07 Agosto 2024
"Na discussão sobre o sexo, não mais dos anjos, mas dos e das atletas, eu me orientaria por esta verdade "oblíqua": é correto buscar a justiça e a igualdade, mas sabendo muito bem que no mundo existem apenas diferenças", escreve Alberto Leiss, publicado por il manifesto, 06-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Enquanto esperamos a qualquer momento que a catástrofe aberta entre Israel e Palestina dê mais um passo em direção ao abismo para todo o Oriente Médio e talvez para o mundo inteiro, estamos nos empolgando com as lutas no ringue olímpico entre Imane Khelif e suas adversárias.
Afinal, as controvérsias domésticas e globais que cercam o palco olímpico de Paris não estão imunes ao clima bélico que nos cerca e nos perpassa. Atualmente, a guerra é tão forte nas paixões e nos interesses que não se pôde sequer imaginar uma mera "trégua" no suposto "espírito olímpico". Pelo contrário, a competição amigo-inimigo informa a guerrilha de fake news sobre o verdadeiro sexo da atleta argelina - que sempre foi considerada uma mulher, a começar por ela mesma e por sua família -, assim como sobre de ter sido ou não realmente a "Última Ceia" de Leonardo, com Jesus e os apóstolos, aquela imitada pelas bacantes drag queens e um Dionísio azul no espetáculo parisiense.
Guerrilha - foi-nos explicado - provocada diretamente pelos amigos de Putin e prontamente repercutida por Salvini, La Russa e - com um mínimo de atenção linguística - pela própria primeira-ministra italiana. O inimigo oriental homofóbico e anti-lgbtqia+, em simpatia com as direitas "Deus, pátria e família", contra o Ocidente liberal, presa de si mesmo e, de qualquer forma, aberto aos direitos inclusivos de sexos e sexualidades não binários. Para mim - que não consigo deixar de detestar o boxe, homens ou mulheres ou outr@s que ficam se socando, chamou a atenção o fato de que tanto Imane Khelif quanto Angela Carini afirmaram ter Deus ao seu lado. E também seus respectivos pais. O de Angela do além, de onde a protege e aconselha. O de Imane, que torce com simpatia por sua filha no aquém.
Portanto, parece-me um sinal dos tempos que, no Domenica del Sole24 ore, Nunzio Galantino dedique sua última coluna Abitare le parole ao termo "queer". Depois de recordar a história dessa palavra, que passou de uma expressão depreciativa em relação a pessoas que estão "fora da norma" a símbolo da reivindicação de direitos por "uma identidade fluida e inclusiva sexual e de gênero", o bispo considerado próximo ao Papa Francisco e ex-secretário da Conferência Episcopal Italiana, indique o significado que lhe parece preferível.
"Não faltam contextos culturais", escreve ele, "nos quais aparece um uso metafórico da palavra queer. Neles, queer desafia categorias pré-estabelecidas e as expectativas sociais. Assim, abre seu caminho a suposta riqueza - ouso dizer, a beleza - dessa palavra, que reside essencialmente na sua abertura, na sua flexibilidade e em levar a experimentar um olhar oblíquo, capaz de descrever uma abordagem inclusiva de tudo o que é vida. Acolhendo o convite de Emily Dickinson: 'Diga toda a verdade, mas a diga obliquamente'". Bela citação.
Mais modestamente, gostaria de sinalizar que, de um ponto de vista certamente diferente, também Michela Murgia, em seu livro póstumo Dare la vita (Rizzoli, 2024), tenta dar aos termos queer e queerness uma valência não de fixidez identitária, mas "ligada à recusa de qualquer definição que não seja praticada por meio da não definição, da dúvida, da pergunta. Isso não significa viver em negação; significa aceitar que a indeterminação, quando é programática e vivida no compartilhamento reflexivo, é uma condição de liberdade". Na discussão sobre o sexo, não mais dos anjos, mas dos e das atletas, eu me orientaria por esta verdade "oblíqua": é correto buscar a justiça e a igualdade, mas sabendo muito bem que no mundo existem apenas diferenças.
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"Queer", inclusão ou diferença? Artigo de Alberto Leiss - Instituto Humanitas Unisinos - IHU