22 Abril 2025
Encontramo-nos numa encruzilhada profunda na história da humanidade, onde a liderança espiritual se cruza com o desafio ecológico mais urgente do nosso tempo. O Papa Francisco foi um farol neste momento crítico, personificando a necessidade urgente de transformar a nossa relação com o planeta que chamamos de lar.
O artigo é de Christiana Figueres, líder internacionalmente reconhecida em mudanças climáticas. Foi secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2010 a 2016, onde supervisionou a implementação do histórico Acordo de Paris, publicado por National Catholic Reporter, 21-04-2025.
A importância da escolha de "Francisco" pelo Cardeal Jorge Mario Bergoglio como seu nome papal é inegável. Foi uma evocação deliberada de São Francisco de Assis, que via toda a criação como uma manifestação sagrada do amor de Deus. Essa escolha não foi um mero gesto simbólico — foi uma declaração de intenções, sinalizando o reconhecimento do papa de que nossa relação com a natureza está intrinsecamente conectada ao nosso bem-estar espiritual. Ao escolher esse nome, ele se alinhou a uma tradição que vê a natureza não como um recurso a ser explorado, mas como a criação inalienável de Deus a ser valorizada e protegida.
Essa compreensão se cristalizou magnificamente em sua encíclica de 2015, Laudato Si', sobre o Cuidado da Casa Comum, um testemunho de sua profunda consciência da intersecção entre o sagrado, a natureza e o comportamento ético. O documento foi revolucionário — não apenas por ter vindo do líder de 1,3 bilhão de católicos em todo o mundo, mas porque articulou com clareza moral o que a ciência vem nos dizendo há décadas: vivemos no Reino dos Céus, dado por Deus na Terra, e não estamos cuidando dele.
Sabemos que nosso caminho atual é insustentável. Estamos engajados em um comportamento extrativista desenfreado que nos leva a consumir a Mãe Terra em um ritmo cada vez maior que sua capacidade de regeneração. A ganância que se enraizou em nossas mentes levou a um ambiente poluído que é tóxico para nossos pulmões, destrutivo para nossa economia e sociedade e — não vamos medir palavras — suicida para o nosso futuro.
Quando Francisco falou de "pecado ecológico", ele não estava introduzindo um novo conceito teológico desconectado da realidade. Ele estava nomeando a dimensão moral da nossa falha coletiva em honrar a aliança entre a humanidade e o dom divino da criação. Isso não é periférico nem à fé nem ao bem-estar humano — é central para ambos.
Nossa Terra ferida precisa que forneçamos capacidade de restauração para que ela se cure e, assim, garantamos um futuro de bem-estar humano. Isso não é mero ambientalismo; é o reconhecimento de nossa profunda responsabilidade como guardiões da criação. Somos todos ancestrais da vida futura neste planeta. Nossa é a responsabilidade de salvaguardar os direitos das crianças ainda não nascidas do futuro que desejam prosperar em um planeta próspero.
Francisco personificou o tipo de liderança de que precisamos desesperadamente nesta década decisiva. Ele combinou profunda percepção espiritual com urgência prática, lembrando-nos de que a ação climática não está separada de nossas obrigações morais e éticas — é uma expressão direta delas. Sua voz tem sido clara e inabalável: a crise ecológica é um clamor da Terra e um clamor dos pobres, inextricavelmente ligados e exigindo nossa atenção imediata.
Ao se dirigir aos líderes mundiais, Francisco reconheceu a terrível realidade que enfrentamos sem se render ao desespero. Em vez disso, ele nos convocou para o que chamou de "conversão ecológica" — uma mudança fundamental na forma como percebemos nosso lugar no mundo e como agimos com base nessa compreensão.
O mundo precisa de mais líderes espirituais, políticos e financeiros que compreendam nossa relação com a Terra e sejam corajosos o suficiente para falar sobre ela e, ainda mais importante, agir de acordo com ela. Líderes que, como Francisco, reconheçam que os sistemas econômicos devem servir à dignidade humana e à harmonia ecológica, e não o contrário. Líderes que entendam que o verdadeiro progresso não pode ser medido apenas pelo crescimento material, mas deve incluir o florescimento de toda a teia da vida.
Como ocidentais, talvez tenhamos que compreender os limites de nossas cosmologias e redescobrir a sabedoria que foi transmitida de geração em geração em outras sociedades. As comunidades indígenas mantêm relações sagradas com a Terra há milênios, compreendendo o que muitos de nós só agora estamos começando a compreender: que não estamos separados da natureza, mas intimamente conectados a ela. Nosso futuro pode depender de retornar aos sábios anciãos de outrora, combinando sua sabedoria ancestral com nossas capacidades tecnológicas para forjar um novo caminho.
Não se trata de romantismo ou idealismo ingênuo. Trata-se de sobreviver e prosperar. Trata-se de transformar nossas economias, nossas sociedades e nossas vidas individuais a serviço de uma visão maior — uma visão que Francisco articulou com notável clareza.
Ao discursar nas Nações Unidas, Francisco lembrou aos líderes mundiais que a crise ecológica é também uma profunda crise espiritual e ética. "Qualquer dano causado ao meio ambiente", disse ele, "é um dano causado à humanidade". Essa interconexão está no cerne do que precisamos compreender agora se quisermos navegar pelos desafios que temos pela frente.
Precisamos da coragem moral que Francisco exemplificou — a disposição de dizer a verdade aos poderosos e de clamar por uma transformação radical quando necessário. Precisamos do seu reconhecimento de que o clamor da Terra e o clamor dos pobres são uma só voz, exigindo justiça e compaixão.
Diante do desespero climático e da dor ecológica, Francisco não ofereceu um otimismo cego, mas sim uma esperança fundamentada — uma esperança enraizada na convicção de que podemos escolher um caminho diferente. De que podemos, por meio da ação coletiva e da renovação espiritual, curar nossa relação com o planeta e uns com os outros.
Essa esperança não é passiva — é um chamado à ação. Exige que examinemos nossos padrões de consumo, nossos sistemas econômicos e nossos valores espirituais. Exige que reconheçamos nossa interconexão e ajamos de acordo.
Neste momento de encruzilhada, o papado de Francisco nos lembra que temos uma escolha. Podemos continuar no caminho da extração, da poluição e da destruição, ou podemos escolher a regeneração, a harmonia e o cuidado.
E já existem centenas de milhares de comunidades ao redor do mundo escolhendo esse caminho. Seja na forma de cozinhas comunitárias, hortas, escolas ou outros sistemas locais de apoio social, basta olhar além das manchetes para encontrá-las. Agricultores, professores, investidores, artistas e tantos outros já começaram a reformular suas formas de trabalho para expressar melhor seu profundo amor pelo planeta Terra e por tudo o que nele vive. Essas pessoas estão entre as mais energizadas e inspiradas entre nós. Elas estão repletas de coragem e da promessa fervorosa de novas possibilidades.
Como eles, escolhamos com sabedoria. Atendamos ao chamado deste notável líder espiritual que compreendeu que o destino do nosso planeta e o destino da humanidade são inseparáveis. Tornemo-nos os ancestrais que as gerações futuras agradecerão, e não lamentarão. O futuro não está predeterminado — será moldado pelas escolhas que fizermos hoje. Nas palavras do próprio Francisco, ouçamos "o clamor da terra e o clamor dos pobres" e respondamos com coragem, compaixão e comprometimento.