01 Dezembro 2011
A nota do Conselho Pontifício Justiça e Paz "por uma reforma do sistema financeiro monetário internacional na perspectiva de uma autoridade pública de competência universal", publicado no dia 24 de outubro, passou bastante despercebida pela maior parte dos meios de comunicação franceses, em particular pelas publicações mais especializadas em economia.
A reportagem é de Jérôme Anciberro, publicada na revista francesa Témoignage Chrétien, 24-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Isso já tinha acontecido com a Caritas in veritate, a encíclica social do papa publicada em 2009, cuja ambição, no entanto, era muito mais ampla e cujo status canônico é completamente diferente. Para a nota do Justiça e Paz, consideraram-se suficientes, na maior parte dos casos, um despacho de agência e um breve artigo (condescendente).
Clamor
Para se saber mais, era preciso ler a imprensa confessional, ou visitar blogs especializados. Então, se percebia que aquela nota havia logo se tornado objeto de um duro debate dentro de certos ambientes católicos. Em discussão: a crítica explícita da ideologia liberal e a proposta de criação de uma verdadeira autoridade política mundial.
Denunciando o "apriorismo econômico", "a ideologia do liberalismo econômico", "a ideologia utilitarista", mas também "a ideologia tecnocrática", a nota do Conselho recorda ainda a análise proposta por Bento XVI na Caritas in veritate, que considera a crise não só como uma crise de natureza econômica e financeira, mas essencialmente de natureza moral.
Geralmente, essas considerações teóricas muito críticas ao liberalismo não são abordadas pelos opositores documento. E, quando o são, é para serem postas na conta de uma influência marxista tardia que se faria sentir no Justiça e Paz.
O olhar dirigido à crise moral das nossas sociedades, em geral, não é nem sequer posto em discussão frontalmente pelos adversários liberais do documento do Conselho Pontifício. Mas assim que a nota aborda questões concretas como a taxação das transações financeiras ou a constituição daquela famosa "Autoridade mundial", que poderia regular, de modo eficaz, certos mecanismos políticos e financeiros com base no princípio da subsidiariedade, as críticas tornam-se mais severas... ou tortuosas.
Um especialista anônimo citado pelo site francês católico-liberal Liberté Politique (1), por exemplo, explica que o projeto de instituir uma autoridade mundial, evocando o princípio de subsidiariedade, faz parte de um exercício de "alta acrobacia intelectual".
Autoridade mundial
As medidas como a Taxa Tobin ou a capitalização dos bancos em dificuldade são julgadas como "prático-práticas e prudenciais". Sua escolha e sua implementação não corresponderia às preocupações éticas da nota e não seriam, portanto, de competência do magistério. Outro honorável correspondente do Liberté Politique sugere, além disso, pura e simplesmente, que se esqueça esse texto e que ele seja encoberto pudicamente com o "manto de Noé".
Nos Estados Unidos, o influente intelectual católico George Weigel, seguido por outros, focou a sua crítica no fato de que um texto proveniente de um "pequeno escritório" da Cúria tivesse um nível de autoridade insignificante e que, portanto, não havia razão para se preocupe com isso.
Tomando uma certa distância, não parece que a nota do Justiça e Paz seja particularmente inovadora. Ela só retoma noções explicitamente defendidas por todos os papas, pelo menos desde João XXIII, em particular aquela famosa ideia de uma Autoridade mundial.
Portanto, não se entende a violência das reações que ele despertou. O teólogo norte-americano Vincent Miller, que, em um artigo do jornal norte-americano National Catholic Reporter, avalia o documento do Justiça e Paz como "eminentemente moderado", formula uma hipótese: "As fundações neoliberais investiram somas incalculáveis para fazer da palavra `governo` um palavrão".
Nessas condições, entende-se porque a ideia de uma Autoridade mundial hoje provoca uma reação de rejeição. Até mesmo dos católicos.
Notas:
1) Disponível em www.libertepolitique.com, site da Association pour la Fondation de Service Politique, organização que tem a proeza intelectual de declarar um robusto catolicismo em matérias morais, defendendo sistematicamente os opções econômicas mais liberais.
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A forte reação ao documento do Vaticano sobre as finanças internacionais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU