22 Agosto 2023
A assunção de Santiago Peña como o novo presidente do Paraguai, em 15 de agosto, está acompanhada por uma transformação do Partido Colorado, que governa o país, com uma breve interrupção, há mais de 70 anos. Com um perfil técnico, Peña é uma espécie de sucessor de Horacio Cartes, o empresário e ex-presidente acusado pelos Estados Unidos de subornar membros do partido e que conseguiu impor seu candidato nas últimas eleições.
A reportagem é de Julien Demelenne, publicada por Nueva Sociedad, 08-2023.
A Associação Nacional Republicana (ANR), popularmente conhecida como Partido Colorado, tem governado o Paraguai por mais de sete décadas, com uma breve pausa durante a presidência de Fernando Lugo (2008-2012). Chegando ao poder por meio de um golpe de Estado em 1947, foi o partido que sustentou a ditadura mais longa da América do Sul, a de Alfredo Stroessner (1954-1989). Hoje, os militares perderam sua hegemonia e, após a derrubada do ditador por seu genro, o também colorado Andrés Rodríguez, por meio de um golpe militar em 1989, o Partido Colorado pode reivindicar sua "tradição democrática". Durante décadas, a ANR conseguiu representar a "paraguaiedade": durante a ditadura stronista, "ser colorado era a melhor forma de ser paraguaio".
A vitória de Santiago Peña nas eleições de 30 de abril passado, com 42,74% dos votos, reflete uma dança em dois tempos entre tradição e renovação: o novo presidente destaca seu lado conservador ao mesmo tempo que se apresenta como o candidato da renovação política.
Ao contrário da imagem desgastada de seu antecessor, Mario Abdo Benítez (2013-2018), Peña encarna, devido à sua relativa juventude, 44 anos e sua escassa participação política anterior, um perfil muito diferente do que a classe política colorada tradicional projeta. Com um partido acostumado a líderes clientelistas, Peña chega com um novo rosto, o de técnico, formado em Administração Pública pela Universidade de Columbia, em Nova York, e com experiências profissionais no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Central do Paraguai. Em 2017, foi convidado pelo então presidente, Horacio Cartes, para assumir o Ministério da Fazenda. Um dado resume a mudança no perfil de um Partido Colorado que já havia se transformado sob a liderança de Cartes, um empresário polêmico que praticamente "comprou" o partido: Peña é o primeiro presidente que não fala guarani, em um país onde essa língua indígena é majoritária e oficial, e falar guarani era até agora uma espécie de condição tácita para fazer política com sucesso.
Peña não consegue se afastar de suas origens liberais, que contrastam com a máquina do Partido Colorado, cujo poder sempre se sustentou no controle da administração pública, razão pela qual os colorados resistiram a uma privatização em massa das empresas estatais. Antes de sua investidura, Peña apresentou várias propostas de reforma do Estado, com o objetivo de fundir ministérios para melhorar os gastos públicos. A "modernização do Estado" é uma de suas propostas preferidas. Durante a campanha, ele afirmou que o Ministério da Saúde deveria ser apenas um "órgão diretor", o que implicava uma maior participação do setor privado. Pouco depois, ele teve que se retratar, diante da pressão do funcionalismo público colorado.
Resta ver como Peña resolverá essa tensão entre a modernização do Estado e, ao mesmo tempo, a manutenção do apoio de um partido acostumado à criação de cargos para favorecer sua clientela política. Fora do discurso, os ministros nomeados por Peña estão longe da imagem de renovação e modernização. A maioria de seus ministros se divide entre gerentes das empresas do Grupo Cartes (do ex-presidente sancionado pelos Estados Unidos e mentor de Peña) e antigos líderes locais colorados. Alguns ministérios escapam dessa lógica, como Saúde, Cultura e Educação, uma prioridade para o presidente, que tem como um de seus principais objetivos fortalecer as instituições responsáveis pela formação do capital humano.
Em seu esforço para se adaptar aos tempos, o Partido Colorado encontra uma nova fórmula: um candidato nacional com perfil tecnocrático apoiado por uma estrutura de líderes locais. Essa fórmula acabou sendo vitoriosa. Não se deve esquecer que, antes das eleições de 30 de abril, algumas pesquisas indicavam um empate técnico entre os colorados e a aliança opositora, e outras até mencionavam uma possível vitória da oposição liderada pelo Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA). No entanto, contra as expectativas, o Partido Colorado mostrou toda a sua força e obteve sua vitória mais convincente desde os tempos de Stroessner: 15 pontos a mais do que o opositor Efraín Alegre.
O Partido Colorado nunca havia vencido as eleições com tamanha vantagem. De fato, desde o início da transição democrática, ele estava perdendo força eleitoral ao longo do tempo. Raramente teve maioria absoluta no Parlamento (principalmente na Câmara de Senadores). O próprio Mario Abdo Benítez (presidente anterior) construiu sua maioria no Senado de maneira pendular, entre o apoio da oposição e o apoio interno, sempre condicionado, da facção Honor Colorado, liderada por Cartes. Este último manteve distância e até mesmo desempenhou um papel de oposição. Com sua vitória em 30 de abril, o Partido Colorado tem maioria nas duas câmaras (senadores e deputados) e controla 15 dos 17 departamentos do país.
Como contrapartida, as eleições internas do partido estão longe de ser antidemocráticas. Longe dos acordos a portas fechadas, elas se transformam em trincheiras de disputa pelo poder real. Mas, como a tradição manda, uma vez concluída a eleição interna, a reconciliação deve ocorrer na figura do "abraço republicano". Os colorados são conscientes de que qualquer fratura pode colocar em risco o que têm de mais precioso: o controle do Estado.
Nenhum presidente colorado teve, na democracia, tanta governabilidade quanto Peña tem atualmente. Mas seu ambiente político tende a confundir a governabilidade com a tentação de controlar totalmente os poderes do Estado. Ao mesmo tempo, ele é um presidente sem liderança própria, o que dificultará muito a definição de uma linha dentro de seu partido, pois continua dependente de alguns líderes tradicionais e, acima de tudo, de seu mentor Cartes.
Os opositores reclamam: "Peña é o secretário de Cartes", "Peña é a marionete de Cartes", enquanto ele continua com sua agenda sem mostrar sinais de independência. Em seus discursos de vitória e posse, não faltaram agradecimentos e elogios ao ex-presidente. Este último, empresário "bem-sucedido" para seus seguidores fiéis ou o "Pablo Escobar do Paraguai" para seus detratores, permaneceu fora da política até 2012, quando foi apresentado como o salvador do Partido Colorado.
Vale lembrar que, em 2008, ocorreu a primeira alternância democrática da história do Paraguai, com a eleição do ex-bispo Fernando Lugo. O Partido Colorado, ciente de que historicamente vencia as eleições graças ao controle do aparato estatal, sabia que precisava de dinheiro privado para fazer sua máquina funcionar. E quem forneceu esse dinheiro foi Cartes. Em troca, o partido modificou o estatuto partidário que exigia um mínimo de cinco anos de filiação para ser candidato, o que permitiu ao empresário chegar ao Palácio de López em 2013. Diante da impossibilidade de modificar a Constituição para buscar a reeleição, Cartes decidiu nomear Peña como seu herdeiro político. No entanto, seu primeiro intento falha e Mario Abdo Benítez assume a Presidência.
Em 2022, durante o governo de Benítez, Cartes foi acusado pelo governo dos Estados Unidos de ser "significativamente corrupto". Mais tarde, ele foi sancionado economicamente e entrou para a lista do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC). O governo americano o acusou de promover uma "corrupção desenfreada que mina as instituições democráticas no Paraguai" e afirmou que, durante sua presidência, Cartes manteve seu poder "por meio de subornos mensais em dinheiro, pagos a legisladores leais; os pagamentos variavam entre 5.000 e 50.000 dólares por membro", além de mencionar os vínculos com organizações terroristas. Ao mesmo tempo, o ex-presidente foi acusado de contrabando de cigarros e lavagem de dinheiro pela Comissão Bicameral de Investigação de Lavagem de Dinheiro do Paraguai. Horacio Cartes não foi o único declarado "significativamente corrupto": também o vice-presidente do governo anterior, Hugo Velázquez. Além disso, vários senadores e deputados do movimento Honor Colorado estão impedidos de entrar no território americano. Alguns encaram isso com orgulho e outros tiveram problemas pessoais porque a restrição se estendia aos seus familiares, como no caso da filha do deputado Yamil Esgaib, que estava estudando em uma universidade americana.
Com a vitória de sua facção e de seu protegido nas últimas eleições, Cartes chega com uma política de revanche, tentando provar sua inocência com o respaldo popular. Ele comemorou seu aniversário recebendo pessoalmente milhares de seguidores, buscando provar que sua boa fé foi decidida nas últimas eleições. Ao mesmo tempo, ele atacou seus principais opositores apresentando uma denúncia de "perseguição política". Ele tenta instalar o discurso de que os Estados Unidos o acusaram com informações falsas fornecidas pelo governo de seu rival interno, Abdo Benítez, quando ele era presidente do Paraguai. Cartes também conseguiu ser eleito presidente da ANR, dando à facção cartista o controle do partido e do governo. Com Peña como presidente, conseguiu nomear ex-promotores acusados de tê-lo protegido no passado em instituições-chave para sua sobrevivência: a Secretaria de Prevenção de Lavagem de Dinheiro, a Secretaria Nacional Antidrogas e a Secretaria de Inteligência Nacional.
Embora Peña tenha afirmado publicamente que não se oporá a um eventual pedido de extradição de Cartes pelos Estados Unidos, ao mesmo tempo ele sabe que essa decisão não lhe cabe, mas sim ao Poder Judiciário. Cartes, aproveitando seu controle do Parlamento, não hesitou em moldar o Poder Judiciário, cuja independência havia melhorado durante o governo de Abdo Benítez.
Antes de assumir o poder, graças à maioria parlamentar os cartistas ocuparam vários órgãos de controle do Poder Judiciário, como o Conselho da Magistratura e o Júri de Julgamento de Magistrados, visando controlar juízes e promotores que poderiam eventualmente investigar a classe política. O presidente do último, Hernán Rivas, cuja fortuna e título de advogado têm origens duvidosas, foi nomeado presidente, mas acabou renunciando e continuou como membro. O deputado cartista Yamil Esgaib inclusive ameaçou o procurador-geral do Estado, conhecido por sua independência, afirmando: "Nós somos o poder eleito pelo povo, o procurador vai embora quando nós quisermos".
O Paraguai é historicamente lembrado por sua política protecionista de José Gaspar Rodríguez de Francia e pela devastadora Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870), que o confrontou com Argentina, Brasil e Uruguai. Esses fatos históricos são frequentemente citados pelos políticos para justificar que a soberania paraguaia está acima de qualquer tentativa de intervencionismo externo. Isso é destacado em uma entrevista com Peña: "A história do Paraguai, desde sua fundação há mais de 200 anos, sua luta pelo território. Lembre-se de que fomos a duas guerras. Em uma perdemos 60% do território, fomos invadidos por nossos vizinhos e perdemos 90% da população masculina... Isso nos leva a pensar que, apenas porque um país é maior, não tem o direito de invadir ou dominar outros países".
As sanções dos Estados Unidos a Cartes e outros políticos provocaram a exaltação do nacionalismo latente na sociedade paraguaia. Em resumo, Peña tem a missão de recompor as relações deterioradas com Washington. No entanto, sua equipe política também gerou tensões com a União Europeia. Parte dos parlamentares do movimento Honor Colorado, autodenominados "pró-vida" e "pró-família", denunciou um programa de cooperação não reembolsável com a UE destinado a financiar uma série de programas do Ministério da Educação, como um projeto para enfraquecer a "família paraguaia" e impor a "ideologia de gênero" nas escolas. O acordo está a caminho de ser revogado, o que pode colocar em dúvida a credibilidade internacional do Paraguai e as relações com a UE.
Mas o que causou alvoroço na campanha foram as relações do país com Taiwan. O Paraguai é um dos 13 pequenos países que reconhecem a independência do território insular asiático, o que implica não ter relações com a República Popular da China. O candidato opositor, Efraín Alegre, provocou polêmica afirmando que estava disposto a rever as históricas relações com Taipei e estabelecer relações com Pequim, na tentativa de seduzir a elite econômica agroexportadora, que busca fortalecer os laços com a China para aumentar as exportações de carne e soja.
Peña não apenas se manteve favorável à continuidade da política em relação a Taiwan, como também visitou o país antes de assumir a Presidência, justificando os laços históricos que unem as duas nações e garantindo que, ao contrário do continente chinês, que busca apenas matéria-prima, Taiwan poderia contribuir para o desenvolvimento tecnológico e industrial do Paraguai.
Também no campo da política externa, Peña anunciou a mudança da embaixada do Paraguai de Tel Aviv para Jerusalém, evitando assim a neutralidade adotada pela maioria das nações no conflito israelense-palestino. Isso se deve principalmente à amizade pessoal de Cartes com a elite política israelense, incluindo Benjamin Netanyahu, amizade da qual faz parte também o "irmão de alma" de Cartes, Darío Messer, condenado no Brasil por lavagem de dinheiro. Além disso, Peña reconheceu publicamente Nicolás Maduro como presidente da Venezuela, marcando uma diferença em relação ao seu antecessor, que havia reconhecido Juan Guaidó.
Finalmente, a política externa do novo presidente é marcada pela renegociação do Anexo C do tratado da represa hidrelétrica de Itaipu, uma empresa binacional. Segundo esse tratado, o Paraguai é obrigado a vender seu excedente a um preço preferencial ao Brasil. A renegociação poderia permitir que o Paraguai disponha de sua energia para vender a outros países pelo preço de mercado, mas, como afirmou o presidente eleito, sua prioridade é que o país utilize sua energia como fonte de industrialização e desenvolvimento. Entre o momento de sua eleição e sua posse, Peña já se encontrou duas vezes com seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele também marcou uma agenda internacional movimentada para dar visibilidade ao país, visitando chefes de Estado da Argentina, Uruguai, Emirados Árabes Unidos e Taiwan.
O que marcou as últimas eleições presidenciais é, sem dúvida, a irrupção de um candidato "antissistema", que, depois de passar por vários partidos com um discurso radical contra a classe política e apoiado por uma personalidade excêntrica com grande repercussão nas redes sociais, conseguiu obter surpreendentes 23% dos votos. Paraguayo Cubas não tem problemas em afirmar que o Paraguai precisa de uma nova ditadura. Insatisfeito com o terceiro lugar, no dia das eleições, sem qualquer prova, ele instalou em seus seguidores um discurso de fraude eleitoral que levou a protestos em frente ao Tribunal Eleitoral, resultando em sua acusação e detenção por "perturbação da paz pública e ameaça de crimes puníveis". Ele mesmo se define como "o resultado do voto de raiva deste país, não sou o resultado dos que estão em uma posição confortável. Sou um acidente, estou no estômago de meu pior inimigo, que é o Estado, o sistema". Até hoje, ele permanece preso, o que pode contribuir para o crescimento de sua imagem de "antissistema", assim como aconteceu anteriormente com sua destituição como senador por seus colegas em 2019. Efraín Alegre rejeitou tê-lo como vice-presidente, e Cubas dividiu severamente o voto opositor.
O PLRA, principal partido de oposição, está passando por uma de suas piores crises internas, devido à insistência de Alegre em manter a presidência do partido sem resultados efetivos, e a um setor liberal que responde aos interesses do colorado Cartes. Na esquerda, o Frente Guasú, antiga terceira força, desapareceu completamente do cenário político e possui apenas um senador, depois que seu líder, Fernando Lugo, sofreu um acidente vascular cerebral. A maioria do eleitorado do ex-bispo migrou para a Cruzada Nacional, o partido de Paraguayo Cubas. No Parlamento, a Cruzada Nacional se tornou a terceira força, mas, como todo movimento espontâneo e demagógico, se dividiu na primeira semana e grande parte de sua bancada não hesitou em se alinhar ao cartismo. Em resumo, a oposição, exceto por alguns jovens líderes emergentes, está profundamente enfraquecida, com divisões internas e setores que apoiam abertamente o novo governo.
Santiago Peña tem a capacidade de conciliar em uma mesma frase o caráter conservador da classe política paraguaia e a renovação técnica e modernização do Estado que ele pretende promover. Ao mesmo tempo, ele é uma marionete nas mãos de um dos políticos mais polêmicos do país. A história recente paraguaia mostra que a "modernização" do Estado está muitas vezes ligada a uma crescente concentração do poder. As instituições podem ser fortes e não representativas, e o grande desafio será garantir que o equilíbrio seja preservado. É fácil ser um estadista quando o país tem bons ventos econômicos a seu favor. É mais difícil quando a economia se contrai e as pressões sociais crescem. O discurso vitorioso de Peña se baseia em seu desejo de manter uma boa relação com todos os setores, mas ele também enfrentará a difícil tarefa de controlar seu mentor Cartes. A experiência internacional sugere que a promiscuidade entre o poder político e o poder econômico costuma ser uma fonte de corrupção e de apropriação do Estado para o benefício de uns poucos. A história do Paraguai, desde a fundação há mais de 200 anos, sua luta pelo território, a Guerra do Paraguai, sua recuperação territorial, sua história recente, nos leva a pensar que um país não pode estar à mercê de estrangeiros ou de interesses ocultos.
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Paraguai e o Partido Colorado: tudo igual, tudo diferente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU