25 Novembro 2022
Em sua intervenção no Le Monde, o padre Jean L'Hour deplora a sacralização da função de bispos e padres e a relegação a níveis inferiores de mulheres e leigos.
O texto é de Jean L'Hour, padre das Missões Estrangeiras de Paris, professor emérito do Collège général de Penang (seminário maior da Malásia), exegeta, que participou de La Bible, nouvelle traduction (coletivo, diretor da publicação: Frédéric Boyer, Bayard, 2018), publicado por Le Monde e reproduzido por Fine Settimana, 21-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, E ouviram de mau grado com seus ouvidos, E fecharam seus olhos; Para que não vejam com os olhos, E ouçam com os ouvidos, e compreendam com o coração, e se convertam, e eu os cure” (Mateus 13, 14-15).
Caros bispos da Igreja da França, é com raiva e indignação, mas também com afeto que eu, padre, lhes envio esta carta. Há meses, há anos, seus silêncios e a única preocupação com sua honra cobriram inúmeras torpezas no coração de nossa comunidade cristã e até seus mais altos responsáveis. Por favor, acordem e vejam, agucem o ouvido e ouçam! A comunidade confiada a vocês é como um rebanho sem pastor. A sua palavra perdeu credibilidade. Entre os fiéis, alguns se afastam com tristeza, outros tentam se refugiar em um passado ultrapassado. E enquanto isso, o Evangelho de Jesus Cristo não é proclamado, as boas novas de Deus para o mundo não são mais ouvidas!
Felizmente, ainda existem numerosas testemunhas de Jesus que, na discrição da sua vida cotidiana, mantêm a candeia acesa. Por favor, não os desencorajem!
Como João Batista, comecem despojando-se de todas as suas ornamentações, aquelas relíquias de um tempo não tão distante em que a Igreja fazia pesar seu poder sobre as nossas sociedades. A imagem recente da sua assembleia em Lourdes com suas mitras, casulas, anéis, pastorais, é em si um contratestemunho, um insulto à pobreza de Jesus e à sua preferência pelos pobres.
A mesma imagem, sem leigos e sobretudo sem mulheres, é também um insulto para toda a comunidade cristã. Vocês a dominam, afirmam falar em seu nome, mas não a representam. E, no entanto, sem aquelas multidões de homens e mulheres que vocês continuam a manter ao pé do altar, o que seria da nossa Igreja hoje?
Já não basta mais, caros irmãos bispos, que rolem nas cinzas pedindo perdão, que tomem medidas canônicas que consideram adequadas para os males que querem curar. Já não basta mais que vocês nos digam que daqui para frente as coisas irão mudar radicalmente, que sua palavra será transparente. Já não basta mais recorrer a especialistas, psicólogos, terapeutas, conselheiros de comunicação, juristas... Já não basta mais nem mesmo rezar. Tudo isso era necessário ser feito, e já é um passo importante, mas ainda é gravemente insuficiente, pois assim vocês enfrentam apenas os sintomas do mal, não as suas causas profundas. Portanto, seus remédios são apenas cataplasmas em um corpo que permanece gravemente doente.
O mal "sistêmico", bem diagnosticado pelo relatório Sauvé (2021), de que nossa Igreja sofre, é de fato profundo. Não tem justamente sua origem na sacralização do presbiterado que coloca bispos e padres acima do povo? Não tem justamente a sua origem na relegação das mulheres ao plano inferior, relegação herdada das sociedades patriarcais? Não tem justamente também a sua origem num medo visceral da sexualidade, percebida como um perigo contra o qual é preciso precaver-se, mantendo as mulheres à distância?
O padre, sacralizado, torna-se intocável pelas pessoas vulneráveis, como crianças, deficientes ou, simplesmente, crentes em geral. Porém, a sacralização de seu estado, e não apenas de seu ministério, aprisiona o próprio padre, que permanece acima de tudo um ser humano com todas as suas faculdades, desejos e pulsões. Caros irmãos bispos, olhem para seus padres, os escutem, tenham misericórdia deles, tenham misericórdia de si mesmos e vamos reconhecer que todos somos simples seres humanos. Que o espírito de Jesus Cristo ilumine e lhes dê a audácia de inventar um novo ministério presbiteral, não mais aquele de uma casta levítica separada, separada do povo, mas aquele do serviço no meio do povo.
Caros irmãos bispos, por favor, escutem o meu grito, que é também o de muitos outros irmãos e irmãs, peço-lhes em nome d'Aquele que veio libertar-nos para que vivêssemos. Por favor, acreditem também em meu afeto e em minha oração fraterna.
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“Caros irmãos bispos da Igreja da França, escutem os vossos padres e tenham a audácia de inventar um novo ministério presbiteral” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU