Gregory, arcebispo emérito de Washington e Prevost, membro da Cúria, mantiveram posturas constantemente mais neutras, de modo a se destacarem pela moderação em meio às divisões. No Brasil, de modo semelhante, 3 dos 7 eleitores são facilmente identificados como bergoglianos: Steiner, arcebispo de Manaus, Da Rocha, arcebispo de Salvador e Spengler, arcebispo de Porto Alegre. Outros 3 podem ser agrupados como tradicionalistas: Scherer, arcebispo de São Paulo, Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro e Cézar Costa, arcebispo de Brasília. Aviz, arcebispo emérito de Brasília e prefeito emérito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, fica com a insígnia de moderado, com seu estilo camaleônico e adaptável, esteve na Cúria tanto no pontificado de Bento quanto de Francisco, representando parte das continuidades entre ambos. Ressalto que, ainda que possuam pensamentos diversos entre si, Steiner é próximo à Teologia da Libertação, enquanto Da Rocha e Spengler são legalistas com abertura pastoral. É útil agrupar os eleitores desse modo para melhor compreender o cenário e ter perspectivas sobre as alianças que podem realizar.
Por fim, esta análise não estaria completa se não se debruçar sobre o papel central da Cúria no Conclave.
A reforma da Cúria foi por muitos anos uma das missões centrais do pontificado de Francisco, mas foi apenas em 2022, com a promulgação da constituição apostólica Praedicate Evangelium que ela entrou em prática. Foram extintas as antigas e superpoderosas Congregações em prol de dicastérios mais horizontais, leigos e leigas puderam assumir local de destaque e poder, mulheres foram promovidas a cargos de chefia e a transparência ganhou centralidade. Para além disso, aos poucos a antiga instituição curial, advinda dos conselhos de príncipes, a qual era usada como instrumento de lobby para europeus, em especial italianos, se viu forçada a uma abertura globalizante; porém mantendo seu papel de estabilização e moderação da Igreja. Assim, apesar de haverem bergoglianos fortes entre os membros da Cúria; tais como Farrel e Tagle, já citados anteriormente, há perfis moderados que se destacam.
Entre eles, Fernández, prefeito de Francisco no Dicastério para a Doutrina da Fé e também seu principal teólogo. E o canadense Czerny, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Ambos atuando na continuidade institucional que existe entre os pontificados de Bento XVI e Francisco, e promovendo estabilidades para as reformas. Não é de se surpreender que Pietro Parolin, secretário de Estado, italiano conciliador e muito diplomático, venha sendo citado nos principais veículos de comunicação como possível futuro papa. Sua postura moderada e abordagem aberta para reformas pode lhe render votos daqueles que não querem parar os processos abertos, mas caminhar mais devagar. No entanto, sua falta de experiência pastoral, pois nunca foi padre ou bispo diocesano e postura diplomática excessivamente ligada ao poder, podem corroer suas chances, principalmente após um pontificado marcado por humildade e proximidade com o povo. Desse modo, outras figuras da Cúria poderiam ganhar destaque: O americano Robert Prevost, prefeito do Dicastério para os Bispos, especialista em América Latina, foi por décadas missionário na Amazônia Peruana e tem boas relações tanto com movimentos políticos de esquerda e de direita. Lazarus You Heung Sik, prefeito do Dicastério para o Clero, foi bispo de Daejeon na Coreia do Sul e é visto como um ex-conservador, em sua experiência pastoral promoveu a conversão de muitos coreanos ao catolicismo.
Arthur Roche, prefeito do Dicastério para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, foi bispo de Leeds e responsável pela última tradução da missa para o inglês, um modernizador com ressalvas, é conhecido por ter promovido a conversão de anglicanos. Por fim, apesar de não contar mais com o peso de lobby que tinha nos últimos conclaves, a Cúria segue como influenciadora principal de seus processos, sendo responsável pelas Congregações Gerais que antecedem a eleição, de modo que sua influência ainda pode ser definidora dos rumos que serão tomados.
Apesar de ser impossível prever os resultados da eleição papal, fica evidente as inúmeras marcas deixadas pelo papado de Francisco e que serão definidores do processo.
O aumento muito expressivo da globalização do colégio e sua predileção pelas periferias impõe uma nova dinâmica de poder que foge da antiga centralidade do Ocidente Capitalista Desenvolvido. A ausência das grandes sedes tradicionais impõe que se busquem resultados fora do convencional. As divisões geopolíticas e ideológicas, pela primeira vez colocadas às claras, permitem que o mundo acompanhe com cuidado os ritos e processos secretos, balizando aquilo que está em jogo em termos institucionais e de influência social.
Os velhos lobbies e mecanismos secretos, combatidos ativamente por Francisco, parecem insignificantes diante da diversidade de origens, valores e pensamentos que o pontífice inseriu no sacro colégio. Desse modo, é ingenuidade pensar que mesmo a eleição improvável de um papa ultra conservador seria capaz de parar os processos abertos. Veremos nesse início de maio de 2025, um conclave imprevisível, o mais globalizado e diverso da história da igreja, atravessado por incertezas e conflitos que demonstram o caráter realmente universal desta instituição.