22 Dezembro 2011
Diante de uma crise financeira, econômica, ecológica, política, moral e espiritual – a crise de uma humanidade que perdeu o seu caminho, tendo esquecido “as razões” do viver – desejamos ver os cristãos se mobilizarem sobre esses temas e se tornarem uma força generosa de mudança social.
Assim afirma um grupo de cristãos franceses, que, neste manifesto, pedem a mobilização dos cristãos como força de mudança social. O texto foi publicado no sítio Chretiensindignonsnous.org, em novembro de 2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Vindo de horizontes diversos, de idades, situações familiares e profissionais muito variadas, temos em comum a nossa fé, a nossa pertença à Igreja Católica e as nossas convicções sociais e políticas. Profundamente interpelados pela crise que a nossa época atravessa, nos interrogamos sobre as nossas responsabilidades e sobre as do nosso ambiente cristão.
O nosso primeiro ato de engajamento consiste em tomar a palavra.
Associamos a nossa voz à de todos aqueles que denunciam há muito tempo o sistema econômico neoliberal que rege economias e sociedades há cerca de 30 anos. Discípulos de Cristo, não temos medo de expressar a nossa revolta contra uma ordem profundamente antievangélica, cujas consequências desastrosas não podem mais ser contestadas. Por isso:
Como católicos alimentados há mais de um século por uma doutrina social generosa, ambiciosa e crível, ainda podemos defender um sistema econômico que ignora, despreza ou nega os valores humanos essenciais: a proteção dos mais fracos, a solidariedade, as relações desinteressadas, o dom gratuito, o sentido da renúncia, a dedicação à coletividade? Todos esses valores não estão no centro da exigência evangélica?
Destinatários de uma Criação extraordinariamente fecunda, da qual somos considerados e designados pelo nosso Deus como administradores prudentes, podemos deixar que prossigam os ataques irreversíveis aos quais ela é objeto, sem protestar com indignação e sem nos mostrarmos como exemplo por meio de um comportamento impecável?
Herdeiros de um humanismo bimilenar que enraíza toda a nossa tradição social e política em uma concepção muito elevada da pessoa humana, podemos ignorar por mais tempo que o materialismo assumido e agressivo, sob cujo regime vivemos, reflete uma imagem deformada e brutalizada da nossa humanidade?
O pertencimento a Cristo é uma força total que não deixa de lado nenhum dos aspectos da vida dos seres humanos. Existe um vasto campo de transformação social amplamente ignorado pelos cristãos, que muitas vezes ignoram que o que está em jogo em termos políticos atualmente vai muito além das necessárias questões éticas (defesa da vida...). Ousaremos reconhecer que a constatação das flagrantes injustiças que afetam as populações frágeis da nossa terra e as transgressões contra o ser humano e a natureza das quais somos testemunhas todos os dias são um apelo a transformar as próprias estruturas das nossas sociedades, e não simplesmente a corrigir seus efeitos desastrosos?
O paradigma liberal não somente não funciona, mas é indigno do ser humano. É nossa responsabilidade como cristãos afirmar isso e propor um outro modelo conforme às exigências do Evangelho.
Membros do grupo, consideramo-nos como os primeiros destinatários deste apelo, porque o sentimento de urgência que nos aferra se choca sobretudo com os limites e com as contradições das nossas próprias existência e com a modéstia dos nossos meios. Simplesmente, desejamos ver os cristãos se mobilizarem sobre esses temas e se tornarem uma força generosa de mudança social.
O que podemos fazer?
1. Sobretudo, converter o nosso olhar sobre o mundo que nos rodeia. Devemos fazer a constatação de que não podemos mais continuar vivendo como fazemos, nem ignorar que o paradigma liberal sobre o qual as nossas vidas são construídas não é duradouro e leva a humanidade à sua ruína. Devemos compreender que tudo está conectado e que não há uma única crise: ela é ao mesmo tempo financeira, econômica, ecológica, política, moral e espiritual. É a crise de uma humanidade que perdeu o seu caminho e simplesmente comprometeu as suas chances de sobrevivência, tendo esquecido “as razões” do viver.
2. Uma vez iniciada essa conversão, é preciso que mudemos o nosso estilo de vida cotidiana, vivendo pessoalmente e promovendo em torno a nós uma ecologia completa e plenamente humana. Pensamos, com efeito, que refundar as nossas sociedades passa sobretudo pela adoção de um modo de vida simples e respeitoso ao nosso ambiente social e natural. Mudar de vida significa renunciar com firmeza às lógicas de "crescimento", de monopólio e de consumo sem discernimento que caracterizam o modo de vida ocidental e optar, em nome do ideal de vida cristão, por levar uma existência sóbria e alegre centrada no essencial.
É assim que nós, membros deste grupo, iniciamos na nossa vida pessoal e familiar essa mudança necessária. E é sem arrogância, mas determinados a fazer refletir e a mobilizar o nosso entorno, que propomos o nosso testemunho. Em anexo a este documento, sob o título Aux côtés du Christ, en route vers une sobriété joyeuse (Ao lado de Cristo, em caminho para uma sobriedade alegre), cada um dos membros do grupo aceitou resumir o que mudou em sua vida e por que o fez. Esses testemunhos se dirigem a todos aqueles que se perguntam o que fazer. Compartilhando esses aspectos renovadores das nossas vidas cotidianas, afirmamos que o que está em jogo espiritualmente nas nossas existências não pode ser separado do que está em jogo social e coletivamente: ser cristão significa viver diferentemente. E, para além do que está em jogo em termos pessoais e familiares, mudar as nossas vidas agora já é tornar possível a coexistência fraterna dos povos desta terra, tarefa à qual nós, cristãos, devemos participar corajosamente, lutando contra o que a ameaça e defendendo o que a torna possível.
3. Por fim, em uma escala maior, devemos participar ativamente da promoção de tudo o que, ao nosso redor, orienta os seres humanos a um futuro novo! Digamo-lo diretamente: empresas à medida do ser humano preocupadas com o seu enraizamento na sociedade; trocas econômicas livres, mas subordinadas a regras de solidariedade imperativas e desimpedidas dos artifícios das finanças desmaterializadas; um modo de vida sóbrio, próximo da natureza, dos seus ritmos e dos limites que ela nos impõe e que, sem ter medo de nos repetir, volta definitivamente as costas ao modelo consumista; todas as iniciativas políticas que tendam a fazer viver uma concepção nova do bem comum, entendido em uma acepção universal, capaz de abraçar o destino dos povos próximos ou distantes que sofrerão, direta ou indiretamente, as escolhas que fazemos para nós mesmos etc.
A Igreja Católica, há anos, nos envia mensagens cada vez mais urgentes que são todas apelos a nos engajar. Citamos:
Assim, poderemos escancarar as nossas janelas para o mundo com confiança e generosidade, ouvir o apelo à justiça que ressoa de um lado ao outro da nossa terra e deixar agir em nós que o Espírito do dom que espera o nosso engajamento para se manifestar.
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Manifesto dos cristãos indignados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU