25 Junho 2012
Os governos dos países sul-americanos, reunidos na União das Nações da América do Sul (Unasul) e no bloco do Mercosul suspenderão, nesta semana, a participação do Paraguai em suas atividades, segundo expectativa do governo brasileiro.
A decisão é uma resposta ao que a maioria dos países já classificou publicamente como uma "ruptura da ordem democrática" no Paraguai: a deposição do presidente Fernando Lugo em pouco mais de um dia, sem direito adequado de defesa. A ação fio considerada pela presidente Dilma Rousseff um "precedente perigoso" para a democracia na região.
A reportagem é de Sergio Leo e Fernando Exman e publicada pelo jornal Valor, 25-06-2012.
A suspensão é temporária, não equivale à expulsão do país. Pelas regras do Mercosul, a medida sujeita o Paraguai a sanções que podem variar do bloqueio terrestre ao corte de financiamentos.
A presidente Dilma Rousseff, decidiu deixar indefinidas as sanções, propositadamente, à espera da reação paraguaia.
O Brasil descartou, porém, fechar a fronteira ou o comércio em Foz do Iguaçu, ou qualquer outra ação que possa trazer prejuízos imediatos à população paraguaia, segundo determinação da presidente. Em nota oficial, o Uruguai indicou a solução esperada pelos sócios do Mercosul: novas eleições "tão rápido quanto possível".
Acredita-se, entre governos da região, ser possível ao novo governo paraguaio convocar novas eleições em três meses, para dar legitimidade a um novo presidente do Paraguai, segundo admitiu ao Valor uma autoridade brasileira.
Lugo, que deveria sair do governo em agosto de 2013, foi derrubado pelo Congresso paraguaio em um processo relâmpago na semana passada, sob o pretexto de "mau desempenho" das funções, uma semana após um conflito de terras que resultou na morte de 11 ocupantes ilegais e seis policiais que executavam uma ordem de reintegração de posse de uma fazenda.
A maior preocupação do governo brasileiro é com o que Dilma, em reunião com presidentes da Unasul, na quinta-feira, no Rio, chamou de "precedente perigoso". Há insatisfação política interna com outros governos do continente, como na Bolívia, que recentemente enfrentou uma greve de policiais classificada pelo presidente Evo Morales de "tentativa de golpe". Nem a Colômbia estaria imune ao risco de manobras antidemocráticas, argumenta um auxiliar da presidente.
O governo brasileiro quer deixar claro que os países devem se comprometer com a normalidade democrática, que tem nas eleições a melhor maneira de lidar com presidentes impopulares ou considerados inconvenientes.
A avaliação brasileira é compartilhada por outros governos, como o da Argentina, cujo vice-presidente, Amado Boudou, divulgou nota afirmando não ver o caso paraguaio como "fato isolado". Não se discute, no entanto, a volta de Lugo ao poder.
Ao contrário do ex-presidente de Honduras, Manuel Zelaya, que não aceitou ser deposto do poder e exigiu a reintegração ao cargo, após um golpe comandado por militares, empresários e parlamentares, Lugo fez um discurso acatando a decisão do Congresso, embora tenha dito não aceitar o cerceamento de seu direito de defesa.
Dilma ficou mal impressionada com a falta de apoio popular ao presidente deposto, para a qual não havia sido devidamente advertida pelo Itamaraty. Na sexta-feira, quando autoridades brasileiras acompanhavam com Dilma, do Rio, os resultados da missão de chanceleres enviada a Assunção para tratar da crise política no Paraguai, o governo do Brasil chegou a temer uma "guerra civil" como reação contra a queda de Lugo. Os temores se revelaram exagerados, e o apoio político a Lugo foi muito menor do que se imaginava.
Na avaliação do governo brasileiro, a pressa em depor Lugo resultou de circunstâncias eleitorais, em resposta a um movimento do presidente que a oposição considerou uma manobra contra as forças políticas tradicionais. O Paraguai terá eleições em março de 2013, e o novo presidente assumiria em agosto. Após a crise desencadada pelo conflito de terras que resultou em 17 mortes, Lugo nomeou um integrante do Partido Colorado, Rúben Candia, como ministro do Interior, o que foi interpretado pelas forças políticas tradicionais como uma tentativa de dividir a oposição e ganhar fôlego para indicar um sucessor nas eleições de março.
Essa avaliação do quadro político uruguaio foi levada a Dilma no sábado, em reunião com os ministros das Minas e Energia, Edson Lobão, e da Defesa, Celso Amorim, com o assessor internacional, Marco Aurélio Garcia, o presidente brasileiro de Itaipu, Jorge Samek, e o ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, que trazia o relato da missão de chanceleres da Unasul enviada a Assunção na noite de quinta-feira. Decidiu-se nesse encontro a estratégia a ser seguida em relação ao Paraguai, nos próximos dias, que prevê uma pressão de forma gradual sobre as forças políticas do país.
A Ponte da Amizade continuará aberta, assim como continuará permitida a entrada de produtos paraguaios autorizados sem pagamento de tarifas no Brasil. A Polícia Federal não planeja mudança no ritmo de atividades na fronteira. Mas a insistência em manter até março o governo empossado com o impeachment de Lugo pode provocar sanções crescentes por parte do Mercosul.
O Paraguai já foi vetado ontem da reunião do Mercosul, marcada para o próximo fim de semana, segundo comunicado oficial. Os demais três sócios do bloco - e mais a Venezuela, cuja entrada no Mercosul vem sendo adiada pelo Congresso do Paraguai - já classificaram oficialmente o que houve no Paraguai como uma "ruptura da ordem democrática". Em outras palavras, um golpe contra o governo, o que, segundo os termos do tratado do Mercosul conhecido como Protocolo de Ushuaia II, sujeita o país a sanções que podem ir da suspensão nas atividades do bloco ao corte de fornecimento de energia e bloqueio de fronteiras.
Ontem chegava a Brasília o rumor de que a Argentina preparava o bloqueio dos rios da região aos navios paraguaios, mas há um acordo entre os países do Mercosul de adotar medidas de consenso, mais brandas num primeiro momento.
Por iniciativa do governo do Peru, antes da cúpula do Mercosul haverá uma reunião dos presidentes da Unasul, na quinta-feira ou sexta-feira, para a qual o Paraguai também não será convidado. A Unasul também tem uma "cláusula democrática" que permite sanções e, caso os governos decidam, até o bloqueio territorial, econômico e financeiro ao país. Ela será acionada, como se pode prever pelas reações já manifestadas por diversos governos.
Argentina e Brasil, os vizinhos com maior influência sobre o Paraguai, chamaram seus embaixadores em Assunção de volta às respectivas capitais, num sinal diplomático de ruptura de relações.
Argentina e Brasil, históricos rivais na disputa por influência no Paraguai, têm mantido contatos frequentes. Dilma estava no Rio, participando da conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, quando recebeu, na manhã de quinta-feira, um telefonema da presidente argentina, Cristina Kirchner, com a notícia de que a Câmara dos Deputados do Paraguai aprovara a abertura de um processo de impeachment contra Lugo, enviado no mesmo dia ao Senado. Dilma decidiu convocar uma reunião de emergência da Unasul e contatar por telefone os presidentes do Chile, Sebastián Piñera, e do Peru, Ollanta Humala, que já haviam deixado a Rio+20. Piñera autorizou o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, a falar em seu nome.
Decidiu-se o envio da missão de chanceleres, com Pariota e o secretário-geral da Unasul, Ali Rodriguez, para convencer os senadores paraguaios a dar mais tempo de defesa para Lugo, preservando assim o princípio democrático de direito a ampla defesa. "Até multa de trânsito tem processo mais demorado que o meu no Paraguai", desabafou Lugo, em teleconferência montada no escritório de Dilma no Riocentro, na qual o presidente do Uruguai, José Mujica, serviu de porta-voz aos presidentes, na conversa com o paraguaio.
A missão dos chanceleres encontrou políticos paraguaios dispostos a seguir até o fim o roteiro traçado para o impeachment do presidente, que o depôs do poder após pouco mais de um dia de iniciado o processo. Restou aos ministros divulgar uma nota, lembrando as cláusulas democráticas da Unasul e do Mercosul que serão acionadas nesta semana.
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Unasul e Mercosul suspenderão o Paraguai para forçar eleições - Instituto Humanitas Unisinos - IHU