14 Mai 2020
Longe de contribuir para uma distribuição mais igualitária das tarefas domésticas, a crise da saúde exacerba as desigualdades em casa e no trabalho.
A reportagem é de Marie Charrel, publicada por Le Monde, 12-05-2020. A tradução é de André Langer.
O alívio durou pouco. Quando, uma semana após o início do confinamento, seu cônjuge engenheiro passou a trabalhar em tempo parcial, Cécile esperava que ele a ajudasse em casa. “Ele está fazendo um pouco mais desde que nós dois estamos no modo teletrabalho, conta essa mãe de dois meninos, que estão no jardim de infância. Mas eu continuo a administrar o essencial: compras, refeições, dever de casa, jardim, professores, ansiedade dos parentes...”.
Durante o dia, ela luta para se concentrar em seu trabalho. “Quando aponto o desconforto da minha situação, ele pergunta do que estou reclamando”. Ao longo dos dias, a incompreensão aumentou em seu relacionamento. Com muita frequência, ela sente que seu companheiro está subestimando a carga de trabalho suplementar que recai sobre seus ombros. “Eu sacrifico a minha carreira, meu tempo, diz ela. E fico esgotada enquanto ele assiste as suas séries”.
Mais trabalho, mais estresse, mais cansaço: em muitos lares, as mulheres, principalmente quando são mães, contam a mesma história. É claro que a crise da pandemia não é vivida da mesma maneira por todos os casais – e, em alguns casos, ela favoreceu o diálogo. “Mas se se esperava que os homens, ao ficarem mais tempo em casa, fossem notar melhor o peso das tarefas domésticas e concordassem em compartilhá-las mais, as primeiras pesquisas sobre o assunto parecem indicar que essa consciência realmente não ocorreu”, observa a filósofa feminista Camille Froidevaux-Metterie.
“Pelo contrário, o confinamento exacerbou as desigualdades já presentes em casa e em relação ao emprego”, acrescentou Marie Becker, especialista em questões relacionadas à igualdade profissional na agência Accordia.
Em 2019, 87,4% das francesas casadas com filhos passaram pelo menos uma hora por dia cozinhando e limpando, de acordo com o Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero (EIGE), em comparação com apenas 25,5% dos homens na mesma situação. E a crise corre o risco de aumentar ainda mais a disparidade, alerta a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em um relatório recente.
A situação é particularmente delicada para mães solteiras. Na França, elas representam a esmagadora maioria dos pais sozinhos (83%). No entanto, nas últimas semanas, 430 mil famílias monoparentais foram forçadas a solicitar uma interrupção do trabalho para cuidar das crianças por causa do fechamento das escolas, de acordo com o Observatório Francês de Conjunturas Econômicas (OFCE). Para elas, a retomada será ainda mais complexa, pois a volta às aulas promete ser caótica.
Para aquelas que passaram ao teletrabalho – e que nele permanecerão por mais algumas semanas –, a vida cotidiana muitas vezes se transformou em uma maratona ultracronometrada. Especialmente quando há crianças. Mais uma vez, a paralisação das aulas exacerbou as desigualdades já existentes. E isso, qualquer que seja o ambiente social: de acordo com o EIGE, 43,4% das mulheres com baixa escolaridade já consagravam, antes da crise, pelo menos uma hora por dia ao cuidado das crianças, em comparação com 25,6% dos homens com baixa escolaridade. E a proporção sobe para 51,8% e 28,7%, respectivamente, entre casais altamente qualificados.
“Levantar, escola, almoço, escola, lanche, jogos: eu começo a trabalhar realmente às 21h, e vou até 1h da madrugada, revela Charlotte, chefe de uma agência de comunicações em Marselha e mãe de três filhos de 2, 6 e 9 anos. Nunca há uma pausa, estou como que levitando. E se um dia eu de repente entrar em colapso?”. O marido está fazendo mais do que antes. “Mas, como costuma ser o caso, está longe de ser suficiente para absorver as tarefas suplementares, multiplicadas por dois neste contexto”, destaca Coline Charpentier, professora de história em Seine-Saint-Denis. “Os homens, de modo especial, privilegiam as tarefas externas, o que lhes permite sair de casa”, observam Hugues Champeaux e Francesca Marchetta, pesquisadoras da Universidade Clermont-Auvergne e autoras de um estudo, que está no prelo, sobre o assunto.
Há alguns meses, Coline Charpentier criou a conta no Instagram T’as pensé à? [Você pensou em?], dedicado à carga mental. Desde o início da pandemia, a conta foi inundada por testemunhos de mães exauridas, fazendo malabarismos entre os deveres de casa dos filhos, a cozinha e as conferências Zoom. “O gerenciamento das refeições e da casa assumiu proporções desproporcionais, e a maioria das mulheres rapidamente se resignou a assumir o essencial”, explica.
E por uma boa razão: em nossas representações, essas tarefas ainda são qualidades supostamente femininas demais. Mesmo aos olhos de muitas mulheres, que às vezes relutam para pedir ajuda ao companheiro. E para se libertar do mito da superwoman, capaz de dar conta em todas as frentes, sem piscar.
A esse respeito, o teletrabalho desempenha um papel ambíguo. “É ao mesmo tempo uma alavanca e um freio para a igualdade de gênero no emprego”, analisa a socióloga Christine Castelain-Meunier, autora de L’Instinct paternel, plaidoyer en faveur des nouveaux pères (O instinto paternal, defendendo os novos pais, Ed. Larousse). Para alguns, isso é indiscutível: traz uma flexibilidade que é bem-vinda. “Eu economizo duas horas por dia com o transporte, perco menos tempo na máquina de café”, comemora Chloé, assistente administrativa em Auvergne-Rhône-Alpes. São todos “minutos preciosos” que ela pode dedicar aos filhos, ao trabalho ou ao bem-estar.
Para outros, o teletrabalho transformou-se em uma armadilha. “Meu empregador me pede mais trabalho, mas quando é preciso se afastar do computador para cuidar das nossas filhas de 2 e 6 anos, meu esposo não se mexe, sob o pretexto de que sou mais ‘eficiente’ que ele, diz Natacha, gerente de comunicações em Paris. Resultado: tenho a sensação de fazer tudo pela metade e me sinto muito culpada”.
Ao contrário da crença popular, o teletrabalho, assim como os horários flexíveis, tende a reforçar a divisão clássica das tarefas entre os casais, mostram os trabalhos da socióloga Yvonne Lott, da fundação de pesquisa Hans-Böckler-Stiftung, criada por sindicatos alemães. “Os homens costumam usar essa flexibilidade para trabalhar mais, ao passo que as mulheres a usam mais para combinar melhor o profissional e o pessoal”, confirma Blandine Mollard, especialista no assunto no EIGE. Com o risco de aumentar as diferenças salariais.
No entanto, a questão financeira, muitas vezes latente, é um dos pontos nodais do problema. Segundo o INSEE, a renda dos homens é superior à das mulheres em três quartos dos casais. Resultado: quando se trata de escolher, geralmente é a atividade do primeiro que as famílias procuram preservar. “Nós dois somos independentes, mas ele ganha um pouco mais, diz Sandrine, agente comercial em Île-de-France. De repente, reduzi espontaneamente minha atividade para cuidar dos nossos três filhos”. Mas ela estava longe de imaginar, em meados de março, que o confinamento fosse durar tanto tempo.
À noite, ela dorme pouco, angustiada com a retomada da economia, que se anuncia ser mais difícil para ela. Especialmente porque, como muitas, ela não sabe quando seus filhos poderão realmente voltar para a escola e a faculdade. “A recessão está apenas começando, e será violenta, conclui ela, cansada. Eu tenho medo das consequências que um longo desequilíbrio financeiro terá sobre nossa vida conjugal”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Eu fico esgotada enquanto ele assiste as suas séries”: o confinamento agravou as desigualdades entre homens e mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU