21 Novembro 2024
Vários estudos refletem o novo clima destituinte e a erosão da democracia em escala global, e a América Latina não está alheia a esses fenômenos. Os presidentes de El Salvador e da Argentina são apenas duas versões extremas.
O artigo é de Mario Ríos Fernández, professor de ciência política na Universidade de Girona e analista político e eleitoral, publicado por Nueva Sociedad, outubro de 2024.
Vivemos tempos convulsos e de constante mudança. As velhas certezas, por inconvenientes que fossem, parecem murchar a uma velocidade recorde, e tudo aquilo que era sólido começa a mostrar sinais de liquefação, deixando as sociedades à mercê. A ordem internacional liberal, o sistema econômico, o funcionamento do próprio direito internacional, os avanços tecnológicos, o comportamento político e social ou a saúde democrática estão registrando uma série de mudanças e variações que alteram as coordenadas existentes. Todas as certezas que nos explicavam como funcionava o nosso mundo estão se desvanecendo.
Nos encontramos, portanto, imersos em um momento de mudança no qual os antigos paradigmas econômicos, políticos, sociais e geopolíticos parecem colapsar, e no qual se produz uma coexistência entre aquelas ideias, atores e tendências emergentes e aquelas em declínio, que acabarão disputando a hegemonia em um futuro muito próximo. Assim, essa batalha está provocando uma profunda desorientação econômica, social e política generalizada que afeta tudo o que conhecemos. Essas mudanças estão atingindo em cheio os sistemas democráticos, situados no centro da crise orgânica que o sistema econômico e político está sofrendo, e começam a passar por um processo de deterioração – sob a forma de uma regressão democrática – que desgasta grande parte de seu funcionamento e de seu conteúdo político.
No seu relatório de 2023, o Instituto V-Dem, um think tank especializado na análise dos sistemas democráticos, oferece uma fotografia preocupante da evolução da democracia em escala global. Um dos achados mais importantes deste relatório, que constitui uma de suas conclusões mais sombrias, é que o nível médio de democracia que um cidadão global experimenta retrocedeu a níveis semelhantes aos de 1986. De 2003 a 2023, passamos de 35 países em processo de democratização para apenas 18, enquanto os países que se voltaram para regimes autoritários passaram de 11 para 42.
As tendências foram claramente invertidas e, atualmente, estamos em uma situação pior do que há 40 anos, já que existe um número menor de sistemas democráticos do que naquela época: segundo o índice de democracia liberal deste think tank, que inclui uma escala de 0 a 10 em variáveis como a qualidade das eleições, os direitos individuais, a independência institucional, as liberdades de expressão ou de associação, o respeito pelas liberdades civis por parte dos poderes públicos ou a existência de meios de comunicação plurais, a qualidade da democracia piorou até voltar aos níveis de 1986.
O deterioramento é generalizado em boa parte do planeta, mas é especialmente acentuado nas variáveis relacionadas à liberdade de expressão, à censura ou à repressão das organizações da sociedade civil e da oposição, que são três das principais causas, segundo o relatório. O relatório também destaca que sete de cada 10 indivíduos em escala global vivem agora em regimes autocráticos, um aumento claro e sustentado em comparação com estudos anteriores, quando, em 2003, era 50% da população.
A América Latina não escapa às tendências globais apontadas pelo relatório do V-Dem e também experimenta um retrocesso democrático, embora com características diferentes daquele vivido pela região entre o final da Segunda Guerra Mundial e o início da década de 1980. Durante esse período, e por meio de uma série de golpes de Estado de caráter militar apoiados pelas oligarquias nacionais, os regimes autoritários acabaram com os sistemas democráticos que, naqueles momentos, se inclinavam para opções políticas mais redistributivas ou que pretendiam melhorar as condições de vida das maiorias sociais. Esse ciclo terminou quando, na década de 1980, começou a onda democratizante e os diversos países da América Latina empreenderam seus processos de transição para a democracia. No entanto, nos últimos anos, a América Latina começou a experimentar um "momento destituinte". Um contexto que dá lugar a uma conjuntura fortemente marcada pela instabilidade, a fragmentação, a agitação social e a polarização política, resultando em um impulso à regressão democrática em toda a região.
Um dos documentos que melhor estudou o deterioramento democrático na América Latina é o relatório anual da consultoria Latinobarômetro. De fato, o estudo de 2023 se concentra na análise das causas da fadiga democrática e da forma como essa fadiga se expressa na opinião pública latino-americana. Segundo o relatório, algumas das principais causas do deterioramento democrático na América Latina são a fraqueza institucional dos partidos políticos, o excesso de poder presidencial e a capacidade que os lideranças fortes têm de alterar o jogo político. O personalismo de certas figuras enfraquece claramente os equilíbrios de poder institucionais dos sistemas políticos da região.
O mesmo relatório também destaca uma série de causas ligadas à corrupção, que provoca a erosão da confiança por parte da cidadania no sistema, fomentando assim o descrédito institucional e a apatia política e eleitoral. Quanto maiores os níveis de corrupção, menores são os níveis de participação política.
Por fim, o relatório também aponta como elemento de deterioração democrática o aumento da polarização nas sociedades latino-americanas. Trata-se de uma polarização ideológica cada vez mais profunda sobre os modelos de sociedade em disputa, que acaba contaminando o debate político e transformando as legítimas diferenças ideológicas e programáticas entre grupos em uma polarização afetiva que conduz ao ódio, à animosidade e até mesmo à violência contra o oponente político. Brasil, Colômbia e Venezuela são exemplos claros dessa deriva polarizadora que se estende por todo o continente.
Todos esses fenômenos ocorrem em uma região cada vez mais desigual no plano socioeconômico. Essa desigualdade tem se revelado como a base da instabilidade e da fragmentação política e social. Como aponta Diego Sánchez Ancochea em seu livro, intitulado El coste de la desigualdad: lecciones y advertencias de América Latina para el mundo (Ariel, 2022), a desigualdade é um elemento corrosivo das relações sociais e comunitárias, que provoca a desconfiança entre grupos e em relação às instituições, gerando dinâmicas políticas de polarização e confronto que abalam os alicerces dos sistemas democráticos. O aumento da desigualdade radicaliza parte da população, gerando uma competição política pelos recursos e pelo poder cada vez mais extrema, a ponto de dinamitar os consensos sociais e políticos existentes. Esse processo é o que o autor aponta ao relacionar o crescimento da desigualdade na América Latina com o deterioramento democrático que a região está vivendo".
Esse 'momento destituinte' que afeta diretamente os sistemas democráticos latino-americanos fica claro quando se analisa a opinião pública dos diferentes países da região. Se considerarmos os dados fornecidos pela pesquisa realizada pelo Latinobarômetro em 2023, vemos que a região experimenta uma tendência preocupante de regressão democrática.
O primeiro dado que vemos ao analisar as informações do relatório geral é que, de modo geral, o apoio à democracia como sistema político caiu de forma clara. Apenas 48% dos latino-americanos apoiam a democracia, o que representa uma queda significativa de mais de 15 pontos desde 2010, quando o apoio era de 63% em toda a região.
Paralelamente, embora a preferência por um modelo autoritário não tenha crescido exponencialmente, houve um aumento claro na opção de que qualquer sistema político é indiferente. Assim como o autoritarismo em 2010 estava em 14% e atualmente está em 17% — e vem subindo desde 2017 — a opção 'nos dá o mesmo' passou de 16% para 28%. Podemos afirmar então que o declínio do apoio à democracia iniciado a partir de 2010 foi sistemático, mostrando causas estruturais que não foram remediadas e que aprofundam a perda de apoio à democracia, não com uma virada clara para o autoritarismo, mas com um aumento preocupante da indiferença em relação ao sistema político.
Mas as tendências não se verificam da mesma forma em toda a região. 70% dos entrevistados no Uruguai manifestam apoio ao sistema democrático, enquanto em Honduras o apoio é de apenas 32% e em Guatemala é de 29%. Em países como Chile, Argentina ou Venezuela, o apoio ainda é majoritário (cerca de 55%), mas em quase todos eles houve uma queda em relação a 2020. De fato, se observarmos o reverso dessa pergunta, vemos como o apoio a um governo autoritário subiu no México (33% em 2023 contra 22% em 2020), no Paraguai (27% contra 24%), na Guatemala (23% contra 14%), no Equador (19% contra 10%) ou na Argentina (18% contra 13%), para citar alguns exemplos.
Essa tendência descendente no apoio aos sistemas democráticos parece caminhar lado a lado com outra dinâmica fundamental que os dados demoscópicos do relatório apontam: a insatisfação política. O sentimento de insatisfação, desafeição ou apatia em relação ao sistema democrático é generalizado: 69% dos latino-americanos entrevistados afirmam se sentir insatisfeitos com o funcionamento de seu sistema político. Estamos falando de menos de 30% dos cidadãos estarem satisfeitos com o funcionamento da democracia. Embora existam diferenças de grau entre os países, é claramente perceptível um aumento da insatisfação que, embora tenha diminuído ligeiramente desde 2020, vem crescendo exponencialmente desde 2010.
Por fim, é necessário destacar também que o apoio aos partidos políticos está no nível mais baixo, já que apenas 21% dos cidadãos acreditam que eles funcionam bem, contra 77% que têm uma opinião contrária. Ao mesmo tempo, cada vez mais pessoas acreditam que a democracia pode existir sem partidos políticos (48%).
Essas tendências de descontentamento político e de indiferença democrática facilitam a virada para o autoritarismo e o populismo conservador na região. Seguindo nossa análise da opinião pública latino-americana, vemos que, quando os cidadãos são questionados sobre se estariam de acordo com um governo não democrático que resolvesse os problemas existentes, a tendência é ascendente, passando de 44% em 2002 para 54% em 2023. Em Honduras, a porcentagem de respostas afirmativas a essa afirmação é de 70%, enquanto no Paraguai é de 68%, na Guatemala de 66%, na República Dominicana e El Salvador de 63%. Nos países do Cone Sul, o apoio a essa opção é menor, situando-se em torno de 40%.
No entanto, esta não é a única variável que certifica a virada autoritária. Existem várias outras. 36% dos latino-americanos entrevistados defendem que o presidente controle os meios de comunicação em caso de dificuldades, e 35% apoiariam um governo militar em seu país. Ambas as tendências mostraram um aumento na última década.
Esses achados, que aqui refletimos brevemente, mostram uma profunda crise de confiança cidadã nas instituições democráticas na América Latina, sublinhando a necessidade urgente de reformas que fortaleçam a governança e restaurarem a fé na democracia na região. O que aqui descrevemos, portanto, não se refere majoritariamente à onda autoritária que a região experimentou no meio do século XX, mas sim ao declínio e vulnerabilidade democrática que os países da região alcançaram após uma década de deterioração contínua e sistemática da democracia.
A regressão se materializa no baixo apoio à democracia, no aumento da indiferença ao tipo de regime político — o que leva à aposta por projetos políticos de duvidosa trajetória democrática —, no colapso do desempenho dos governos e na busca por lideranças unipessoais e excepcionais, e na crescente imagem negativa dos partidos políticos. Esses fatores abrem a porta para atitudes favoráveis ao autoritarismo por parte de alguns setores da população latino-americana, como veremos a seguir.
Os dois casos que se expressaram como os símbolos da deterioração democrática na região são, sem dúvida, o de El Salvador, com Nayib Bukele, e o da Argentina, com Javier Milei. Ambos os líderes expressam perspectivas políticas reacionárias que constituem um perigo para os sistemas e instituições democráticas.
Javier Milei, que se define como paleolibertário ou anarcocapitalista, reúne todas as características de um outsider disposto a encarnar a indignação e a raiva social em uma sociedade em choque. Milei irrompeu na política argentina com uma candidatura presidencial desafiadora para arrasar com os partidos políticos tradicionais, tanto à direita quanto à esquerda, e desafiar o establishment político. As excentricidades do candidato, sua inexperiência, suas incoerências programáticas e ideológicas ou o questionamento de alguns consensos básicos na sociedade argentina não diminuíram nem um pouco seu apelo eleitoral, permitindo-lhe vencer de forma expressiva o segundo turno com uma coalizão eleitoral que ia além do espectro conservador e que abrangia classes subalternas e pessoas descrentes no sistema democrático. O fato é que, segundo diversos dados das pesquisas de opinião pública, antes da eleição presidencial que levou Milei ao governo, já existia um caldo de cultivo para que, em um país como a Argentina, imerso em um choque social, econômico e político, fosse possível apostar em um candidato com pretensões de romper com o sistema (e com o Estado).
O relatório do Latinobarômetro mostra que, exceto em 2023, a Argentina já registrava uma queda constante no apoio ao sistema democrático. Essa queda na confiança nas instituições e no regime político serviu como um fundo, juntamente com a apatia cidadã, para o crescimento de opções autoritárias.
A essa diminuição do apoio ao sistema democrático soma-se o fato de que oito de cada dez argentinos consideram que o país está sendo governado por uma série de grupos poderosos que utilizam o sistema em benefício próprio. Esses números são semelhantes aos do início da década de 2000, quando ocorreu o confisco das economias dos cidadãos e o subsequente estalo social com o grito de 'Que se vayan todos'. Agora, apenas 12% da população argentina acredita que o país conta com administrações preocupadas com o bem comum, e seis em cada dez manifestam insatisfação com o funcionamento da democracia. Ao mesmo tempo, a percepção dos argentinos de que os esforços para combater a corrupção são escassos ou inexistem tem crescido. Desde 2010, a política se tornou o alvo preferido da cidadania, ficando apenas abaixo dos problemas de ordem econômica. Em resumo, como mostram os números do estudo de opinião do Latinobarômetro, os argentinos estão fartos dos partidos políticos. 50,6% discordam e 25,5% discordam fortemente da afirmação de que esses partidos funcionam bem.
Em resumo, o desinteresse, a 'antipolítica', o cansaço com o sistema, a indiferença e a crescente insatisfação parecem ter atuado como o coquetel de uma série de tendências sociais que impulsionaram um candidato excêntrico e outsider, que conseguiu manter níveis notáveis de apoio, apesar da virada antissocial e autoritária que está implementando nos seus primeiros meses de governo.
Vamos agora para o outro caso de estudo: Nayib Bukele. Bukele, um político millennial que se ergueu como antisistema, apesar de vir de um partido tradicional e ter iniciado uma carreira eleitoral bem-sucedida com ele, se define como um candidato outsider, nem de esquerda nem de direita, que quer dar voz ao cidadão comum contra a casta política. Um produto a mais da onda populista iniciada em 2010, e um fenômeno que serviria de exemplo para outras opções políticas a partir daquele momento. Bukele é o primeiro presidente eleito que não pertence a nenhum dos grandes partidos desde o fim da guerra civil salvadorenha, e fez isso com uma maioria de 53% em 2019. De fato, a estética e a comunicação política de Bukele se assemelham mais a um influenciador de redes sociais do que a um político profissional, apesar de já estar há mais de uma década fazendo política. Com seu partido, Nuevas Ideas, Bukele focou suas propostas na substituição da casta política salvadorenha, na transformação econômica do país e, sobretudo, na segurança. A política de segurança de Bukele, centrada na repressão sistemática e sem garantias das gangues (as maras salvadorenhas), foi denunciada por diversas ONGs como contrária aos direitos civis e judiciais mais básicos, além de ser uma ameaça ao funcionamento democrático do país.
Se analisarmos as tendências sobre crise democrática que vimos anteriormente, podemos afirmar que o El Salvador de Bukele se encontra atualmente nas mesmas condições antecipadas da Argentina de Milei, mas vinha de uma situação similar. O cenário anterior à vitória de Bukele em El Salvador era semelhante ao da Argentina pré-Milei, mas a chegada do novo mandatário provocou modificações nas percepções da sociedade salvadorenha em relação à democracia e ao funcionamento do sistema político. Desde que Bukele assumiu o comando do país, o apoio à democracia como sistema aumentou, passando de 27,7% para 45% entre os anos de 2020 e 2023.
Mais importante ainda é o salto brutal que a satisfação com a democracia como sistema experimentou em El Salvador: passou de pouco mais de 3% em 2016, o nível mais baixo da série histórica desde 1996, para mais de 60% em 2023. Estamos falando de um aumento de quase 50 pontos em apenas 7 anos. Tanto é que diminuiu o número de salvadorenhos e salvadorenhas que apoiariam um regime militar em casos extremos e também a cifra de pessoas que discordam da ideia de que regimes não democráticos são legítimos se resolverem os problemas.
Essa tendência espetacular vai de mãos dadas com o aumento do interesse pela política em El Salvador. Desde a chegada de Bukele à presidência, o interesse pela política no país passou de 25,2% para quase 47%.
No entanto, essa não é a mudança de tendência mais impressionante, nem a que explica o efeito Bukele: esse fenômeno não se entende sem o problema da segurança. Bukele prometeu tornar El Salvador um país seguro e acabar com a criminalidade. Além do sucesso ou não de sua proposta, ou do método utilizado para alcançá-la, o que fica claro é a mudança na opinião pública: a segurança/criminalidade como problema passou de 40,3% há 6 anos para 1,7%. Por outro lado, a preocupação de ser vítima de um crime com violência despencou: em 2018, 45,7% acreditavam que poderiam ser vítimas de um crime desse tipo quase o tempo todo, enquanto em 2023 a situação se inverteu e agora 41,5% acredita que isso nunca acontecerá. Os salvadorenhos se sentem mais seguros com Bukele e daí vem o seu apoio ao sistema político.
Em resumo, os dados mostram que Bukele assumiu as rédeas de um país com indicadores similares aos da Argentina antes da vitória de Javier Milei, e tem relegitimado o sistema político por meio de sua pessoa, de sua ação política e de suas estratégias comunicativas relacionadas à segurança. A democracia securitária e punitiva parece ser a chave do sucesso de Bukele.
A democracia está se enfraquecendo em todos os lugares. A erosão que as instituições democráticas estão sofrendo ao redor do mundo nos alerta de que o caminho para a autocratização de nossos sistemas continua e afeta diversos países, tanto na América Latina quanto no resto dos países democráticos. As razões são múltiplas e as manifestações dessa crise democrática são diversas, mas por trás delas há uma questão fundamental: a quebra da promessa de progresso contínuo. O aumento da desigualdade, o crescimento da pobreza e da exclusão, as expectativas frustradas e as possibilidades de mudança falidas geram instabilidade, incerteza e medo de um futuro cada vez mais imprevisível. Todos esses fatos mostram que o frágil pacto social, político e econômico que ligava a democracia à melhoria das condições de vida foi rompido.
Onde cresce a antipolítica, a apatia, a indiferença e a insatisfação com o funcionamento da democracia, é onde com mais força aparecem fenômenos como Bukele ou Milei. Essas lideranças e essas opções surgem em momentos em que a confiança no sistema foi quebrada, em que amplas camadas da população deixaram de acreditar nas instituições que os governam. É então que estes, sempre posicionados na direita radical, lançam sua ofensiva para romper os consensos políticos que mantinham a estabilidade dos sistemas políticos em que se movem.
A antiga promessa de melhoria e de progresso contínuo que acompanhava os sistemas democráticos parece ter sido soterrada pelas contradições do sistema econômico. Desde a crise global de 2008-2012, os sistemas democráticos geram cada vez mais indiferença e insatisfação, e começam a ser menosprezados diante das alternativas autoritárias que parecem mais resolutivas aos desafios sociais e políticos que temos pela frente. Os dados que vimos certificam essas tendências e nos ajudam a entender fenômenos como Milei, Bukele ou Bolsonaro, além de nos sinalizar quais grupos sociais são os mais críticos aos sistemas democráticos.
Diante dessas tendências de fundo, que assumem formas diferentes a nível local, regional e global, recuperar as bases sociais e econômicas da democracia se tornou um imperativo. E isso exige o desenvolvimento de uma proposta redistributiva e pré-distributiva que permita às grandes maiorias sociais desenvolver uma vida plena e satisfatória.
No entanto, mesmo os líderes autoritários podem gerar apoio e ter ampla legitimidade social se forem capazes de responder aos anseios e desejos da população. Em nenhum lugar está escrito que formas autoritárias não possam contar com apoio popular se cumprirem, ainda que de forma aparente, o que prometem à cidadania. O caso de Bukele é o melhor exemplo: sem uma democracia que funcione para a maioria, a legitimação do sistema virá por meio de resultados que não terão a igualdade no centro, mas a repressão social.
Somente com essa certeza — a de que a política democrática deve ser útil às maiorias — as forças políticas e sociais que defendem os sistemas democráticos poderão oferecer novos horizontes políticos de mudança e esperança para amplas maiorias sociais. A democracia está em jogo.
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Regressão democrática e momento destituinte na América Latina. Artigo de Mario Ríos Fernández - Instituto Humanitas Unisinos - IHU