17 Março 2025
“Os fascistas cristãos distorcem o cristianismo para sacralizar a supremacia branca, o império estadunidense e o capitalismo, além de demonizar como satânicos aqueles que se opõem a eles. Esses hereges – falo como graduado da School of Divinity – distorcem os Evangelhos da mesma forma que os fascistas judeus distorcem a Torá”, escreve Chris Hedges, escritor e jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer, em artigo publicado por Drop Site News e reproduzido por Voces del Mundo, 11-03-2025. A tradução é do Cepat.
Os nacionalistas cristãos, que constituem a base do apoio a Donald Trump – 80% votaram em Trump nas últimas eleições, segundo pesquisa realizada pela Associated Press –, organizaram uma campanha para pedir à Casa Branca que apoie a anexação da Cisjordânia e de Gaza a Israel.
Esta campanha inclui visitas a Israel de líderes proeminentes como Ralph Reed, Tony Perkins e Mario Bramnick, petições à Casa Branca, pressões ao Congresso e apelos a favor da anexação em conferências cristãs, incluindo uma resolução que apoia a soberania israelense sobre a Cisjordânia adotada na última Conferência de Ação Política Conservadora. A Convenção Nacional de Emissoras Religiosas (NRB), realizada em Dallas em março, reuniu mais de 200 assinaturas de pastores e líderes religiosos de direita em todos os Estados Unidos, apelando à anexação da “Judeia e Samaria” – o suposto nome bíblico para a Cisjordânia – e declarando que a solução de dois Estados é uma tentativa fracassada.
A American Christian Leaders for Israel, que afirma representar uma rede de mais de 3.000 líderes organizacionais em todo o país, incluindo as Emissoras Religiosas Nacionais, endossou a resolução da NRB e a enviou a Trump. A deputada Claudia Tenney e cinco outros membros do “Caucus dos Amigos da Judeia e Samaria” do Congresso enviaram uma carta a Trump pedindo-lhe que reconheça o direito de Israel de declarar soberania sobre os territórios palestinos ocupados, argumentando que isso promoverá “a herança judaico-cristã sobre a qual a nossa nação foi fundada”.
Trump, que anulou uma ordem executiva da Administração Biden que sancionava os colonos judeus na Cisjordânia por violações dos direitos humanos, prometeu, em 4 de fevereiro, fazer um anúncio nas “próximas quatro semanas” sobre a possível anexação da Cisjordânia. Isto segue-se ao apelo de Trump à limpeza étnica de Gaza e às ameaças de morte aos palestinos, a menos que libertem os reféns israelenses. “Vocês falam de provavelmente um milhão e meio de pessoas, e vamos apenas limpar tudo isso”, disse Trump sobre Gaza enquanto falava a repórteres a bordo do Air Force One.
A agenda dos extremistas sionistas e dos fascistas cristãos, que ocupam altos cargos em toda a administração Trump, há muito tempo vem convergindo. A linguagem, a iconografia e o simbolismo usados pelos fascistas cristãos e judeus são bíblicos. Mas os laços são políticos, não religiosos.
Detalho a história e a ideologia do nosso fascismo autóctone e o seu parentesco com o fascismo judaico no meu livro American Fascists: The Christian Right and the War on America.
Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas e ministro batista, foi nomeado por Trump para ser o embaixador dos EUA em Israel. Huckabee disse que “não existe esta coisa de palestino” e afirmou que a identidade palestina é “uma ferramenta política para tentar forçar a retirada de terra de Israel”. Propõe que qualquer Estado palestino seja criado fora de Israel, em países vizinhos como o Egito, a Síria ou a Jordânia. Ele descarta a solução de dois Estados como “irracional e inviável”.
“Eu acredito nas Escrituras. Gênesis 12: Aqueles que abençoarem Israel serão abençoados; aqueles que amaldiçoarem Israel serão amaldiçoados. Quero estar do lado da bênção, não da maldição”, diz Huckabee.
John Ratcliffe, nomeado por Trump para chefiar a Agência Central de Inteligência, defende ajudar Israel no que descreveu como a sua abordagem de “pisar no acelerador” contra o Irã.
O secretário de Defesa de Trump, Pete Hegseth – que afirma que “o sionismo e o americanismo são as linhas de frente da civilização ocidental e da liberdade no nosso mundo de hoje” –, vende o usual absurdo de que a Bíblia hebraica, escrita há 4.000 anos, pode ser usada para traçar fronteiras nacionais contemporâneas.
Em novembro passado, declarou à Fox News: “Abram a sua Bíblia. Deus concedeu a Abraão esta terra. As doze tribos de Israel estabeleceram uma monarquia constitucional no ano 1000 a.C. O rei Davi foi o segundo rei e estabeleceu Jerusalém como capital. Os judeus lutaram contra os ocupantes estrangeiros durante séculos, até que finalmente mantiveram sua presença ali. E agora, enquanto falamos, palestinos, árabes, muçulmanos, tentam apagar os laços judaicos com Jerusalém. Estive ali muitas vezes. Eles estão tentando fazer parecer que os judeus nunca estiveram ali. O aspecto mais importante de tudo isto é que a comunidade internacional concedeu soberania aos judeus, ao Estado judeu, após a Segunda Guerra Mundial, e Israel teve de travar guerra defensiva após guerra defensiva, com todos os países que queriam esmagá-lo, desde então, simplesmente para existir”.
A televangelista Paula White-Cain, uma militante cristã sionista que diz que desafiar Trump é como “lutar contra a mão de Deus”, é uma assessora sênior no recém-criado Gabinete da Fé da Casa Branca.
As universidades dos Estados Unidos foram caluniadas pelos sionistas como aliadas do Hamas imediatamente depois da incursão de 7 de outubro em Israel, semanas antes de haver protestos nos campus. Estas universidades, em resposta às críticas e à criação de acampamentos estudantis, proibiram os protestos e fecharam o caminho à liberdade de expressão. Os ativistas estudantis foram punidos, suspensos ou expulsos. Também demitiram ou colocaram em liberdade condicional professores e administradores que se manifestaram contra o genocídio.
A caça às bruxas fez com que os presidentes da Universidade de Harvard, da Universidade da Pensilvânia e do MIT sofressem uma inquisição macartista nas audiências no Congresso lideradas pela deputada republicana Elise Stefanik. Os presidentes da Harvard e da Universidade da Pensilvânia, por não terem se rebaixado o suficiente, foram obrigados a renunciar. Stefanik, que saudou as demissões dos presidentes da Ivy League, emitiu um comunicado prometendo “continuar avançando para expor a podridão em nossas instituições de ensino superior mais ‘prestigiosas’ e prestar contas ao povo estadunidense”.
Stefanik é a candidata de Trump para ser embaixadora nas Nações Unidas. Ela acredita que “Israel tem um direito bíblico sobre toda a Cisjordânia”.
A Universidade de Columbia, quatro meses antes do acampamento de protestos ser estabelecido no campus, proibiu os capítulos da escola de Estudantes pela Justiça na Palestina e Vozes Judaicas pela Paz. Assim que o acampamento foi criado no centro da universidade, autorizou três batidas policiais com mais de 100 prisões de estudantes. Na semana passada, expulsou quatro estudantes, três do Barnard College e um da Columbia. Forçou a saída de professores e administradores.
A Administração Trump, apesar das medidas draconianas impostas pelos administradores da Columbia, cortou aproximadamente 400 milhões de dólares em subsídios federais à universidade devido ao que chama de “falta de ação contínua diante do assédio persistente dos estudantes judeus”.
A campanha montada contra as universidades nada tem a ver com a luta contra o antissemitismo. A Columbia e outras universidades nunca serão capazes de aplacar os seus críticos. A campanha consiste em criminalizar a dissidência e forçar as instituições de ensino a aderirem aos ditames ideológicos da extrema-direita e dos fascistas cristãos. O antissemitismo é a desculpa.
Os fascistas cristãos distorcem o cristianismo para sacralizar a supremacia branca, o império estadunidense e o capitalismo, além de demonizar como satânicos aqueles que se opõem a eles. Esses hereges – falo como graduado da School of Divinity – distorcem os Evangelhos da mesma forma que os fascistas judeus distorcem a Torá. Na verdade, de acordo com a escatologia dos fascistas cristãos, os judeus de Israel no “Fim dos Tempos” ou se converterão ao cristianismo ou serão exterminados, o que expõe as suas profundas raízes antissemitas e a sua aceitação aberta de teóricos nazistas como Carl Schmidt e simpatizantes como Rousas John Rushdoony.
Israel viola sistematicamente as normas diplomáticas e éticas. Ignora o direito humanitário e o direito internacional, levando a cabo um genocídio que viola a Convenção sobre o Genocídio das Nações Unidas, de 1948. Faz troça do conceito de sociedade aberta e democrática, criando cidadãos de segunda classe e um sistema de apartheid dominado por pessoas de ascendência predominantemente europeia. Emprega força letal indiscriminada para “limpar” a sua sociedade daqueles que rotula como “contaminantes” humanos, de “animais humanos”.
A supremacia judaica, assim como a supremacia dos fascistas cristãos, é, afirmam estes fanáticos, santificada por Deus. O massacre dos palestinos, que Benjamin Netanyahu comparou aos amalequitas bíblicos, são a personificação do mal e merecem ser massacrados. Os euro-americanos nas colônias americanas usaram a mesma passagem bíblica para justificar o genocídio dos nativos americanos. A violência e a ameaça da violência são as únicas formas de comunicação de que falam aqueles que estão dentro do círculo mágico do nacionalismo judaico ou do nacionalismo cristão.
Os fascistas cristãos procuram emular o fascismo judeu. Eles também anseiam “limpar” a sociedade estadunidense dos seus “contaminantes” humanos, do mesmo modo que Israel está se limpando etnicamente dos palestinos. A Lei Fundamental de Israel: O Estado-Nação do Povo Judeu, aprovada pela Knesset em 2018, declara que o direito à autodeterminação de Israel é “exclusivo do povo judeu”. Esta discriminação legal é o que os fascistas estadunidenses planejam emular em nome dos cristãos brancos. Os inimigos familiares do fascismo – jornalistas, defensores dos direitos humanos, pessoas de cor, trabalhadores indocumentados, muçulmanos, intelectuais, artistas, feministas, liberais, a esquerda, pacifistas e os pobres – serão, como em Israel, alvos.
O judiciário será uma ferramenta para reprimir os dissidentes e proteger os ricos. O debate público definhará. A sociedade civil e o Estado de direito deixarão de existir. Aqueles considerados “desleais” serão perseguidos, como demonstra a iniciativa “Catch and Revoke” [Detectar e Revogar] do Departamento de Estado, alimentada por IA, para “cancelar os vistos dos estrangeiros que parecem apoiar o Hamas ou outros grupos terroristas designados”.
Em 8 de março, as autoridades federais de imigração detiveram o ativista da Universidade de Columbia, Mahmoud Khalil, que é de ascendência palestina, embora seja residente legal permanente. Uma porta-voz do Departamento de Segurança Nacional, Tricia McLaughlin, disse que Khalil foi detido “em decorrência das ordens executivas do presidente Trump que proíbem o antissemitismo”.
A prisão e possível deportação de alguém que é residente legal permanente é um acontecimento ameaçador.
O fascismo tem diferentes iterações, mas os seus principais atributos são os mesmos. É por isso que os fascistas cristãos trabalham tão energicamente a favor de Israel. O fascismo prospera com base em um sentimento de queixa. A redenção messiânica terá lugar em Israel assim que os palestinos, condenados como a personificação do mal, forem expulsos. A redenção messiânica terá lugar quando os Estados Unidos devolverem o poder absoluto a um Estado etnonacionalista branco e cristianizado, que faça retroceder a legislação sobre os direitos civis – a Lei do Direito de Voto de 1965 já foi destruída pelo Supremo Tribunal – e cortarem os serviços sociais que “mimam” os pobres, especialmente os pobres negros.
A correnteza está contra nós. As antigas alianças estão dando lugar ao autoritarismo global, seja na Rússia de Vladimir Putin, na China de Xi Jinping, na Índia de Narendra Modi ou na Hungria de Viktor Orbán, todas as quais utilizam leis e polícia militarizada para silenciar dissidentes, jornalistas, estudantes e professores, inclusive nas suas universidades mais elitistas, como a Universidade Jawaharlal Nehru, na Índia. A extrema-direita está em ascensão em toda a Europa, especialmente na França e na Alemanha. A esquerda radical e o movimento operário foram quebrados. Temos poucas defesas. Um Partido Democrata corporativista e indolente ou instituições liberais como a Universidade de Columbia não nos protegerão.
O fascismo só pode ser derrotado com uma militância rival – uma militância que os comunistas, anarquistas e socialistas exibiram na década de 1930 – que ofereça uma visão alternativa e não comprometida com o poder despótico. Esta militância rival aceita a inevitabilidade da brutal repressão estatal e a necessidade do sacrifício pessoal. Não busca acomodação ou apaziguamento. Ressuscitaremos esta militância e reagiremos através de atos sustentados de desobediência civil – incluindo greves – contra estas forças despóticas ou seremos reduzidos à vassalagem.