24 Julho 2024
"A confusão entre os Doze e os apóstolos determina uma forma de clericalização dos ministros ordenados, bispos e presbíteros, considerados principalmente como sucessores dos Doze, com direitos e prerrogativas próprias, como a exclusividade do gênero masculino, que leva a considerar apenas homens como os únicos detentores de certos poderes", escreve Andrea Lebra, leigo católico italiano, em artigo publicado por Settimana News, 20-07-2024.
Trazer à luz os numerosos passos do Novo Testamento que, se traduzidos em corajosas escolhas operacionais e inovadoras práticas pastorais, poderiam desferir um duro golpe ao clericalismo, "um dos males mais sérios na Igreja" (Francisco, discurso de 17-06-2016 aos participantes da Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para os Leigos). Este é o objetivo que Yves-Marie Blanchard busca alcançar. Ele é um padre de Poitiers, ex-professor de exegese bíblica no Instituto Católico de Paris, autor de diversas publicações de caráter bíblico-teológico, especialmente sobre a obra joanina. É autor de Contra o clericalismo, retorno ao Evangelho (Éditions Salvator, 2023). Trata-se de um ensaio considerado modesto pelo autor (p. 124), de leitura fácil mas altamente estimulante, que recebeu o "Prêmio de Leitores 2023" da Conférence Catholique des Baptisé-e-s Francophones na França.
O título da obra sugere substancialmente o seu conteúdo. Se, como afirma o Papa Francisco (discurso de 06-10-2018 aos peregrinos da igreja greco-católica eslovaca), o clericalismo é "uma maneira não evangélica de entender o próprio papel eclesial" tanto pelos ministros ordenados quanto pelos leigos, é com as "armas" do Evangelho que ele pode e deve ser combatido de forma eficaz.
Contra o clericalismo, retorno ao Evangelho, livro de Yves-Marie Blanchard.
De fato, é hora de destacar a radical incompatibilidade entre o Evangelho e o clericalismo (p. 10), definido como "qualquer forma de governo baseada na concentração de autoridade nas mãos de uma minoria e exercida sem um verdadeiro diálogo e sem busca de consenso, marginalizando, tanto teórica quanto praticamente, pessoas e associações consideradas insignificantes, prejudiciais e incapazes de participar do debate" (p. 10, nota).
O livro não pretende ser mais um ato de acusação pelos abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número impressionante de clérigos e pessoas consagradas: abusos que são consequência direta de uma cultura e estilo de vida clerical. Pelo contrário, ele quer oferecer uma contribuição construtiva e decisiva para um testemunho cristão que seja o mais conforme possível com a mensagem de Cristo.
E o faz, destacando passagens dos Evangelhos, das cartas de Paulo e de outros escritos do Novo Testamento que, embora conhecidos, precisam ser levados mais a sério ao relacioná-los a questões de grande atualidade – todas relacionadas direta ou indiretamente ao clericalismo – como o exercício da autoridade na Igreja, o estilo fraterno e sororal exigido daqueles que seguem o Senhor Jesus, a articulação na Igreja entre homens e mulheres, a concepção dos ministérios, o clima de comunhão e de corresponsabilidade diferenciada que deve sempre caracterizar a vida das comunidades cristãs.
O ensaio é estruturado em sete capítulos concisos, cada um oferecendo uma meticulosa exegese de um versículo ou trecho do Novo Testamento que, mais do que aprofundamentos teóricos, precisa ser implementado:
No sétimo capítulo, dedicado como conclusão à sinodalidade como "remédio para as doenças que afetam o corpo eclesial, especialmente os males do clericalismo" (p. 114), é resumido o conteúdo do livro:
É importante para o biblista Yves-Marie Blanchard demonstrar como as Escrituras não são apenas histórias folclóricas que podem ser ignoradas, mas para aqueles que creem que nelas está presente a Palavra de Deus, uma provocação singular para adquirir, também na organização da comunidade eclesial, a sabedoria de viver na sequência de Jesus de Nazaré e no serviço à sua missão, imitando o sábio do Evangelho que, tornando-se discípulo do Reino dos céus, age "como o dono de casa que tira do seu tesouro coisas novas e velhas" (Mt 13,52) (p. 124).
Um conhecido trecho do Evangelho de Mateus (23,9-11) nos exorta a não chamar ninguém de pai na terra, porque apenas um é o nosso Pai, o celestial; a não chamar ninguém de mestre, porque apenas um é o nosso Mestre, e todos nós somos irmãos e irmãs; e a não chamar ninguém de guia, porque apenas um é o nosso Guia, Cristo; e o maior entre nós é aquele que se põe a nosso serviço.
Diante de tantas formas de clericalismo resultantes de mal-entendidos paternalismos eclesiásticos (p. 15) ou de questionáveis formas de exercício do governo da Igreja, por que deveríamos relativizar ou mesmo ignorar esta forte recomendação de Jesus, continuando a considerar alguém como pai, mestre e guia, esquecendo que todos somos filhos e filhas do Pai celestial e, portanto, irmãos e irmãs?
Desse modo, por que não substituir os pomposos títulos eclesiásticos como eminência, excelência, monsenhor ou reverendo, que denotam grandeza e poder e nada têm a ver com a "forte recomendação de Jesus" (p. 16) em Mt 23,9, por um simples e evangélico irmão?
Se há um elemento que caracteriza os relacionamentos entre o apóstolo Paulo e as comunidades ligadas à sua missão, é sem dúvida a fraternidade (p. 38).
Com referência apenas às sete cartas consideradas autênticas, os termos "irmão/irmãos" aparecem dezesseis vezes na primeira carta aos Coríntios, seis vezes na carta aos Gálatas, seis vezes na primeira carta aos Tessalonicenses, cinco vezes na carta aos Romanos, três vezes na carta a Filemon, duas vezes na segunda carta aos Coríntios, e uma vez na carta aos Filipenses.
Como observa o autor, na língua grega o termo "irmão" implica também "irmã", enquanto no francês (como no italiano), a palavra "irmão" não pode abranger os componentes masculino e feminino da única família de Deus (p. 27). A fidelidade à era apostólica justificaria inequivocamente que, na proclamação litúrgica dos textos paulinos, nos dirigíssemos aos irmãos e irmãs e não apenas aos irmãos, como é comum fazer (p. 41). Isso certamente seria um avanço no esforço de desclericalizar também a linguagem litúrgica, em benefício de comunidades caracterizadas pelo pleno e mútuo reconhecimento de todos os membros reunidos, independentemente de qualquer diferença de gênero (p. 42).
O convite para nos reconhecermos como irmãos e irmãs, propondo-o como um verdadeiro estilo de vida, significa contribuir para que a Igreja não se burocratize, mas se torne essencialmente a casa e a família de Deus (p. 24 e 27).
Iluminando o capítulo intitulado "Os Doze, que ele também chamou de apóstolos" (Lc 6,13).
Para nosso autor, de fato, o clericalismo parece ter suas raízes também na confusão frequentemente feita entre os discípulos, os Doze e os apóstolos.
A confusão entre os Doze e os apóstolos, por exemplo, determina uma forma de clericalização dos ministros ordenados, bispos e presbíteros, considerados principalmente como sucessores dos Doze, com direitos e prerrogativas próprias, como a exclusividade do gênero masculino, que leva a considerar apenas homens como os únicos detentores de certos poderes (p. 43).
Segundo o dado neotestamentário, podem ser distinguidos três níveis: primeiro, um número significativo de discípulos reunidos por Jesus; em segundo lugar, os Doze instituídos por Jesus para acompanhá-lo em seu ministério itinerante; finalmente, um número considerável de apóstolos, dos quais certamente os Doze fazem parte, destinados à missão em todo o mundo. Pode-se dizer que os Doze funcionam como uma ligação entre os discípulos, dos quais fazem parte, e os apóstolos, dos quais são os primeiros, mas não os únicos (p. 49).
Uma análise cuidadosa dos textos escriturísticos deveria nos induzir a ser mais prudentes ao referir-se aos Doze quando se trata de definir a natureza e as modalidades de exercício da autoridade na Igreja. Com muita frequência, de fato, a figura dos Doze é considerada paradigmática da estrutura hierárquica da Igreja Católica, com a consequência de considerar impossível o acesso das mulheres ao ministério ordenado, dado que Jesus e os Doze eram homens, no sentido de serem pessoas do sexo masculino (p. 54).
Se é verdade que a Igreja é apostólica porque foi fundada sobre os apóstolos, deve-se observar que não faltam testemunhos neotestamentários afirmando que na Igreja dos primeiros séculos também havia mulheres apóstolas: basta citar Maria Madalena, justamente considerada pela tradição apóstola dos apóstolos (p. 66), ou a apóstola Junia, ou ainda a diácona Febe com funções de liderança: estas duas últimas nomeadas no capítulo 16 da carta de Paulo aos Romanos (p. 55).
Dar um reconhecimento pleno aos carismas, à vocação e ao papel das mulheres em todos os âmbitos da vida da Igreja significaria questionar um modelo eclesial ainda frequentemente tingido de clericalismo (p. 56).
Para consolidar e fortalecer hoje o clericalismo na Igreja Católica, certamente contribuem as evidentes discriminações contra as mulheres (p. 57).
Neste sentido, o autor convida a confrontar-se com a impressionante declaração de Paulo contida na carta aos Gálatas: "Todos vós sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Pois todos vós que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher" (Gl 3,26-28).
Quanto à dicotomia masculino-feminino, trata-se evidentemente não de negar a diferença entre homem e mulher, mas de rejeitar toda forma de oposição, rivalidade ou conflito entre o sexo masculino e o sexo feminino. Viver dentro da Igreja uma reciprocidade relacional real e dinâmica entre homens e mulheres significaria consolidar significativamente uma prática não clerical (p. 62).
Por outro lado, são numerosas as evidências neotestamentárias que demonstram que as mulheres participam normalmente do ministério de Jesus como discípulas e são muito ativas nas comunidades paulinas (p. 65), até mesmo exercendo o ministério de oração e profecia, como testemunha Paulo em 1Cor 11,4-5 (p. 67). Isso, no mínimo, sugere que hoje a questão de uma participação mais ampla das mulheres não apenas nos processos de discernimento eclesial e em todas as fases dos processos decisórios, mas também na ação litúrgica, está longe de ser secundária ou anedótica, merecendo ser considerada um elemento essencial para combater o clericalismo (p. 65).
Para derrotar o clericalismo, será principalmente o povo das Bem-aventuranças, desde os simples fiéis até aqueles que ocupam papéis de autoridade na Igreja (p. 76).
Assim como nos antípodas do clericalismo não pode deixar de se colocar aquele que, assumindo a lógica do Reino de Deus, considera os verdadeiros grandes como os pequenos e humildes, as pessoas mais próximas de Jesus (p. 79). Um princípio a ser aplicado também quando se trata de confiar responsabilidades na ordem do governo da Igreja (p. 79).
Nenhum direito de dominar, se queremos entrar no Reino de Deus. O único poder é a capacidade de nos colocarmos a serviço dos outros, sem a pretensão de sermos considerados e chamados benfeitores, mas contentando-nos em ser exclusivamente servos de todos.
Mt 20,26-27 poderia ser traduzido assim: "Quem quiser ser grande, seja vosso servo. E quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos". Uma regra de governo absolutamente original e revolucionária.
"Grande" não é aquele que exerce poder e faz pesar sua autoridade sobre as pessoas que governa, mas aquele que se coloca humildemente a serviço delas, dissipando assim todo autoritarismo, abuso de poder e desprezo pelos mais fracos (p. 92). À imagem de Jesus Cristo que, como está escrito na carta de Paulo aos Filipenses (2,6-7), "esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo" (p. 93), colocando um avental para lavar os pés de seus discípulos e pedindo-lhes que façam o mesmo uns com os outros (p. 88).
É belo o que o autor escreve comentando o capítulo 10 do Evangelho de João, no qual Jesus é apresentado como pastor e porta pela qual passa o rebanho que ele guarda: um capítulo rico em ensinamentos para aqueles que na Igreja devem governar (p. 105).
O pastor guia o rebanho sem se sentir obrigado a impor sua autoridade e sem recorrer a formas de ameaça ou violência. Sua autoridade se baseia certamente em sua competência, mas principalmente na qualidade dos laços que ele estabelece com cada ovelha (p. 100).
O pastor está disposto a cuidar também das ovelhas que não fazem parte de seu aprisco, saindo dos cercados que normalmente frequenta (p. 107).
Outra característica do verdadeiro pastor - proprietário de 100 ovelhas - encontrável nos Evangelhos de Mateus (18,12-14) e Lucas (15,4-6): cuidar especialmente das ovelhas mais fracas e estar pronto para deixar temporariamente as 99, indo em busca da única que está perdida e, encontrando-a, trazê-la de volta sobre os ombros, convidando amigos e vizinhos para celebrar com ele a sua recuperação (p. 109).
Isso significa que combater o clericalismo também significa tentar alcançar os muitos ausentes, se relacionar com os não crentes e os não praticantes, promover espaços de diálogo com os críticos e os perplexos, confrontar-se com os agnósticos e os indiferentes, acolher aqueles que, por diversas razões, lutam para encontrar dentro da comunidade eclesial um reconhecimento pleno de sua dignidade, voltar a percorrer caminhos com aqueles que estão na soleira da comunidade cristã ou que a deixaram sorrateiramente, ouvir o grito dos pobres e solidarizar-se com aqueles que não têm voz na cena social.
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O Evangelho derrota o clericalismo. Artigo de Andrea Lebra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU