23 Abril 2025
O propósito do Conclave, nesses últimos oitocentos anos, sempre foi modesto, mas essencial — ou, como disse Alberto Melloni: “Produzir uma eleição incontestada e incontestável do bispo de Roma”. Mas, dado o modo como a política mudou nos últimos anos, especialmente nos Estados Unidos desde 06-01-2021 e o início do segundo mandato de Trump, até mesmo um Conclave pode se tornar uma prova especial.
O artigo é de Massimo Faggioli, professor de teologia e estudos religiosos na Villanova University, publicado por Commonweal, 22-04-2025.
A recuperação lenta e contínua do Papa Francisco após sua hospitalização de cinco semanas cria um cenário cheio de incertezas sobre a governança do Vaticano e da Igreja Católica. De fato, é um quadro complexo, como escreve Austen Ivereigh na edição de abril da Commonweal. É também um teste para a Igreja institucional em uma era de crise das instituições, especialmente das instituições de governo.
Uma instituição da Igreja facilmente criticável é o Conclave. Criado entre os séculos XI e XIII, não é apenas antigo, mas também visto por muitos como antiquado. Apenas cardeais homens, celibatários e escolhidos pelo papa podem participar, e só os que têm menos de 80 anos têm direito a voto. É concentrado em apenas alguns dias e atrai intensa atenção mundial. Seus procedimentos são sigilosos até o momento em que um novo bispo de Roma é apresentado.
Até o momento, o Papa Francisco não reformou o Conclave, ao contrário de muitos de seus predecessores, especialmente João Paulo II e Bento XVI. Mas, como todos os conclaves, o próximo ocorrerá no contexto dos acontecimentos atuais. Também se desenrolará em um ambiente midiático único, sendo o primeiro a ocorrer após a resposta institucional direta do Vaticano em 2020 à crise global de abusos sexuais e ao caso do ex-cardeal Theodore McCarrick, que faleceu em 4 de abril. A fragmentação das redes sociais amplificou a divisão das audiências em inúmeras plataformas, canais e formatos de conteúdo, enquanto a mídia tradicional continua em declínio. Todos que estão online são potencialmente influentes (ou acreditam que são), e algumas vozes desproporcionais realmente têm impacto e tentam influenciar a eleição do próximo papa — especulando sobre a lista dos papabili, lançando dúvidas sobre as chances de certos cardeais e opinando sobre a pauta do Conclave, que aborda outros temas além do principal: a escolha do novo papa.
Dada a saúde de Francisco, têm havido preparações relativamente intensas, embora discretas, para um Conclave — listas de candidatos, temas, cenários possíveis — em nível não oficial e informal. Mas também há as “campanhas” de alta visibilidade feitas por jornalistas que mantêm listas online de papabili ranqueados por suas posições em diversas questões: ordenação de mulheres como diaconisas, bênçãos a casais do mesmo sexo, restrições ao Vetus Ordo da Missa, o acordo entre a Santa Sé e a China, sinodalidade e comunhão para católicos divorciados e recasados. Outros observadores dariam mais peso às posições dos candidatos sobre guerra e paz, Rússia e Israel, o papel das mulheres na Igreja e o estado das finanças do Vaticano.
No entanto, uma questão em particular surgiu como nunca antes: a crise dos abusos. Segundo os atuais analistas do Conclave, os candidatos papais devem ser avaliados (ou desqualificados) de acordo com sua atuação diante de denúncias de abuso: se ajudaram a encobrir denúncias, se tomaram medidas para prevenir crimes e se comportamentos pessoais passados poderiam levá-los a serem “credivelmente acusados” de abuso após a eleição (essa última possibilidade é uma das principais ansiedades da Igreja institucional hoje).
Em 25 de março, a Rede de Sobreviventes Abusados por Padres (SNAP) anunciou um banco de dados com os históricos dos cardeais católicos sobre o tratamento de casos de abuso sexual, em uma tentativa, como colocou a Associated Press, de “influenciar o próximo conclave... A SNAP divulgou o ‘Conclave Watch’, um banco de dados sobre o histórico dos cardeais em casos de abuso clerical, com o objetivo de colocar o tema no centro das considerações quando o próximo papa for escolhido”. Poucos dias depois, a SNAP nomeou seis cardeais de destaque — todos, em tese, papabili — e alegou que eles permitiram ou encobriram casos de abuso clerical, exigindo que a Santa Sé abrisse imediatamente uma investigação.
Essa tentativa de “influência” se aproxima perigosamente da reintrodução velada do ius exclusivae (direito de veto a uma candidatura e, portanto, à eleição de um cardeal específico), utilizado pela última vez no Conclave de 1903 pelo imperador da Áustria para impedir a eleição do cardeal Mariano Rampolla del Tindaro (então secretário de Estado de Leão XIII). O ius exclusivae foi proibido por Pio X na constituição apostólica Commissum Nobis, de 20-01-1904, e sua proibição foi reafirmada em reformas subsequentes das leis do Conclave.
Mas há um problema potencialmente maior que a proibição do ius exclusivae não resolve: o surgimento de novas formas de vigilantismo e assédio viabilizadas pelas redes sociais, alimentadas pela erosão da confiança nas instituições e agravadas pela desigualdade econômica e pela raiva generalizada. Exemplos incluem o assassinato do CEO da UnitedHealth, Brian Thompson; o surgimento de caçadores violentos de pedófilos que fazem justiça com as próprias mãos; aplicativos como o Citizen, que permitem a pessoas comuns “proteger o mundo”; o vigilantismo contra migrantes e minorias; e o vigilantismo em campi universitários, onde estudantes podem publicar anonimamente sobre outros estudantes ou professores. Nos Estados Unidos, há até um aplicativo chamado ICERAID, descrito como um “protocolo que delega tarefas de coleta de inteligência a cidadãos que normalmente seriam realizadas por agências de segurança”. Uma longa preparação para o próximo Conclave, somada à fragmentação da mídia tradicional e católica (em que os antigos guardiões do discurso já não controlam mais a narrativa) e às animosidades políticas e culturais latentes, pode criar uma situação volátil.
A história está cheia de exemplos de escândalos de corrupção que levaram ao colapso político. O catolicismo contemporâneo foi moldado pelo escândalo dos abusos, abrindo divisões internas sobre clericalismo, católicos LGBTQ, o papel das mulheres na Igreja, entre outros. Nos Estados Unidos, a crise levou ao colapso de uma ordem eclesial e também contribuiu para o declínio do sistema eclesial do Vaticano II, gerando incertezas sobre o futuro. Outras Igrejas católicas nacionais passaram por isso em algum grau, mas há uma qualidade mais violenta nos EUA, onde está tudo entrelaçado com debates sobre a alma da nação diante do colapso da democracia e da ascensão do trumpismo.
Em outras palavras, a crise dos abusos teve consequências políticas. Ela é, ao menos parcialmente, responsável pela hostilidade do governo em relação às iniciativas e programas de caridade da Igreja Católica nos EUA, pois colocou em xeque sua legitimidade e autoridade moral como instituição. A reação à crise gerou um populismo eclesial que se desenvolveu paralelamente ao populismo político encarnado por Donald Trump.
Quanto ao fenômeno do trumpismo católico, trata-se de um problema político de tipo particular. Não é o mesmo “integrismo e mentalidade de direita” que Yves Congar identificou em 1950 em Verdadeira e Falsa Reforma na Igreja — a afinidade do catolicismo tradicionalista com a direita política, baseada na restauração de uma ordem monárquica ou autoritária. O trumpismo católico é uma mistura da velha ideologia “lei e ordem”, em nome da moralidade tradicional, com uma mentalidade que deseja desmantelar instituições (inclusive organizações católicas que atendem pessoas marginalizadas).
O pontificado de Francisco representa uma virada para um papado mais profético. Mas um excesso pós-Vaticano II de ênfase em tornar a Igreja mais profética teve consequências significativas para como pensamos sobre instituições religiosas e políticas. Esse fenômeno não se limita à esquerda progressista ou liberal. O trumpismo católico é, entre outras coisas, a encarnação da ilusão de que não precisamos de instituições. É quase uma inversão de papéis: a resistência ao trumpismo requer a defesa das instituições (de todos os tipos) — algo que até pouco tempo atrás era um princípio fundamental do conservadorismo.
A crise dos abusos deveria ter ensinado algo ao catolicismo de direita nos EUA: que aqueles que lutam por justiça para as vítimas precisam de um sistema constitucional: o Estado de Direito, a separação de poderes, a independência do Judiciário. Mas, junto com a indiferença de muitos deles à destruição de nosso sistema constitucional, eles parecem expressar apenas raiva e desconfiança, inclusive contra as instituições católicas. Essa fúria anti-institucional é parte do colapso geral das normas em nossa Igreja, nossa política e nossa abordagem das relações internacionais — algo que a própria Igreja Católica ajudou a criar. Isso está mudando a Igreja em todos os níveis, inclusive no mais alto. Doze anos de tentativas sistemáticas de deslegitimar o Papa Francisco são expressão não apenas de animosidade pessoal, mas também de uma ideologia político-religiosa que agora se infiltrou em um governo com católicos nos cargos mais altos de poder. O início do segundo mandato de Trump marca uma mudança significativa na relação entre Igreja e Estado. Enquanto isso, é notável a ausência de uma resposta unificada, pública e coerente da Igreja Católica diante de tudo isso. Ainda assim, resta saber se alguns bispos que foram consistentemente condescendentes com Trump e o trumpismo agora estão com remorso.
O propósito do conclave, nesses últimos oitocentos anos, sempre foi modesto, mas essencial — ou, como disse Alberto Melloni: “Produzir uma eleição incontestada e incontestável do bispo de Roma”. Mas, dado o modo como a política mudou nos últimos anos. especialmente nos Estados Unidos desde 06-01-2021 e o início do segundo mandato de Trump, até mesmo um conclave pode se tornar uma prova especial.