02 Julho 2012
Domingos Laíno leva em sua pasta um gorro preto adornado com a foto de Che Guevara. É o distintivo da ala progressista do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) que hoje governa o Paraguai através do ex-vice-presidente Federico Franco, logo após o golpe parlamentar da semana passada. Em seus 76 anos afirma que continua batalhando e professa lealdade para o destituído presidente Fernando Lugo. Seu filho, Luís Domingo Laíno, também leal, renunciou nesta semana ao cargo de embaixador do Paraguai em Cuba.
A reportagem e a entrevista é de Mercedes López San Miguel e publicada pelo jornal Página/12, 29-06-2012. A tradução é de Benno Dischinger.
Laíno, fundador do PLRA e três vezes candidato a presidente, não descarta a possibilidade de apresentar-se a uma candidatura. “Dizem-me que Lula perdeu três vezes antes de ser presidente. O mesmo ocorreu com Alllende. Eu lhes contesto que não sou nem Lula nem Allende”, diz em tom de troça. Para os paraguaios, o sobrenome Laíno é sinônimo de combate à ditadura. Este histórico dirigente foi preso por várias vezes durante o período de Stroessner, sofreu torturas e precisou exilar-se na Argentina.
Após o julgamento político expressado contra Lugo, Laíno viajou a Buenos Aires como membro da Frente de Defesa da Democracia (que inclui a esquerdista Frente Guassú e alguns liberais) para defender a democracia de seu país e romper com o relato monolítico da mídia conservadora que avaliza o golpe institucional.
“Lugo continua sendo o presidente e este é um golpe de fato, isso eu disse aos novos assessores de Itaipu”, afirma Laíno em entrevista, após deixar sua cadeira vazia como conselheiro da represa hidroelétrica paraguaio-brasileira Itaipu.
Eis a entrevista.
Você crê que esta crise política vinha se gestando desde antes da desocupação do prédio de Curuguaty, no qual morreram onze camponeses e seis policiais?
A conspiração se instalou faz muito tempo atrás, pouco depois de instalar-se o governo de Lugo. Em 2009, Lugo fez um discurso muito claro no Fórum Social Mundial em Belém, onde disse que os Estados Unidos devem devolver Guantánamo a Cuba. E reconheceu essa revolução tão condenada pelos setores refratários. O presidente, em várias ocasiões, falou da integração dos povos latino-americanos e se inscreveu no bloco da Unasul. Quando Hugo Chávez visitou o Paraguai, levou-o a San Pedro, na região na qual ele foi bispo e apresentou-o a muitos camponeses. Não o fez com outros mandatários. Temos tido um governo com um Poder Executivo progressista e com um Parlamento neoliberal e existiu uma política de bloqueio às iniciativas de Lugo. O Estado é débil porque a natureza dos políticos que têm governado o Paraguai é de uma tendência onde reinou o laissez-faire.
Nem falar de levar em frente a reforma agrária...
Lugo teve problemas de todo tipo. Os primeiros a reagir foram os “brasiguaios”, porque são eles que têm as grandes terras mais ricas na fronteira. Essas terras são utilizadas para a soja. Estes ‘sojeiros’ lhe fizeram ‘tratoraços’, protestos na estrada. Depois foram se organizando lentamente. Conseguiram muitos fundos. Creio que conseguiram fundos para este golpe. Fui deputado e senador durante 25 anos e sei bem que nestas coisas sempre há um ingrediente econômico.
A que se refere?
Não estranho que Franco diga que vão seguir-se as tratativas com a transnacional fundidora de alumínio Río Tinto Alcan (N. da R.: de capitais canadenses, ingleses e australianos). Creio que Río Tinto Alcan pode ser um dos contribuintes deste golpe. É um megaprojeto que vai utilizar quase toda a energia que se usa no Paraguai, vai produzir lingotes de alumínio numa quantidade exuberante. A inversão é de quatro bilhões de dólares! Representa um terço do produto interno bruto paraguaio. Franco quer privatizar os aeroportos e deixar em mãos da iniciativa privada o aqueduto. Por isso, digo que não é um julgamento político, e sim um julgamento ideológico que se levou a cabo.
Este novo governo previa que a Venezuela, por exemplo, iria cortar a subministração de petróleo?
Creio que sim. Mas, não esperavam a atitude da Argentina. Pensavam que seria menos pesada, mais branda, Sem embargo, Cristina Fernández assumiu uma postura muito clara e retirou seu embaixador. Seguramente, tampouco esperavam que o secretário geral da Unasul, o venezuelano Alí Rodríguez, diria que enviará uma comissão para que investigue duas coisas: os responsáveis morais e materiais do massacre de Curuguaty, e também os responsáveis deste golpe de Estado.
Você que esteve assessorando sobre temas energéticos, o que opina das declarações do novo presidente Federico Franco de que a Argentina e o Brasil deveriam respeitar os compromissos com o Paraguai?
Desde o momento em que é um governo de fato, não tem autoridade de pedir nada e este é um governo de fato. Houve uma conspiração. Os congressistas conseguiram, não sei por que mecanismos, uma maioria absoluta de votos para destituir Lugo. Ele vai voltar, estou certo disso.
Lugo terá êxito com algumas manifestações de apoio e pressão internacional?
Está crescendo essa resistência. Hoje, sexta-feira, vai haver uma grande concentração em Assunção, em paralelo com as cúpulas do Mercosul e da Unasul. Creio que vai ser uma manifestação muito importante.
Como se faz para seguir num partido acusado de traição, já que cogovernava com o presidente?
O traidor não é o partido, são seus dirigentes e responsáveis destes fatos dolorosos. O PLRA sempre defendeu o sistema democrático e tem uma tradição libertária. Eu faço parte do Movimiento Cambio para la Liberación, um grupo progressista; há outros liberais que pertencem a um setor mais conservador. Nós não podemos aceitar o que ocorreu.
O que significa que se tenha nomeado alguém das filas de Lino Oviedo, a saber, María Liz García, como ministra da defesa?
Oviedo é um militar que esteve em intentonas de golpe no passado. Ele fazia política partidária sendo oficial das forças armadas: usava um lenço colorado. Seu desempenho sempre foi irregular e sua linha política é neoliberal, um populismo barato.
Quanto peso tem atualmente o oviedismo?
Teve muito peso, mas agora diminuiu. Houve duas ou três deserções de deputados, de legisladores que voltaram ao Partido Colorado. Hoje creio que a terceira força é a Frente Guasú, a unidade dos partidos de esquerda. Antes de que sucedesse este golpe, o projeto era unir o Partido Liberal Radical Autêntico com a Frente Guasú para as eleições de 2013. Conseguiríamos vencer facilmente.
Existe agora uma aliança entre o PLRA e o oviedismo?
Sim, sem dúvida. Franco sempre esteve próximo do oviedismo. E talvez também se una a Patria Querida, o partido dos empresários e capitalistas. Os colorados não aceitaram cargos ministeriais no governo golpista porque querem confrontar com o PLRA.
Sua afinidade ideológica está hoje mais próxima da Frente Guasú ou dos liberais?
Sempre fui progressista e tive uma e a mesma atitude ideológica. Nunca neguei minhas idéias. Vou deixar a Secretaria de Relações Internacionais do PLRA, porém continuo sendo membro do comitê central do partido, do diretório.
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“A conspiração se instalou faz muito tempo no Paraguai" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU