Papa Francisco: sofrimento oferecido ao Senhor pela paz mundial e fraternidade dos povos

Papa Francisco no Santuário de Nossa Senhora em Pompeia, em 2015 | Foto: Vatican News

22 Abril 2025

“A última mensagem do Papa Francisco ao mundo foi um reiterado pedido de paz: paz nas famílias, paz nas nações, paz entre os povos. O apelo indica a nossa imensa dificuldade de viver em concórdia e nos lembra uma das célebres frases do pontífice: ‘O mundo escolheu – é difícil dizê-lo – mas escolheu o esquema de Caim e a guerra é implementar o cainismo, ou seja, matar o irmão’”.

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos. 

“[…] Quanto desejo de morte vemos todos os dias em tantos conflitos que ocorrem em diversas partes do mundo. Quanto violência vemos com frequência também nas famílias, dirigida contra as mulheres ou as crianças. Quanto desprezo se sente, por vezes, em relação aos mais fracos, marginalizados e migrantes. Neste dia, gostaria que voltássemos a ter esperança e confiança nos outros, mesmo naqueles que não nos são próximo ou que vêm de terras distantes, usos, modos de vidas, ideias e costumes diferentes dos que nos são familiares, porque somos todos filhos de Deus. 

Gostaria que voltássemos a ter esperança de que a paz é possível. A partir do Santo Sepulcro, a Igreja da Ressurreição, onde este ano a Páscoa é celebrada no mesmo dia por católicos e ortodoxos, se irradie por toda a Terra Santa e sobre o mundo inteiro a luz da paz. 

Sinto-me próximo dos cristãos que sofrem na Palestina e em Israel, bem como do povo israelense e palestino. É preocupante o crescente clima de antissemitismo que se está espalhando por todo o mundo. Ao mesmo tempo meu pensamento dirige-se às populações, em particular à comunidade cristã de Gaza, onde o terrível conflito continua a gerar morte e destruição e a provocar uma situação humanitária dramática e ignóbil. (…) 

Rezemos pelas comunidades cristãs do Líbano e da Síria. Este último país está atravessando uma fase delicada da sua história, que anseia por estabilidade e participação no futuro das respectivas nações. Exorto toda a Igreja a acompanhar com atenção e oração os cristãos do amado Oriente Médio. Dirijo também um pensamento especial ao povo do Iêmen, que está vivendo uma das piores crises humanitárias prolongadas do mundo devido à guerra. (…) 

Que Cristo ressuscitado derrame o dom da paz sobre a martirizada Ucrânia e encoraje todas as partes envolvidas a prosseguirem seus esforços para alcançar uma paz justa e duradoura. Nesses dias de festa, recordemos o sul do Cáucaso, rezemos pela rápida assinatura e aplicação de um definitivo acordo de paz entre Armênia e Azerbaijão, que leve à tão desejada reconciliação na região. 

Que a luz da Páscoa inspire propósitos de concórdia nos Bálcãs Ocidentais e apoie os responsáveis políticos a trabalhar para evitar uma escalada de tensões e crises, bem como inspire os parceiros da região a rejeitar comportamentos perigosos e desestabilizadores. 

Que Cristo Ressuscitado, nossa esperança, conceda paz e conforto às populações africanas vítimas de violência e conflitos, especialmente na República Democrática do Congo, no Sudão, no Sudão do Sul, e apoiem todos quantos sofrem devido às tensões do Sahel, no Corno da África e na região dos Grandes Lagos, tal como os cristãos que em muitos lugares não podem professar livremente a sua fé. (…) 

Neste momento, não falte nossa ajuda ao povo do Mianmar, que, atormentado por anos de conflito armado, enfrenta com coragem e paciência as consequências do devastador terremoto em Sagaing, causador da morte de milhares de pessoas e de sofrimento para muitos sobreviventes, incluindo órfãos e idosos. (…) 

Apelo a todos os que no mundo têm responsabilidades políticas para que não cedam à lógica do medo, que fecha, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados a combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento. Essas são as armas da paz, aquelas que constroem futuro em vez de espalhar morte”. 

A última mensagem do Papa Francisco ao mundo foi um reiterado pedido de paz: paz nas famílias, paz nas nações, paz entre os povos. O apelo indica a nossa imensa dificuldade de viver em concórdia e nos lembra uma das célebres frases do pontífice: “O mundo escolheu – é difícil dizê-lo – mas escolheu o esquema de Caim e a guerra é implementar o cainismo, ou seja, matar o irmão”.

Paz também é uma das palavras que se sobressai na Carta Encíclica Fratelli Tutti. Sobre a fraternidade e a amizade social, publicada pelo Papa em 2020. Amplamente inspirada em São Francisco de Assis, cujo espírito evangélico animou o pontificado de Francisco, mas também em irmãos não católicos, como Martin Luther King, Desmond Tutu, Mahatma Gandhi, o texto é dirigido a “todos os irmãos” e concluído igualmente com um “apelo” à paz, à justiça e à fraternidade. 

Nesse ponto da Encíclica, o Papa recorda o encontro fraterno com Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, autoridade máxima no mundo muçulmano sunita, e propõe uma distinção entre o que é a mensagem religiosa e o que é a instrumentalização da mensagem religiosa: 

“Naquele encontro fraterno, que recordo jubilosamente, com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb ‘declaramos – firmemente – que as religiões nunca incitam à guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue. Estas calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos, do uso político das religiões e também das interpretações de grupos de homens de religião que abusaram – nalgumas fases da história – da influência do sentimento religioso sobre os corações dos homens (…). Com efeito Deus, o Todo-Poderoso, não precisa de ser defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para aterrorizar as pessoas’” (FT, n. 285).

Com o ministério sacerdotal e episcopal confiado à Mãe de Nosso Senhor, o Papa revelou nos primeiros parágrafos da Fratelli Tutti que as questões relacionadas com a fraternidade e com a amizade social sempre estiveram entre as suas preocupações. O mesmo manifestou em seu Testamento Espiritual, redigido em 2022: “O sofrimento que se fez presente na última parte da minha vida o ofereci ao Senhor pela paz mundial e a fraternidade dos povos”.

Atento à humanidade ferida, o Papa Francisco corrigiu várias vezes o dito que talvez tenha contribuído para afastar inúmeras pessoas de um caminho que sequer tinham conhecido, mas foi repetindo longamente por várias gerações: “a fé é ópio do povo”. Ensinando-nos o Evangelho – e, acima de tudo, vivendo-o –, o pontífice corrigiu más formações intelectuais e práticas, mas, acima de tudo, nos ensinou que “a fé não é ópio dos povos, mas encontro e serviço”. 

Na Exortação Apostólica Evangelli Gaudium. Sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, o Papa nos ensinou sobre o encontro pessoal com o amor de Jesus: “Colocados diante d’Ele com o coração aberto, deixando que Ele nos olhe, reconhecemos aquele olhar de amor que descobriu Natanael no dia em que Jesus Se fez presente e lhe disse: ‘Eu vi-te, quando estavas debaixo da figueira!’ (Jo 1, 48). Como é doce permanecer diante dum crucifixo ou de joelhos diante do Santíssimo Sacramento, e fazê-lo simplesmente para estar à frente dos seus olhos!” (EG, n. 264).

Ensinou também que fé não é uma palavra vazia ou que deve ser empregada inadvertidamente. Fé diz respeito à  ação misteriosa do Ressuscitado e do seu Espírito: “A fé significa também acreditar n’Ele, acreditar que nos ama verdadeiramente, que está vivo, que é capaz de intervir misteriosamente, que não nos abandona, que tira bem do mal com o seu poder e a sua criatividade infinita” (EG, n. 278).

Ensinou igualmente a força missionária da intercessão, seja na Igreja universal, seja na Igreja doméstica. Ensinou a morder a língua, a substituir o falatório que leva à maledicência pelo silêncio da oração de intercessão, inspirada em São Paulo: “Há uma forma de oração que nos incentiva particularmente a gastarmo-nos na evangelização e nos motiva a procurar o bem dos outros: é a intercessão. Fixemos, por momentos, o íntimo dum grande evangelizador como São Paulo, para perceber como era a sua oração. Esta estava repleta de seres humanos: ‘Em todas as minhas orações, sempre peço com alegria por todos vós (...), pois tenho-vos no coração’ (Fl 1, 4.7). Descobrimos, assim, que interceder não nos afasta da verdadeira contemplação, porque a contemplação que deixa de fora os outros é uma farsa” (EG, n. 281).

Ensinou, por fim, a evangelizarmos como Maria, lembrando que, acima de tudo, ela é nossa Mãe: “Juntamente com o Espírito Santo, sempre está Maria no meio do povo. Ela reunia os discípulos para O invocarem (Act 1, 14), e assim tornou possível a explosão missionária que se deu no Pentecostes. Ela é a Mãe da Igreja evangelizadora e, sem Ela, não podemos compreender cabalmente o espírito da nova evangelização” (EG, n. 284).

Que possamos dar continuidade ao pedido feito pelo Papa Francisco desde o primeiro dia do seu pontificado, rezando a oração que ele nos ensinou na Fratelli Tutti, enquanto aguardamos o anúncio daquele que será o novo sucessor de Pedro:

Oração ao Criador

Senhor e Pai da humanidade,
que criastes todos os seres humanos com a mesma dignidade,
infundi nos nossos corações um espírito fraterno.
Inspirai-nos o sonho de um novo encontro, de diálogo, de justiça e de paz.
Estimulai-nos a criar sociedades mais sadias e um mundo mais digno,
sem fome, sem pobreza, sem violência, sem guerras.

Que o nosso coração se abra
a todos os povos e nações da terra,
para reconhecer o bem e a beleza
que semeastes em cada um deles,
para estabelecer laços de unidade, de projetos comuns,
de esperanças compartilhadas. Amém.

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